27.12.05

... e cinco anos da partida

Áurea,

Tudo bem aí onde você está? Espero que sim.

Hoje você faria aniversário. Algo em torno de um século de existência. E logo adiante temos outra data relevante se aproximando: no próximo domingo faz cinco anos que você partiu. O tempo voa, não é mesmo? Tenho vividamente comigo a lembrança da última vez que nos olhamos nos olhos. Eu estava ajoelhado na sua frente, para ficarmos mais ou menos na mesma altura. Abracei sua cintura e pedi sua bênção, como sempre. Naquele momento, no meio das lágrimas suas e minhas que se misturavam, vi que havia algo diferente. Só muito tempo depois fui entender que era uma despedida definitiva. Algo que você, com sua intuição incrível, deve ter sabido desde ali.

Não me surpreende que você tenha morrido no dia 1º de janeiro de 2001. Não combinaria com você uma data qualquer -- tinha que ser o primeiro dia do novo milênio. Você não é nada fraca, não, né? Se bem que houve aí uma certa contradição sua: você vivia dizendo "a mil chegarás, de dois mil não passarás". E você passou, afinal. Como assim? ;-)

Resolvi escrever hoje para compartilhar com você algumas das sensações que venho tendo nesses cinco anos e que, essencialmente por covardia, não tinha conseguido registrar. Desculpe o texto canhestro, falho e brega. Mas é o que consigo neste momento.

Uma das coisas que me diziam lá no começo -- logo após eu escolher seu caixão, segurar sua mão fria durante o todo velório e descer à sua sepultura junto com você -- era que o tempo seria um bálsamo para o meu sofrimento. Mentira deslavada. Fiquei durante uns bons anos acreditando nisso e tentando esquecer. Inútil. Sinto sempre o seu cheiro (que nunca foi "cheiro de velha"). Lembro-me todos os dias dos ditados e frases feitas que você usava à exaustão, e os uso. O gosto da sua ambrosia às vezes emerge dos recônditos do meu paladar. E hoje tenho a certeza de que o que tenho que fazer é reinventar todo dia a força e a serenidade (estranho, não?) de conviver com a dor e o "buraco" da sua ausência.

Para você ter uma idéia do que estou falando, faz algumas semanas eu estava no shopping na correria das compras de Natal. Passei pela vitrine de uma loja e nela vi um DVD do MacGyver (ou "Maigaive", como você dizia). Em uma fração de segundo veio à minha cabeça: "Já sei qual vai ser o presente de Natal da Áurea, ela vai adorar". E imediatamente depois pensei: "Não vai dar. Ela está morta".

De qualquer forma, não amaldiçôo esta dor. Ela só existe com a importância que tem devido ao amor incondicional que um dia nos uniu no mesmo plano e ainda nos une, e que atravessou brigas, gritos, problemas, diferenças, distância, intrigas, seu gênio do cão (e o meu idem) sem nunca arrefecer um milímetro que fosse.

Há algum tempo, não sei se você viu de onde está, sofri um golpe violento de alguém em quem eu confiava. No início, levianamente, achei que a dor se comparava à que senti quando você se foi. Só que a tal pessoa, mau-caráter a toda prova, não vale uma cusparada sua. Então aquela dor foi cedendo, diminuindo, sumindo... até sobrar só uma cicatriz que é incômoda, mas que tem a vantagem de servir de aviso para eu não cometer o mesmo erro novamente. Aliás, esta também (prevenir) era uma função que você exercia com freqüência, lembra?

Diz um filósofo desses contemporâneos que nossa identidade nada mais é do que uma combinação única dos textos/discursos/ações dos outros em nossa vida. Ou seja, que somos feitos da intertextualidade adquirida através dos contatos que estabelecemos durante nossa trajetória. Isso faz sentido para mim. E quero que você saiba que, se for mesmo assim, a parte mais forte da minha identidade é feita de Áurea. Para o bem ou para o mal (como se isso existisse).

É isso, vovó. Tenho saudades de você, mas sei que um dia vamos estar juntos de novo. Sei que, quando você quis desfazer o pacto que tínhamos desde a minha infância -- de que quem fosse primeiro, voltaria para buscar o outro --, foi para me proteger, por amor a mim. Mais uma vez. Mas vai ser muito feliz o dia em que a gente se reencontrar. Espera por mim, tá?

PS: Você vivia dizendo que você seria meu "tipo inesquecível". Pois bem, mais uma vez você foi bem-sucedida...
Um ano da chegada...

Giulia, minha afilhada querida,

Hoje você faz um ano. Para começar de um jeito bem clichê, parece que foi ontem que eu anunciei neste blog o seu nascimento -- seguido da polêmica que o anúncio causou. Também parece que foi ontem que eu tive a gostosa sensação de segurar você nos meus braços, parcas oito horas depois que você veio à luz, aparentemente tão frágil e ao mesmo tempo com o poder de gerar tanta coisa boa.

Para comemorar isso, resolvi escrever para você. E estou desde já consciente que você, quando conseguir ler e entender esse texto piegas, provavelmente vai dizer "pô, padrinho, que mico!", ou qualquer que seja a gíria correspondente daqui a alguns anos. E tá tudo certo ;-)

Mas, enfim, quero agradecer a sua presença na minha vida nos últimos doze meses. É engraçado: com você descobri certas coisas sobre mim que eu mesmo desconhecia. Uma delas, talvez a principal, é a capacidade de gostar imensamente de alguém sem a menor justificativa racional, lógica, pensada e refletida. No começo ficava me perguntando como é que a gente pode gostar tanto de uma coisinha tão pequenininha que basicamente dorme, chora, ri, come e faz cocô e xixi. Mas a gente gosta e pronto!

No sábado passado, durante nossa festa, fiquei durante algum tempo prestando atenção em você. Foi muito legal perceber que sua gama de olhares está ficando cada vez mais variada. Antes eram basicamente as expressões de insatisfação, normalmente acompanhadas de choro; e de alegria, acompanhadas de sua risada gostosa de meia-dúzia de dentes. Agora percebo também o olhar de curiosidade. Olhar de reconhecimento. Olhar de vontade. Olhar de medo. Olhar de sono. E outros tantos que têm sido deliciosos de descobrir.

A gente faz uma brincadeira, entre os mais íntimos da turma, dizendo que precisamos fazer uma poupança para pagar terapia para você, pois você tem pais, padrinhos, avó e "tios" tão loucos, mas tão loucos, que vai ser preciso um tratamento psicológico -- sobretudo depois que você vir as fotos do início da sua infância :-)

Brincadeiras à parte, minha esperança e minha crença vão no sentido oposto: acho que você vai crescer de tal forma convivendo com a diversidade (mesmo que travestida de loucura), que achará normal e gostoso conviver com pessoas as mais diferentes, fazendo coisas as mais diferentes; e que poderá ajudar a construir um mundo menos medíocre e sem-graça. Topa o desafio?

Enfim, meu anjo, o que eu quero lhe dizer é isso:

* Feliz Aniversário!
* Obrigado por fazer minha vida mais rica de afeto, alegria, carinho e descoberta
* Saiba que você é muito amada por seus pais, seu padrinho, sua madrinha, sua avó Val e mais um monte de gente
* Seja feliz!

22.12.05

Essa noite derramei minhas lágrimas em seu nome

Em meio a muitos graus de febre eu acordei chorando. Um choro socado, aos trancos, agudo, agoniante. Por trás de meus olhos fechados e molhados eu pensava nela. Sentia saudades dela. Minha mãe. Minha mãe por muitos anos. A mulher mais forte que já conheci, a mais desperta, a mais lúcida. Alguém de quem guardo as melhores recordações, alguém que me deu colo e abrigo quando nem parte da minha família concordava com os meu caminhos. Muita gente não concordava. Essa noite derramei minhas lágrimas em seu nome.

Eu caminhei. Devagar, do meu jeito. Mesmo quando não concordava ela fechou os olhos e me apoiou. Amou-me como a um filho de verdade. Foi minha mãe de verdade. Eu venci, Valquíria. Não tudo, não cheguei onde eu queria, mas eu cresci. Eu estou aqui, de pé, diante do mundo. Orgulhoso por mim e orgulhoso por você, e muitos outros, claro. Mas essa noite derramei minhas lágrimas em seu nome.

Parte dessa vitória foi consumida pela amargura. Por querer acreditar num mundo onde eu sou mais forte, onde uma doença não pode destruir meus nervos, minha saúde. Onde talvez essa doença nem existisse. Eu sei que no fundo não é culpa minha, nem sua, nem de ninguém. Não escolhemos certas coisas. Mas eu queria que tudo tivesse sido diferente. Todos queriam que fosse diferente. Mas essa noite derramei minhas lágrimas em seu nome.

Quando eu fui embora, naquele dia maluco, eu te disse que não queria que fosse assim, que não queria me sentir daquele jeito. Que gostaria de mudar meus sentimentos. Você, claro, me entendeu. E me abraçou, como você sempre abraça. Daquele jeito de mãe, muito forte, como querendo me esmagar. Irônico ver que antes de eu morar com você não haviam tantos abraços e beijos na sua casa. Abraços passaram a nunca faltar em sua família. Mas essa noite derramei minhas lágrimas em seu nome.

Eu sei que ainda posso passar na sua casa e te abraçar no Natal, no Ano Novo, quando eu quiser. Mas ainda é muito difícil. Às vezes eu evito seus olhos de ternura, pois sinto que falhei com você. Falhei com um monte de pessoas. Mas essa noite derramei minhas lágrimas em seu nome.

Na noite de Natal, como em todas as outras, a dor vai passar mais um pouco, e vai levar com ela mais um pouco da minha vida. Queria depositar essa vida em você. Forte, mãe, heroína. Muita força pra você dona Val. Toda força que seu filho não teve, e nunca vai ter. Na noite de Natal estarei com você, no pensamento mais feliz e sincero que você tiver. Pensarei em muitas pessoas. Mas essa noite derramei minhas lágrimas em seu nome.

Eu te amo. Feliz Natal, feliz 2006.

See Ya

20.11.05

Quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama

No sábado assisti a Vlado - 30 anos depois, filme com roteiro e direção de João Batista de Andrade, cineasta brasileiro "das antigas" que foi amigo próximo de Vladimir Herzog, jornalista sobre cuja morte nas mãos de oficiais do 2º Exército fala o filme.

O filme começa muito bem, provando o que há muito eu já sabia: ninguém sabe ao certo quem foi Vladimir Herzog. Parando pessoas em frente a Catedral da Sé e perguntando quem era Vlado, muitas foram as respostas como: "Não faço nem idéia", e umas poucas vozes disseram, tímidas: "Foi um jornalista morto pela ditadura".

Estranhamente, depois de ver o filme eu percebi que eu tampouco sabia que fora o jornalista.

Herzog nasceu na Iugoslávia mas veio para o Brasil com apenas 5 anos de idade. Sempre tece uma vida de classe média alta e sempre foi apaixonado por TV e cinema. Quando a ditadura se instaurou no Brasil ele ficou um ano em Londres fazendo um curso de produção para a TV na BBC. Enquanto isso, muitos outros brasileiros usavam parcas economias e dinheiro dos comunistas para visitarem Cuba e outros lugares, onde recebiam treinamento de guerilha, para combater o regime militar.

O filme felizmente não tenta fazer de Herzog mais do que ele realmente foi: um riquinho pseudo-engajado que nunca quis mudar as coisas realmente no país, mas que gostaria de uma imprensa mais aberta e informativa, capaz de mostrar com mais clareza a real situação brasileira nessa época (se você é mesmo capaz de comemorar o tricampeonato de futebol do Brasil, clique aqui e faça sua matrícula). Acabou morrendo como um bode expiatório no meio de uma briga entre duas facções governamentais.

Pouco antes de passar pela tortura que o levaria a morte, declarou a dois amigos que aquilo tudo era um grande engano, que ele não sabia de nada do que estava acontecendo e que não era sequer comunista, mesmo sendo filiado ao PCB.

Eu nunca fui preso ou torturado e certamente nunca passei pelo medo com que essas pessoas se depararam. Mas uma gíria bem atual definiria magnanimamente Herzog e muitos dos seus amigos da TV Cultura: paga-pau. Exatamente isso. Herzog foi um covarde que era completamente alienado da situação e acreditava, como seus amigos de classe média, que fazer documentários sobre pescadores da Guanabara ou levar ao ar matérias comedidas que eram censuradas pelo regime iria resolver alguma coisa.

Foi só mais um tonto que só virou notícia por conta de sua morte. Não tivesse sido torturado pelos filhos da puta do regime militar, ele teria ficado confortavelmente em sua cadeira na TV Cultura, ou se acomodado completamente na realidade neoliberal de hoje, escrevendo colunas infantis em revistas e jornais sem visão e escopo, como muitos de seus colegas da época.

Como praticamente todos que morreram naquela época nas mãos do regime, Herzog morreu em vão. Contudo, seria pelo menos mais coerente com o mundo em que ele vivia se tivesse realmente subvertido o sistema e dado motivo pra cada choque, soco e paulada que tivesse levado em seus últimos momentos. Viveu uma vida pequeno-burguesa, se escondendo atrás de temas que hoje fazem gozar os intelectualóides das salas de cinema alternativo de São Paulo. Trabalhou dentro do governo e submeteu-se a dança do bate-assopra que Brasília utilizava.

De certa forma, Herzog realmente se matou. Viveu como um covarde. Por isso valeu mais morto do que vivo.

See Ya

PS: um fulano qualquer, dentre os entrevistados no centro de São Paulo, disse que seria bom se a ditadura voltasse. Nihil novi sub sole.

17.11.05

Tá ridículo, mas funciona!!

Há muito desisti de brincar de designer. Especialmente depois de começar a trampar ao lado de designers de verdade. Estou dizendo isso porque a lista ali no topo da página está ótima, em conteúdo. Mas se alguém se oferecer pra fazer um layout legal pra essa tabela sem graça, eu agradeço.

Mas é isso mesmo: ali estão diversos blogs que eu recomendo. Certamente esqueci muitos, mas depois eu vou adicionando. E logo devem surgir os links do meu companheiro de cafofo digital.

Bom passeio!

See Ya

15.11.05

Ininterrupto

Montes de coisas amontoadas nos decrépitos cantos escuros da minha mente. Projetos pra tocar, coisas para aprender, disciplinas pra estudar. Na boca, o gosto insistente do aspartame, de alguma bebida light que comprei por engano, na correria.

Você já se sentiu como se todos os seus neurônios estivessem trabalhando simultaneamente? Uma espécie de Rua 25 de março mental, com direito a pancadaria entre camelôs e policiais? Tem dias em que eu rezo pra encontrar minhas teclas Ctrl+Alt_Del. Sim, há dias em que eu rezo.

Idéias ininterruptas fluem da minha cabeça, como numa ejaculação neural. E a maior parte das idéias acabam como meus espermatozóides inocentes: mortos. Bom no caso das células sexuais. Péssimo no caso das idéias. Eu povoaria universos inteiros com meu esperma cortical, mas eles acabam mortos e enterrados nessa capa emborrachada que permeia nossa realidade e a que damos o nome de sobrevivência.

Não preciso de quase tudo que tenho. Não tenho quase nada de que preciso. Um pouco exagerado isso, mas foda-se. Ninguém sabe ao certo o que está numa lista e o que está em outra. Eu também não haveria de saber.

Não sou livre, ainda. Talvez nunca seja, e morra pobre e incompreendido. Mas isso daria um bom fim pra história de um gênio extemporâneo, e isso não combina comigo. Não sou gênio, e muito menos extemporâneo. Minhas idéias poderiam me tornar um, mas as estou matando num "cídio" qualquer. Terminar a faculdade, comprar um carro, ser mais responsável, ganhar mais dinheiro. Se me virem na rua carregando um celular e usando um iPod da moda, por favor, me ignorem. Mas saibam que perdi e que vendi minhas idéias por ninharia e penhorei minha carcaça pra parecer bem sucedido.

Mas ainda não! Por hora sento-me na minha cela, juntos dos outros internos. Eles também não entendem, mas pelo menos não fazem perguntas imbecis.

See Ya

31.10.05

Pequeno Dicionário de Sinônimos que Passam pela Estranha Cabeça do Marcelo

amor = seiva
amizade = porto
beleza = essência
confiança = elo
conhecimento = lastro
corrupção = auto-apodrecimento
decepção = aviso
dinheiro = escolha
dor = passagem
ensinar = aprender
eu = conexão
família = ninho
fé = força
história = identidade
humanidade = (des)caminhos
inconsciente = vigia
individualidade = conquista
mau-caráter = vácuo
mentira = escudo
morte = motor
passado = plataforma
pensamento = jornada
poder = casca
prazer = busca
saúde = liberdade
ser = compartilhar
sonhos = luz & sombra
trabalho = crescimento
trânsito = sociopatia
vida = comunhão

29.10.05

Ente

A noite chega
Sutilmente.
A vida se aquieta
Lentamente.
Fantasmas se anunciam
Fatalmente.
A cabeça dói
Insistentemente.
O coração palpita
Irregularmente.
As dúvidas se amontoam
Atabalhoadamente.
As certezas se afastam
Velozmente.
Os espaços se esvaziam
Inexoravelmente.
Os sentidos se embaralham
Cruelmente.
O inesperado surge
Incoerentemente.
As possibilidades seduzem
Felizmente.
O renascer alvorece
Simplesmente.
Uma nova ordem se forma
Finalmente.
E será seguida por outras
Certamente.

24.10.05

Devir

De que justiça sabem os corações que não a dos corpos ardentes?

De que vivem as ilusões se não das verdades que todos temem admitir?

De que é feita a liberdade se não de mãos grandes e buracos estreitos?

Eu não tenho o direito de viver tanto, tão pouco, ou de morrer tão pouco, tantas vezes.

Eu não tenho o direito de só apontar caminhos tortuosos, ou de viajar por amplas alamedas.

Eu não tenho o direito de dar falsas esperanças, ou de arrancar as verdadeiras.

Nem vocês.

See Ya

15.10.05

Decor

Com a rapidez que eu merecia,
o céu se tornou em dia,
pra que eu pudesse te ver.

E toda aquela minha agonia,
quando soube que te veria,
foi lá pra longe, morrer.

Em mim nada mais havia,
além de uma certa alegria,
que em meu peito veio jazer.

Tomado de tanta euforia,
somente porque veria,
seus olhos a dizer.

Languidez é harmonia
e uma grande sintonia
envolve eu e você.

See Ya

14.10.05

A Máscara da Paz

Certamente levei mais tempo do que gostaria para falar sobre o referendo que nos será apresentado no próximo dia 23. Este tempo de maturação de idéias foi conduzido por um fio argumentativo no qual eu pouco acredito, mas que entendo como um caminho para melhoria na qualidade de vida.

Digo que não acredito em tal argumento apenas por considerar, dentro de minha maquiavelice niilista, que o ser humano é e sempre será violento ao extremo, salvo em casos onde a moral domina os instintos e costumes que herdamos dos seres que habitavam as árvores e desceram até o chão por se sentirem capazes de se defender de (leia-se: matar) outras espécies.

Veja bem, se pudesse haver um referendo sobre isso e fosse possível escolher tais coisas de forma tão civilizada quanto votar, eu escolheria que a partir de primeiro de Janeiro é cada um por si. Armem-se, vistam coletes, levem cacos de vidro escondidos, construam armadilhas, apoderem-se do que lhes parece de direito. Matem, destruam e não cooperem. Não caiam na falácia de que somos animais sociais, perpetuem a espécie através do estupro, e rezem para sua escolhida não ter uma escopeta nas mãos. Lavem as rampas do Palácio do Planalto com sangue e tinjam o asfalto das capitais de vermelho e cinza. Eu topo. Seria menos hipócrita, pelo menos. Seria menos insosso que os joguinhos que inventamos pra substituir isso: mercado de trabalho, reality-shows, sensasionalismo. Nossa sede por sangue nunca foi tanta, e contudo, nossos métodos nunca foram tão esmiuçados e padronizados. Nossas bandeiras nunca pareceram tão brancas: lute contra o terrorismo, contra a morte de animais indefesos, contra a fome, contra a AIDS. Queremos limpar o mundo da maldade sendo sádicos. Queremos humanismo, mas queremos ver o circo pegar fogo. Acreditamos na paz mas não acreditamos em quem quer que a use como bandeira. Infelizmente acho que isso não vai mudar e vamos continuar vestindo essas máscaras. E não estou disposto a tomar essa atitude "faroeste" por mim mesmo. Eu gosto de brincar, mas não sozinho.

Portanto eu me decidi pelo sim no referendo real, que de fato ocorrerá, com todo o dinheiro desperdiçado nisso, com toda a estupidificação do assunto promovido pelas imbecis frentes parlamentares que incorporam cada um dos lados dessa batalha. Escolhi o sim porque acredito que isso vá diminuir a violência que considero imprevisível, inexorável. Não acredito no fim da violência, não acredito no fim da criminalidade, não acredito na segurança que nos promete o Estado. Mas sempre tive comigo que armas são sinônimos de morte, pois servem apenas pra isso.

Se você transforma um pedaço de pau em arma, um caco de vidro em lâmina, um livro em marreta (eu recomendo Guerra e Paz), é o seu julgamento que o faz. A arma de fogo, assim como as espadas (num contexto atual), serve apenas para matar. Nunca vi ninguém usar sua bela 765 cromada como aparador de livros ou pra calçar a oscilante mesinha do jardim. E isso basta, pra mim, para que eu as queira longe de mim, seja na minha própria mão, seja na mão dos outros.

Só pra não deixar dúvidas: eu empalaria os imbecis que acham que vestir uma camisa branca e fazer pombinhas com as mãos vai adiantar alguma coisa. Eu afundaria o crânio desses ativistas idiotas contra a calçada. Eu não sou "da paz". Mas também não sou bobo.

See Ya

PS: eu nem entrei no mérito político da questão. É verdade que isso tudo é uma cortina de fumaça pra abafar a crise política? Talvez. Mas se você já sabe disso, qual é o efeito? Você não consegue separar isso do seu discernimento e votar conscientemente independente de cenários ocultos? Ah tá.

12.10.05

O Velho Chico e eu

Outro assunto que está em voga é o rio São Francisco. Mais especificamente o projeto de transposição, que ganhou espaço na imprensa com a já terminada greve de fome do bispo Luiz Flávio Cappio. Só que cansei do "samba de uma nota só" da política, então vou falar de uma experiência bem pessoal.

Há coisa de um mês, depois de um período particularmente cansativo, fui com minha namorada passar algum tempo em Maceió e arredores. Desde que saí de São Paulo, meu único compromisso (ou idéia fixa, diria ela heheh) era ir até a foz do São Francisco, recomendação de um amigo que conhece bem minhas preferências.

Depois de alguns passeios bem legais, decidimos ir até lá. Só que naquele dia foram tantas as paradas em lugares maravilhosos ao longo do caminho que acabamos chegando tarde demais -- o que não nos impediu de ver e registrar um belo pôr-do-sol na bela cidade histórica de Penedo e ficar com vontade de voltar.

Voltamos dois dias depois, em uma quinta-feira de manhã. O dia estava lindo e logo pegamos o barco na cidadezinha de Piaçabuçu (uma das locações do filme "Deus é Brasileiro") com destino à foz. Definitivamente algo mágico: sem dúvida um dos lugares mais incríveis em que eu já estive! O sol, o céu, as dunas, o farol dentro d'água, o mar de um lado, o rio do outro... Simplesmente indescritível.

Devo acrescentar que para boa parte de nós, mineiros, o Velho Chico tem um significado todo especial, meio místico. É lá, mais especificamente na Serra da Canastra, que ele nasce e vai "subindo" até a divisa de Alagoas com Sergipe. Além disso, antes de eu nascer meus avós moraram em Pirapora, no norte do estado, com o São Francisco praticamente "no quintal", e contavam histórias muito pitorescas sobre o lugar.

(Aproveitando para uma daquelas pausas: sabe a expressão "boi de piranha"? Pois é, era prática na região de Pirapora naquela época. Basicamente o boi de piranha era o exemplar menos saudável ou mais velho do rebanho, que era levemente ferido e colocado na água para seu sangue atrair os peixes, enquanto os demais eram levados para o outro lado do rio. Tá vendo? Blog também é cultura!)

Bem, o fato é que foi um momento absolutamente único, daqueles que ficam tatuados na alma. Não era nenhuma data especial e poderia ter sido qualquer outra. Mas não foi. Foi quando eu experimentei uma das mais significativas conexões que já tive com a natureza (Alberto Caeiro se orgulharia). Naquela quinta-feira eu nadei no rio São Francisco. E o Velho Chico me recebeu, me aceitou e me purificou.

PS: Para contribuir com a magia da coisa, eu estava acompanhado de alguém que não só participa e participou de uma grande e importante etapa da minha história, como também compartilha comigo boa parte da "mineiridade". Obrigado, Bia!

5.10.05

O direito de ser assassino

Já adianto que o post é longuíssimo, que o assunto é o referendo sobre a proibição do comércio de armas e munição, e que vou defender o sim. Se você não estiver a fim de ler, passa amanhã.

Neste ano, quando completei dez anos de "paulistanidade", finalmente resolvi transferir meu título de eleitor de minha cidade natal para São Paulo. Minha idéia era estar preparado para votar em quem quer que seja contra o José Serra ou o vice dele.

Só que aí surgiu essa história do referendo e pensei: pelo menos vou usar o documento para algo mais útil e em que realmente acredito: votar sim à proibição do comércio de armas e munição no Brasil -- sabendo que vou no sentido contrário da imensa maioria das pessoas que me cercam. (O fato de, como eu, elas pertencerem à classe-média e dificilmente terem tido pessoas próximas mortas gratuitamente por arma de fogo talvez não seja só um detalhe...)

Eu poderia até começar a falar de estatísticas manipuladas e das fraudes como a adulteração de um artigo da Denise Frossard desmentida por ela própria, mas não é por aí que eu acho que a coisa pega.

O que pega, para mim, é antes de tudo uma visão de mundo. Uma visão de vida. Uma visão da raça humana. No limite, uma visão de si próprio. Basicamente, o princípio -- raso, na minha opinião -- de quem defende o comércio de armas é que a "população ordeira", ou o "cidadão de bem", tem direito à legítima (?) defesa. Ora, já começamos com uma incoerência: pensando dessa forma maniqueísta, cidadão de bem e arma de fogo não cabem na mesma equação, não é mesmo? Ao descarregar uma arma em um bandido, sou potencialmente tão assassino quanto ele.

[Pausa para uma curiosidade: a alcunha "população ordeira" não é a cara da ditadura militar? Não por coincidência, uma das minhas correspondentes mais profícuas na defesa do comércio de armas também envia mensagens dizendo que "com a 'revolução' era melhor" (pausa dentro da pausa: "revolução" é o nome mentiroso para o golpe de estado de 1º de abril que, simbolicamente, os militares anteciparam um dia para não cair no dia da mentira). Envia um tal de Decálogo de Lênin claramente apócrifo. Envia o vídeo de um discurso apoplético daquela aberração política chamada Jair Bolsonaro, atacando quem teve a coragem de enfrentar a tortura do porão durante a ditadura. E envia mensagens oriundas de listas como o boletim Taurusnews, dentre outras fontes...]

Bem, voltemos à questão principal. Um argumento de quem defende as armas é que a polícia não dá conta de conter os bandidos e que, dessa forma, é legítimo que cada um de nós assuma essa responsabilidade. Dentre as mensagens que recebi, uma delas pergunta explicitamente: "você confia na polícia e na justiça brasileiras?" e, diante da provável negativa, diz que as armas são a solução. Uma outra traz imagens do tipo "um criminoso só desiste com um argumento forte. Tenha no mínimo seis", com uma arma com seis balas ao lado.

Outra alegação que ouço é que drogas são proibidas e o tráfico está aí. Ora, drogas ilícitas o são desde o plantio ou a fabricação. Não dá para comparar, pois a primeira compra de uma arma de fogo sempre foi bonitinha, dentro da lei. Depois ela foi roubada pelo bandido "pequeno" que é aquele que vai brandi-la nos cruzamentos. Ou será que a Taurus e a Companhia Brasileira de Cartuchos - CBC têm divisões como a "Taurus Bandidos"?

Outro "mantra" usado pelos defensores do instrumento que mata é que bandido não compra arma em loja. Então, para esses criminosos, que diferença faz proibir ou não? A arma que bandido "cachorro grande" usa é aquela roubada do exército, contrabandeada, trazida do exterior. A da loja é aquela que é roubada do "cidadão de bem" e depois usada em briga de bar, acidente com criança, conflito de trânsito, rusga de jogo de futebol.

Mais um dado para compor este cenário: várias das pessoas que defendem tão veementemente o não sequer têm ou tiveram armas em casa. E sabem -- uma delas me disse -- que nem adiantaria, pois eles apregoam que a "posse responsável" manda que a arma fique bem guardada/escondida em um lugar e a munição em outro. Então vamos a uma das imagens tão batidas: um ladrão entra na sua casa à noite. Você acorda completamente consciente e com pensamento ágil, claro. Vai buscar a arma guardada. Em seguida vai buscar a munição em outro lugar. Aí carrega a arma e vai dar um tiro na fuça do ladrão. Que ficou sentado no sofá da sala esperando isso tudo.

Há ainda uma questão curiosa que é a tal da "teoria da conspiração". Volta e meia recebo mensagens dizendo que o referendo e o possível sim são conspirações da Rede Globo, da mídia em geral, dos políticos (inclusive devido à forma como a pergunta foi elaborada), dos artistas. Pergunta: por que será? Que interesses eles têm nisso? Não consegui sacar.

Bom, talvez eu é que seja ingênuo, utopista ou simplesmente limitado (eufemismo para burro), mas o que acredito é que deveríamos usar toda essa energia e mobilização para, de alguma forma, cobrar e garantir que a polícia seja instrumentalizada para combater os bandidos. Para encontrar uma maneira de dar credibilidade às instituições democráticas. Para trabalhar na direção da inclusão social. E, em vez de pensar no aqui e agora, olhar para o longo prazo no futuro dessa raça belicosa que escolhemos ser e que podemos escolher deixar de ser.

Ah, um detalhe importante: há uma parte do estatuto de que ninguém fala, que diz que "para comprar armas, é necessário declarar necessidade, comprovar idoneidade e não estar respondendo a inquérito policial ou investigação criminal, além de comprovar ocupação lícita e residência certa e capacidade técnica e aptidão psicológica; para obter o porte, é preciso demonstrar necessidade por profissão de risco ou de ameaça". Ou seja, a "população ordeira" tem seus direitos garantidos...

Como não sou o dono da verdade, acho legal visitar os dois sites oficiais (e outros que existam) para ter as próprias opiniões. O que defende o comércio é o da Frente Parlamentar pelo Direito da Defesa; e o que defende a proibição é o da Frente Parlamentar Referendo Sim. E veja que interessante: é exatamente a lei da maioria, a democracia, e não a lei do mais forte, ou do mais armado, que permite que o referendo aconteça.

Um dos cartazes que recebi por e-mail diz o seguinte, ao lado da imagem de um revólver: "Cidadão armado, apenas dois grupos sociais são contra. Criminosos e Políticos preferem vítimas desarmadas". Não sou criminoso. Não sou político. E sou contra.

PS: Quero acrescentar que fico feliz que haja pessoas do meu convívio pessoal e profissional (um deles ex-militar, inclusive) que comungam dessas opiniões. Um pouco menos de solidão :-)

26.9.05

Sobre porcos e homens

Era o começo dos anos 80. Eu tinha uns onze ou doze anos e li pela primeira vez A Revolução dos Bichos, do George Orwell. Era um livrinho pequeno e fininho com uma capa divertida, então simplesmente o peguei para ler. Só alguns anos depois fui saber que a história dos animais que se rebelam contra a dominação do homem era uma alegoria da Revolução Russa de 1917 e suas decorrências.

Corte para 1984. Eu tomando chuva no comício das Diretas Já na minha cidade, como já relatei brevemente aqui. Com a derrota da Lei Dante de Oliveira, as primeiras eleições após a ditadura militar foram por colégio eleitoral. Os candidatos eram Tancredo Neves (da "oposição"), que foi eleito e morreu em abril de 1985, antes da posse; e Paulo Salim Maluf, "filhote" dos militares e encarnação de tudo o que considerávamos mais nefasto.

Corte para 1989. Primeiras eleições diretas neste país em quase três décadas. Eu tinha tirado título de eleitor no ano anterior, aos 18, que naquela época era a idade mínima. Vários candidatos no primeiro turno, e no segundo Fernando Collor e Lula. Sem a menor dúvida, escolhi o torneiro mecânico, pois nunca votaria em um produto da oligarquia alagoana. Meu voto foi derrotado, como o de pouco mais de 31 milhões de pessoas.

Corte para 2002. Depois de ter votado no meu colega de profissão Fernando Henrique Cardoso (mesmo com a aliança com o PFL de Toninho Malvadeza) e ter me decepcionado, coloquei a estrelinha do PT na lapela e fiz campanha aberta pelo "representante das camadas inferiores da sociedade". Lula eleito, me emocionei. Na posse, brindamos com champanhe. E chorei. Ouvi os nomes de ex-"subversivos" sendo nomeados ministros e agradeci internamente por, inclusive tendo tido pai preso e torturado por militares, poder vivenciar e ter contribuído de alguma forma para a dita "transição democrática".

Corte final para 2005. Lula é presidente e Maluf está na cadeia (como bem sintetizou Sérgio Dávila em inspirada coluna na Revista da Folha de S. Paulo). E o sonho "foi para o saco": Os corruptos fazem a festa e chegam a nos chamar de estúpidos descaradamente -- até no futebol, como eclodiu no fim da semana passada.

Como sou treinado, ou me treinei, para buscar o "tesouro da sombra", ainda acho que isso tudo está contribuindo para que mais pessoas se envolvam e se interessem por política. Acho legal que isso tenha se tornado assunto de mesa de boteco e ponto de ônibus e que as pessoas comecem a ter um pouco mais de percepção do que é feito com o nosso dinheiro de contribuintes. O risco? O de sempre: ficar na ingenuidade do discurso e cair no "é assim mesmo e não vai mudar nunca".

O fato é que até ontem vários de nós tínhamos a esperança -- aquela que teria vencido o medo -- no futuro político desse país, encarnada e simbolizada pelo PT e agremiações próximas. A idéia de que quando fosse o PT, as coisas seriam diferentes. A certeza de que pessoas que vieram da "base da pirâmide social" teriam um olhar diferente do das "elites" de sempre.

E hoje, se me perguntarem em quem vou votar nas eleições do ano que vem, não tenho o menor vislumbre de uma resposta. Ficou um oco onde antes existia a tal esperança. E aí me lembrei daquele livrinho lido há mais de vinte anos, que termina assim: "As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco"...

PS: Hoje faz exatos três meses que eu não aparecia com minha verborragia por aqui. Um monte de coisa mudou -- depois a gente conversa sobre isso --, mas a indignação e a rabugice seguem intactas.

15.9.05

Serei fraco

Acima de todas as coisas, serei fraco.
Em minhas veias não haverá sangue, mas uma água suja e parada, que se esvairá de toda a superfície quando eu não puder suportar a vida.

Acima de todas as coisas, serei fraco.
Não egoísta, mas incapaz. Não traidor, mas covarde. E quando o pesar for demais pra mim, abandonarei tudo e me esconderei nas sombras.

Acima de todas as coisas, serei fraco.
Não fantasiarei motivos, mas engolirei minha culpa, esperançoso de que ela sufoque as fraquezas que na verdade vai alimentar.

Acima de todas as coisas, serei fraco.
Não parecerei tolo, mas sábio. Não parecerei fraco, mas forte. E assim me iludirei até que precisem de mim e eu volte a abandonar e abandonar e abandonar.

Acima de todas as coisas, serei fraco.
Não sofrerei, mas serei infeliz. Recolherei-me junto aos fracos na Última Fraqueza e poderei contar dos que amei e abandonei, dos que ajudei e decepcionei, dos para quem fui para sempre e nunca mais.

Acima de todas as coisas, serei fraco.
Nunca inteiro, mas metade, os vermes me devorarão e serão fracos. E na terra onde eu jazer, fraco será o amarelo das flores. Porque fraco serei, acima de todas as coisas.

See Ya

PS: dedico este texto a um grande amigo que nunca conhecerei, Herman Hesse.

12.9.05

Violência: é de graça, pode pegar

As borboletas vibram suas asas sobre as flores.
O vento caminha en direção do Sol.
Eu enfiaria poemas Raiku no cu de alguns krishnas.

***

Quando ouviu o gritar da borracha no asfalto e o baque seco, pensou no dia em que comprara o apartamento e sentira algo estranho ao reparar que havia um ponto de ônibus exatamente em frente ao prédio. Tatiana ficaria sem pães naquele dia, e sem marido pelo resto da vida.

***

O filho da puta não queria tirar o carro dali. Por que eu não deveria dar-lhe um soco no meio da cara? Ele não podia comigo mesmo. Foi divertido até ele querer reagir. Eu tava fazendo bonito. Impressionei a galera. Mas ele tinha de querer reagir. Depois que ele chutou meu joelho, mesmo sem ter sentido dor, eu só recobrei a consciência quando me dei conta de que aquele creme rosado sujando meu tênis novo que eu comprei porque vi na TV era um pedaço do cérebro dele.

Ainda levei a carteira. Cuzão: só andava com 15 reais no bolso.

***

Ela ouviu um estalo em sua perna direita, mas o salgado-amargo de suas lágrimas, a velocidade do coração, o desespero e o suor mal deixaram-na perceber que seu fêmur havia se partido. Tirar aquele homem de cima dela era mais urgente. O animal a estava rasgando por dentro. Queria cortá-lo em um milhão de pedaços, mas suas unhas já estavam quebradas na carne, de tanto raspar a parede e a calçada. A voz era um choro embargado e rouco. A mandíbula deslocada com um soco doía mais que os roxos da barriga, e menos que a vagina.

Teve medo do mundo e raiva de todos. Vergonha de si mesma. Morreu vendo a porra quente do desgraçado escorrer em suas coxas desfiguradas.

***

Lambeu o aço sujo e quis vomitar. Vomitou um pouco e por um segundo pensou que aquilo podia estragar tudo. Machucou o dedo puxando o cão. A coronha estava suada e escorregadia. Arrebentou uma obturação no desespero de sentir no fundo da garganta o raspar do cano.

O tranco ajudou a rasgar o céu da boca. Oito dentes destruídos, contaria o legista. Língua queimada. Um olho fora da órbita. Tímpanos estourados. Mijado e cagado. Estrago pequeno perto do buraco através da nuca.

***

A definição biológica de ser vivo determina um número finito e fixo de características que indicam a diferença entre um organismo vivo e um morto. Da mesma maneira bizarra que esta definição obriga alguns vivos a permanecerem no mundo dos mortos, ela permite que alguns mortos caminhem entre nós.

Thiago escreveu isso 19 vezes nas paredes da sala, depois de quebrar o nariz da professora com um soco e entalar o apagador na cavidade deuterostômica conhecida como cu-daquela-puta, e ainda vê-la sufocar com 4 pedaços de giz presos na laringe.

Ele nunca entendeu biologia.

See Ya

6.9.05

Sinceridade

Tem coisas que só um velho amigo pode te dizer:

- Por acaso está escrito 'Filho da Puta' aqui na minha testa?
- Desde os quinze anos.
- ...

See Ya

1.9.05

Pinceladas

Para os que ainda não sabem, sou novamente aluno matriculado no curso de Física da USP. É bom voltar pra casa.

Comentei isso pra falar que na última terça feira o Instituto de Física aderiu à greve que pretende auxiliar na pressão à Assembléia Legislativa para que entre em pauta e seja votada a derrubada do veto do governador do estado, Geraldo Alckmin, ao aumento de 30 para 31% (do ICMS do estado de São Paulo) a verba destinada a educação. A USP, a UNESP, a UNICAMP e as FATECs se São Paulo usam 9,57% do ICMS. E depois do aumento, isso passaria para 10%. Peraí, você deve ter pensado, fizeram greve na USP por causa de um aumento de 0,43% que ainda vai ser dividido entre todas as instituições de ensino citadas aí em cima?. Pense de novo. Se TODA essa estrutura de universidades e FATECs são sustentatdas com 9,57% do ICMS, faça uma idéia de quanto dinheiro significa 0,43%. Aí você vai entender.

Eu sou particularmente contra paralizações, e tradicionalmente o IF não entra nas greves. Mas esta tem dia certo pra começar e acabar, tem um propósito específico (e justo) e perder uma semana de aula não mata ninguém. Por isso estou apoiando a greve, embora minha vida de rapaz de classe média baixa tenha de ser sustentada pelo meu emprego e isso me impeça de participar de manifestações e assembléias.

* * *

O trecho do e-mail, replicado no post anterior, que enviei ao jornalista Sérgio Dávila por conta de seu excepcional texto publicado na Folha da semana passada, foi comentado pelo próprio Sérgio Dávila em sua coluna, nesta semana. Fico muito contente de saber que minha opinião fez diferença pra ele e o colocou pra pensar, dentre tantas opiniões que ele recebeu.

Não vou colocar aqui só o trecho em que ele cita minha resposta. Quem quiser, leia o texto dele na íntegra, aqui.

* * *

Nunca diga que um relacionamento não pode te ensinar mais nada. Provavelmente é você que está com cu doce pra não aprender.

* * *

Marcelo está há um bom tempo sem postar por aqui. Ando com saudades, mas entendo que ele tem usado seu tempo livre pra algo bem mais gostoso do que postar num blog com fundo cor de bosta. Qual é, Marcelo? Vai deixar pra postar só na nova versão do Quando Isso Virar Um Blog? Ahn? O que? Nova versão? Eu escrevi isso? Não, não. Deve ser algum engano. Leia de novo; tenho certeza que não escrevi isso!

See Ya

22.8.05

Por um país menos correto

Recebi do meu parceiro de cafofo digital este fantástico texto do Sérgio Dávila, publicado na Folha de São Paulo. Depois de lê-lo, mandei um e-mail para o autor do texto e decidi colocar um trecho desse e-mail aqui. Faz tempo que não faço comentários com algum teor político e acho que o momento é propício.

O meu texto comenta o texto do Sérgio Dávila, e por isso é obrigatório ler o texto dele para que as linhas abaixo façam algum sentido:

"Tenho 27 anos e tornei-me adolescente (quase) pensante na década entre a sua e a que está se vendendo hoje. A venda infelizmente começou bem antes, na minha década de adolescência, quando os mecanismos midiáticos exerceram poder total sobre o que aconteceria no planalto, e ainda por cima deixaram alguns idiotas da minha escola com gosto de "fizemos alguma coisa pelo país".

Eu entendo o que você quer dizer e hoje tenho o olhar quase profissional e distante que você citou. E o que observo é que não há o que dizer. A geração 2000 está lidando com algo pior do que a falta de rumo. Estão de frente pro rumo errado. Eles imitam como macacos treinados o que minha geração já havia imitado e pensou funcionar. Eles compram pela internet a atitude, numa caixa bem colorida com o logotipo da MTV, que faltou aprenderem no berço.

Você aprendeu a ser do contra, a lutar contra, a dizer não, mesmo que não tivesse certeza de contra o que estava lutando. Eu aprendi a questionar, a pensar e a não ouvir a televisão quando ela tentasse falar mais alto do que eu. Eles aprenderam que se imitarem a atitude, algum milagre deve acontecer. Eles aprenderam a fazer de conta que estão brigando e lutando, enquanto correm com suas lições de casa certinhas e suas notas altas para que possam um dia se formar e se tornar gente medíocre, massa de manobra. É a geração do politicamente correto. Como se 'correto' e 'político' coubessem na mesma frase."

See Ya

15.8.05

Lições tácitas

Não liguei, dei presente ou sequer vi minha mãe no dia das mães, ou meu pai ontem, no dia dos pais. Houve, sim, um tempo em que eu diria que não fiz nada disso porque não mereciam. Certas vezes isso foi verdade para um, para outro, ou para ambos. Eu não consigo dissociar a condição de eles serem humanos do fato de serem meus progenitores. Contudo, nem de longe este seria o motivo dessa vez. Tampouco seria minha forte opinião anti-natalista que me faria odiar pessoas que tiveram filhos, mesmo que o ingrato e desnaturado seja eu mesmo.

Meus pais me deram, quando casados ou depois de separados, algo que nem mil telefonemas de seus respectivos dias poderiam pagar: eles me ensinaram que carinho, presente, amor, cuidado, não tem dia, não tem que ter motivo e não tem de ser obrigatório. E nunca me ensinaram isso com palavras direcionadas a isso, o que é ainda mais interessante.

Eu aprendi isso ganhando presentes sem aniversário, natal, ou qualquer motivo. Eu aprendi isso quando as demonstrações de afeto não vieram na forma de presentes, ou comida, mas quando vieram de forma direta, com conversas, afagos e carinhos. Eu aprendi isso com pequenas coisas que eles me ensinaram, e que me mostraram que um beijo, um sorriso, um telefonema podem fazer alguma diferença. Eu aprendi isso quando eles me ensinaram que nenhuma dessas lições acima seriam válidas se eu fizesse algo por obrigação. Todas as vezes em que eu quis demonstrar afeto para com eles ou com qualquer outra pessoa, eu demonstrei. Eles me ensinaram a não parametrizar o que eu sentia por datas ou qualquer outro motivo. E sem dizer uma única palavra sobre o assunto me ensinaram como pedir e dar colo sem forçar a barra, sem me anular, sendo sempre, e apenas, eu mesmo.

Eu fui um bom aluno, e vocês, grandes professores. Hoje eu não preciso de dias especiais para ligar pra vocês e perguntar como estão as coisas, pra dizer que amo vocês dois demais. Hoje eu sei que vocês mandariam prender o impostor se passando por mim que ligasse no seu dia e combinasse um almoço especial.

Que carinho nunca seja um artigo raro na vida de vocês dois. Que os tapas e socos e chutes que a vida dá em vocês nunca os deixem esquecer que vocês acertaram em cheio ao me ensinar algo tão importante, que seria algo tão difícil de achar hoje em dia: gostar e expressar esse sentimento com espontaneidade.

Obrigado, dois, mais uma vez.

See Ya

11.8.05

Da série: coisas que eu queria ter escrito!

Tive que copiar aqui. Mas eu tirei dalí.

"Algumas pessoas tem problemas. Outras tem dez dedos, duas mãos e um taco de basebol. Algumas pessoas são vitimas, outras tem alvos. A maioria tem vontade, mas não tem disposição. Algumas pessoas querem prazer mas não sabem em que posição. Ando me sentindo fora do mundo.As vezes eu acho que não me encaixo. Não tenho muita coisa. Mas tenho vontade, disposição, alguns problemas, um taco de basebol, um alvo, acho que estou na posição correta e acredito que estourar sua cabeça vai me dar um prazer da porra."

Dá aqui o meu taco!!

See Ya

9.8.05

Fase poeta

Que fase poeta
é essa, minha gente?
Poeta que vem,
poeta poente.

Que merda é essa,
que rima e mente?
Poeta é o caralho,
leitor indecente!

Idéia doente,
encobre a rotunda.
Se gosta de rima,
vou rimar com a sua bunda.

E chega de rimas,
em minha caneta.
Se estás sem idéias,
que bata punheta!

E tudo em que penso,
já saio rimando.
Parece até que
o cu estou dando.

Que fase poeta
é essa, minha gente?
Só vivo rimando,
pareço um demente.

See Ya

8.8.05

Modorrento

Modorrento
Mo-dor-ren-to
Mo.do.rren.to
Mo.ro.den.tro
tro.no.dor.Me
Mor.do.ten.ro
ron.do.Mor.te
to.Mo.rren.do
Mo.dor.ren.to

See Ya

1.8.05

Moinhos ao vento

Tudo está ruindo.
Sabores, amores, valores
E no chão uma fenda está se abrindo.

Da fenda salta Satanás.
Temores, senhores! Temores!
E me olha nos olhos, sagaz.

Bufa e bate os cascos no chão.
Fulgores, suores, clamores.
E, como ele, levo uma espada na mão.

Avanço! Dessa vez vou matá-lo.
Dores, senhores! Dores.
E diante do inimigo, me calo.

Perdido, sustento um olhar vermelho.
Rotores, motores, sensores.
E o inimigo, senhores, era um espelho.

See Ya

28.7.05

Egotrip

O termo que dá nome a este post significa navegar na internet, através de Deus, por exemplo, procurando pelo próprio nome ou termos relacionados a você mesmo.

A imagem abaixo é produto real de uma egotrip e garanto que não alterei absolutamente nada em editores de imagem. Tem coisas que só a internet faz por você.



See Ya

PS: Valeu, Mari, pela dica!!

20.7.05

Eu ri na cara da Morte

Você se aproveitou do gosto amargo na minha boca e veio, babando, dar uma olhada em mim. Deve ter gostado do que viu. Eu sou passional, quente, um poço de segurança. Nas costas eu levo um grande baú onde levo quase tudo, onde guardo cada coisa e de onde me nego tirar sequer uma migalha. Eu sou bom de cama e tenho muitos amigos de verdade. Eu sou inteligente e gosto de um bom desafio. Eu não sei largar o osso. Você olha pra mim e vê um prato suculento de vermes fresquinhos, se retorcendo enquanto roem meu tecido cerebral.

Vem, filha da puta, vem! Vai me levar sim, vai me levar bem agarradinho na sua saia preta. E vai me levar rindo, gargalhando, na sua cara feia. Não foi ontem a noite, mas bem que você quis. Quando eu vi você baixando os braços e indo pra perto daquela maca no corredor, onde uma velhinha estava com sede, gritando por água, eu ri. Eu até me babei de rir. Dessa vez eu ganhei.

Você deve ter rido um bocado também, por saber que tudo isso são só jogos e que você já está com a partida ganha. Mas eu rirei mesmo assim. Covarde! Veio brincar e ficou com medinho de bater de verdade. Parecia eu brincando com meus colegas do colégio de dar soquinhos no ombro na hora do recreio.

Eu vi o brilho da sua foice refletir no esfigmomanômetro. E vi sua cara no cesto de lixo quando vomitei pelo efeito de algum remédio. Foi amargo demais aquele joguinho de ontem. Foi irônico e baixo. Sarcástico e macabro. Foi a sua cara. Nunca pensei que também iria me fascinar com a minha própria partida. Você tava ali me cutucando e eu tava chorando, pensando no que ia acontecer amanhã depois que estivesse melhor. Eu pensei: "e se eu morrer agora?", e cheguei a ficar curioso em saber como seria. E eu dei de ombros e disse, baixo, pra que só você ouvisse: "Eu sempre soube!".

Provoquei e você correu. E ainda me perguntaram se eu tinha medo de morrer. Naquela hora eu olhei pra você, saindo da sala de Raios-X segurando um câncer na mão. Eu ri de novo, enquanto suas órbitas sem olhos me vigiavam.

Bom, espero que não tenha ficado magoada. Mas eu não vou me intimidar se você tiver ficado. E ainda posso bradar por aí: "Eu já ri na cara da Morte. E ela piscou pra mim, entendeu o recado e foi embora!". Por enquanto.

See Ya
Piece of action

Tirolesa? Sexo em locais proibidos? Fugir da polícia? Ser assaltado? Montanha-russa? Não. Vocês precisam experimentar isso.

Clinicamente testado e aprovado pela Associação Fabriciana de Stress e pela Adrenoviciados Anônimos. Recomenda-se passar por isso num hospital público para melhores resultados.

See Ya

18.7.05

Desconstrução

Só e sempre tentar desconstruir é descobrir você mesmo que
só e sempre tentar desconstruir é descobrir você
só e sempre tentar desconstruir é descobrir
só e sempre tentar desconstruir é
só e sempre tentar desconstruir
só e sempre tentar
só e sempre
só e


See Ya

PS: valeu, Ma. Só você mesmo pra me mostrar o quanto eu me desconstruo e reinvento todos os dias. =)

13.7.05

[root@myself root]$ service fabricio restart

Eu poderia ficar em casa pra sempre. Lá fora as pessoas são rasas e fúteis e tão centradas em si mesmas que mal percebem o outro. [ OK ]

Ter aquela bosta de emprego não pode satisfazer nem o mais medíocre dos humanos. Como pessoas capazes conseguem, juntas, realizar algo tão idiota e estúpido como aquela empresa? [ OK ]

Se família é uma instituição, a minha deve ser um prostíbulo. Uma sequência sócio-genética de rejeições, incoerência e falsidade transbordando até a boca. [ OK ]

Estamos falando de amor? Pensei que este saco cheio de juras velhas, bonecos de pelúcia, cartões amassados, momentos deixados pra trás, alegrias e tristezas, saúdes e doenças, fosse pra colocar lá fora, pra quando o caminhão de lixo passasse. [ OK ]

E podem achar que eu sou "cheio de si", pois é verdade. Estou cheio de mim. É engraçado como eu consigo me manter tão iludido que chego mesmo a acreditar que estou chegando em algum lugar, que estou construindo uma vida, trilhando um caminho, escrevendo uma história. Se isso é uma história, é a história mais besta que eu já vi. O autor deveria ser caçado e apedrejado em praça pública. [ OK ]

service fabricio stopped

Mas eu também me orgulho de ser eu mesmo. Gosto da minha repentina perspicácia, e do meu jeito distorcido de ver as coisas. Já sei muitos truques, mesmo sendo cachorro novo. E já trouxe alegria, vibração e bem-estar para a vida de muitas pessoas. Nunca vou ser de todo mau. Ainda acredito em mim e nas pessoas. Ainda choro ouvindo música, ainda sinto sangue correr nas minhas veias e idéias passarem pela minha cabeça. [ OK ]

Não seria possível viver um amor que não fosse assim, pelo menos não pra mim: sincero, direto, objetivo, amoroso, cúmplice, adulto, eterno, que respeita, entende, liberta e permite. Se entregar pra isso e vivenciar cada uma das coisas deste amor é daquelas poucas coisas na vida que te fazem perceber, ainda, diante deste mundo apático, que se está vivo. [ OK ]

Eu também sou parte dessa família. Também estou no puteiro e na falsidade e incoerência, quando é hora disso tudo. Se há uma coisa que eu não tolero é perfeição, e mesmo sabendo que vou negar até o fim da minha vida, a imperfeição da minha família é tudo que eu sempre desejei numa relação biológica. Não há como aprender a questionar fora de casa se você nunca começou seu questionamento ainda no seio de sua morada. [ OK ]

Trabalho não é emprego, e eu adoro meu trabalho. Eu me divirto com as pessoas, com as situações. E o valor disso eu não posso medir na mediocridade ou falta de habilidade de uma empresa. Mas posso medir na confiança de equipe, na intimidade de pessoas que estão com você 8 horas por dia, e principalmente em tudo que você pode aprender num único dia de trabalho, em uma única tarefa, e que certamente você nunca vai esquecer e vai poder levar como bagagem. [ OK ]

São apenas pessoas. Não as leve tão a sério e elas vão te achar arrogante. Leve-as a sério demais e elas vão dizer que você é chato. Deixe-as seguirem seus caminhos tortos e turvos. Melhor ainda, seja uma dessas pessoas e pare de achar que você não poderia ser tão perfeitamente rasa, ou incrivelmente fútil. [ OK ]

service fabricio restarted succesfully

See Ya

11.7.05

Morre Narciso Vernizzi, "O Homem do Tempo"

O locutor Narciso Vernizzi, conhecido como "O Homem do Tempo", morreu nesta segunda-feira, aos 86 anos. A temperatura deve cair rapidamente e uma frente fria deve tomar o cadáver. Há previsão de queda de terra sobre a região e pancadas de pás no fim do período.

Uma massa escura de moscas e vermes deve encobrir a área, deixando irreconhecível toda a porção verde do mapa. A temperatura não promete subir, e possivelmente haverá deposição de cálcio e precipitação de células mortas a longo prazo.

E piri-rim e poró-róm.

See Ya

PS: em tempo, o "E piri-rim e poró-róm" era o chavão de outro homem do tempo, Feliz, que entre outros programas, participou do saudoso Aqui Agora, do SBT.

8.7.05

London's Burning

Não tive como não lembrar da fantástica música do The Clash (que empresta seu título a este post) ontem pela manhã. Mais um golpe duro na realidade que envolve nosso mundo, garantido pelo comportamento político de líderes como Tony Blair, o capacho mais idiota do mundo. Explodiram seis lugares. Deveriam ter explodido 20. Londres deveria parecer uma caldeira do inferno, vista de Manchester. Tenho amigos em Londres e temo por eles, mas acho LINDO o atual estado do terrorismo. Todos são realmente alvos e ninguém é realmente inocente. Eu queria me sentir abalado, queria acreditar que eles são malvados e que as forças do bem sofreram um ataque. Mas isso é mentira!!!! Pessoas inocentes não morreram em Londres. Não há inocentes. Que se fodam todos os ingleses e americanos e espanhóis que apoiaram seus governantes no metódico massacre que estes promovem no Oriente Médio. Que se fodam também os que foram contra, pois permitiram que Bush e Blair se re-elegessem. Que se fodam os que estão vivos e chorosos e com medo, mas que preferem acreditar que o diabo usa turbante ao invés de fazer algo pra resolver a situação. E que se fodam os que morreram, são bons exemplos do que ainda está por vir.

Eu ia escrever mais, mas achei isso:




E aí não precisei dizer mais nada. Parafraseando Marcelo Nova: isso é só o fim.

See Ya

6.7.05

Às vezes me sinto extraordinariamente sujo

É nessas horas que eu odeio esse blog. Odeio este espaço com todas as forças quando percebo que ele, fatidicamente, se transformou em outra máscara exibindo pro mundo algo que eu não sou. Existem coisas que simplesmente não pertencem mais ao blog e que eu não consigo mais escrever aqui. Contruí ao meu redor um muro cor de bosta cercado de moscas brancas.

Parentes e amigos próximos diriam que isso nada mais é do que aquela eterna necessidade que tenho de tempos em tempos de agredir quem gosta de mim e me acolhe. Que se fodam todos (isso prova a teoria deles?). O lugar se tornou aceitável, acessível, com direito a visitantes célebres, fãs, blogmate e com planos de virar um site de verdade, com endereço próprio e tudo. Cresceu, evoluiu e se transformou em algo bom. Algo bom que no presente momento eu odeio.

É olhar pro meu próximo post e ter vontade de vomitar. É ver que a crítica que eu fiz é pífia e controlada. É entender que certas coisas eu simplesmente não tenho coragem de escrever. E, mais do que tudo, é perceber que o blog leva a culpa simplesmente por ser a ferramenta, mas que na realidade o grande culpado sou eu.

Às vezes me sinto extraordinariamente sujo. E não quero me limpar. Quero mesmo me entupir dessa sujeira toda e ficar comigo mesmo, enterrado em todas as coisas péssimas que eu gosto de ser. Hoje eu entendo que me importo com o que vão ler aqui, que me apeguei a pessoas, situações e opiniões. Eu temo porque devo e detesto intensamente simplesmente não conseguir não me importar com porra nenhuma. Eu mudei algumas pessoas que leram o que eu escrevi, mas inexoravelmente isso também mudou algo em mim. Cansei de engolir a ânsia de vômito.

See Ya

26.6.05

Marcelo

Assim como você, eu também nunca havia ganhado um poema de aniversário (vejam o post abaixo, vejam o post abaixo, vejam o post abaixo). Muitos menos estes que eu adoro, onde a primeira letra de cada verso é uma letra de uma palavra na vertical. Durante anos e anos eu escrevi poemas assim pra algumas pessoas e nunca ninguém havia escrito um desses pra mim.

Deixando o encapsulamento das palavras de lado, as palavras e significados que você deitou sobre a tela (vejam o post abaixo, vejam o post abaixo, vejam o post abaixo) me deixaram, pra dizer o mínimo, aos prantos. Gastei muito fósforo da tela, de tanto que li e reli. Você sempre deixou claro, aqui e no mundo real, que admira essa minha mania anti-mesmice. Mas porra!!! Precisava falar isso de uma forma tão fantástica? Fico muito lisonjeado de ter me tornado seu amigo ao longo de todos estes bons anos. Fico lisonjeado de causar admiração e ensinar tantas coisas a alguém que sempre admirei e com quem aprendi muito. Fico lisonjeado de poder dividir com você essa amizade e esse carinho todo que sinto por verdadeiros amigos.

Obrigado pelo criativo e nada lugar-comum voto de feliz aniversário (vejam o post abaixo, vejam o post abaixo, vejam o post abaixo). Que tenhamos ambos vida longa e que possamos sempre compartilhar dessas diferenças e concordâncias que fazem nossa amizade tão especial. Vou ali pegar o colete salva-vidas antes que eu me afogue em tantas lágrimas.

See Ya

PS1: Adorei o Zumbi. Deve ter sido foda.... mas ficou perfeito....

PS2: Muitos não sabem, mas eu fugi de tudo e todos nesse meu aniversário. Então agradeço de coração a todos que me mandaram felicitações das mais diferentes maneiras e prometo respondê-las todas... amanhã.

PS3: Por outro lado, algumas pessoas tiveram a chance e não me cumprimentaram. Bom, parece que a taxa de ironia da vida não mudou muito só porque eu completei 27 anos. Ainda bem!
Único

Faz já uns bons anos que
Ele passou a fazer parte da minha vida
Lentamente se fazendo
Insubstituível e próximo,
Zumbi e algoz da estupidez.

Anti-mesmice e anti-superficialidade,
Não me deixa esquecer a
Inconstância do pensamento e da
Vida em si.
Emotivo e
Racional, ele
Surge com as respostas criativas,
Amplas e surpreendentes.
Ri daquilo que o diverte, fica
Irado com a injustiça, denuncia
O lugar-comum.

Felicito,
Admiro,
Busco,
Respeito,
Incentivo,
Celebro e
Infinitizo
O meu amigo Fabricio.

21.6.05

Hermanos, pero no mucho

E isso é um elogio. Aliás, confesso que fico até com medo de fazer um post elogiando argentinos, mas vamos nessa -- e aproveito para já adiantar que estas são as percepções de um turista, em períodos de poucos dias, absolutamente pessoais e sem intenção de análise sociológica, "pelamordedeus"!

É que no feriado de Corpus Christi fui novamente passar alguns dias em Buenos Aires e curtir um outono típico, daqueles com folhas douradas caindo das árvores, sol gostoso e brisa idem. A viagem, como de costume, foi ótima. E Bs As definitivamente se incluiu para mim na categoria de cidade do coração, como Parati, daquelas a que você vai não para fazer turismo, mas para sentir-se bem e em casa, só que fora de casa.

Desta vez, talvez em função das idéias que compartilhei no post anterior, acabei vendo outras questões do lugar além da sua beleza. Realmente é a cidade mais européia que conheço aqui pelo nosso lado do mundo, mas isso não é só devido à arquitetura ou ao clima. É, sobretudo, pela postura das pessoas.

O maior insight sobre isso veio em uma noite de sábado. Havíamos saído para jantar e estávamos procurando algum restaurante freqüentado pelos portenhos, e não "para turista ver". Caminhando pela cidade -- minha atividade favorita lá --, chegamos à Avenida Corrientes, coalhada de teatros, cafés e livrarias, que estavam todos fervilhando de gente dos mais diversos estilos. E estou falando de teatros. Muitos. Livrarias. Também muitas. Cheios. Em um sábado à noite!

Dá para perceber a diferença? E não é só. Motoristas em geral, inclusive taxistas, param antes da faixa de pedestre. Até de madrugada. E sabe por que? Porque existem pedestres. A qualquer hora e de qualquer idade.

Aliás, outro dado interessante: Buenos Aires é cheia de velhos. Muitos velhos e muito velhos. Andando pelas ruas, freqüentando os cafés, tomando seu vinho e, como a imensa maioria, fumando seu cigarro. Quase todos sem aquele olhar de medo que vemos aqui ou de resignação que encontramos em cidades menores.

As pichações nos muros e portas de banheiros falam sobretudo de questões políticas (inclusive porque a ditadura deles foi ainda mais cruel que a nossa) e não "É Nóis Zona Sul". Os carros são, na maioria, mais velhos. E ninguém parece estar nem aí para isso. Já as praças são muitas. E sem grades. No lugar da epidemia de celulares, "locutorios" para todo lado. E várias outras coisinhas que nos mostram, ali no país ao lado, um jeito bem diferente de enxergar o mundo.

Não vou negar que vários argentinos claramente não gostam de nós, brasileiros. Nem que outros tantos se achem superiores a tudo e a todos. E que os motoristas buzinem demais e os taxistas dirijam como se estivessem no Paris-Dakar. Mas o mais legal é testemunhar que existem outras formas possíveis de se viver a urbanidade do lado de baixo do equador...

PS: Apesar disso tudo, longe de mim abandonar a rivalidade: amanhã estarei no Morumbi torcendo contra o River Plate :-)

20.6.05

Contristo

Quando desperto estou sonhando.
Um sonho cinza em tons apáticos.
Meus pés esmagam a relva encardida.
E espinhos arranham meus braços caídos.

Insistir na derrota ainda é lutar?
Como saber se é sangue
O que em minhas veias pulsa?
Ou lágrimas não vertidas em rebeldia.

A tristeza turva minha visão
E o tempo me aponta a direção errada
Há cada vez mais passos entre nós
Uma conspiração de coisas invisíveis.

Luz já se foi e tudo é sombra
E não questiono minha lucidez
Perder-me um milhão de vezes
A perder-te uma única vez

See Ya

17.6.05

Quer pagar quanto?

... e, de repente, eu tinha à minha frente a foto de uma caneta de R$ 640.000,00!

Alguns devem ter percebido que faz mais de um mês que não aparece um post meu por aqui: digamos que eu resolvi dar férias aos leitores do Fabricio que acham meus textos uma babaquice (os declarados e os silenciosos). Mas agora estou de volta.

Há cerca de um mês, recebi em casa uma edição especial de 220 páginas da Veja São Paulo (a Vejinha) com o título "Classe AAA", sobre o mercado de luxo na cidade. Não sou assinante da Veja -- sobretudo porque acho que ela tem a profundidade de um pires --, mas volta e meia a editora me manda algumas edições como brinde.
Como já não era a primeira vez que eu recebia algo assim, antes de jogá-la fora fui dar uma folheada para ver com que sonham os "bem-sucedidos". Acontece que, antes de eu chegar aos objetos de desejo, topei com uma Carta ao Leitor logo no começo da revista. E foi ao terminar de ler o único parágrafo de 25 linhas que mais uma vez senti aquela vontade de pegar um busão para outro planeta...

Transcrevo aqui a essência da tal introdução: Geralmente esse mundo de extravagâncias é carregado de estigmas e preconceitos. Mas a fama e o luxo têm um aspecto positivo raramente lembrado. É quando a riqueza de um produz oportunidade de trabalho e ganho para outros. (...) Tratamos das ocupações e dos salários que os milionários fornecem pessoalmente a dezenas de servidores, como seguranças e cozinheiros. Aí, para ilustrar a idéia, nas duas páginas seguintes está destacado em letras garrafais: 1 milionária = 66 empregos.

Esse é o texto. Agora vamos dar uma passeada pelo subtexto? Basicamente o que a revista endossa é que devemos ficar felizes porque, já que a distribuição de renda do nosso país é criminosa, graças a Deus existem milionários para gerar tantos empregos e riqueza para desfrute de alguns representantes da patuléia. Que as migalhas que esses magnânimos empregadores distribuem aos lacaios são maravilhosas para nosso país, para nossa economia e para nossa sociedade.

E aí a coisa descamba para os disparates típicos de nossas terras tupiniquins, tais como homens altos e fortes que, à guisa de "seguranças", agem como os empregadinhos de luxo que realmente são e ficam segurando o cachorrinho da madame cheia de botox enquanto ela está às turras com seu jipe 4 x 4 e seu celular na frente da escola das crianças. Ou o outro que pára todo o trânsito da rua porque, afinal, ele é "o segurança do Dr. Fulano de Tal" e, portanto, está numa posição social elevada diante dos reles motoristas que estão parados ali. (E não estou falando isso sem conhecimento de causa. Convivo com coisas assim no dia-a-dia.)

Será que sou muito ingênuo, ou pura e simplesmente burro, de achar ofensivo e revoltante que vivamos em um país em que 1,7 milhão de pessoas (1% da população) ganhe o mesmo que 86,5 milhões (50%)? Vivêssemos em um país minimamente civilizado -- não no sentido só da grana, que fique claro -- e essa informação seria suficiente para uma guerra civil. Ou, no mínimo, para uma séria mudança nas estruturas de poder. Ou, quem sabe, para que a base da pirâmide acordasse da sua letargia e visse a condição mísera a que é submetida. Mas isso não vai acontecer em uma sociedade em que o segurança do Dr. Fulano vira para o segurança do Dr. Sicrano e diz: "Você sabe com quem está falando?".

A uma certa altura a revista pergunta: Sem eles [os milionários], o que seria dos sommeliers, dos prédios de luxo da Vila Nova Conceição ou dos caddies, aqueles rapazes que carregam os tacos numa partida de golfe?. Dos porões da minha ignorância, proponho que talvez -- apenas talvez -- fossem cidadãos com aquilo que seus "benfeitores" lhes roubaram ao longo da história: escolha.

13.6.05

Skatós

Deve ser nojento limpar o chão ao redor da minha mesa do escritório. Pedaços de cutículas arrancadas a mordidas. Fios de barba partidos por dedos irriquietos, aos puxões. Unhas roídas, toneladas de unhas roídas, ainda com cheiro de saliva velha.

Isso é uma forma de autofagia ou se é meramente autopunitivo? Ou seria autofagia uma forma de autopunição? Independente do que seja, aquele gostinho de sujeira salgada que fica nos lábios e na ponta da língua é horrivel. A aparência das mãos é decrépita, mais parecendo que a morte me levou para um passeio de mãos dadas. As falhas entre os pêlos da cara e a vermelhidão na pele que dá pra ver através da barba é assustadora.

Dedos mordidos e sem unhas, babados, cutucam a superfície e a (não tão profunda) profundidade do meu rosto barbado. Tenho me sentido bem usando barba. Parece que ajuda a me esconder, talvez dos terríveis dedos que procuram algo que não podem achar aqui e a cada vez que não acham, puxam mais um pêlo, mais um fio deste novelo que é minha vida.

See Ya

3.6.05

Trocas

Olhou uma última vez para sua caneca de café mal coado, já vazia, antes de pegar o dinheiro e guardar a carteira na bolsa. Tentou pagar. O caixa não tinha troco. Ela fuçou no fundo da bolsa e encontrou dinheiro trocado. Furou o dedo em uma agulha ou prendedor de cabelo que estava próximo dos trocados. Pagou e andou até a porta do bar. Chovia. Olhou a chuva fina e fria. Esticou o braço e pressionou a ponta de seu dedo. Uma gota de sangue jogou-se de suas mãos, num suicídio forçado, em direção a corredeira em miniatura que se formava na calçada. Ficou observando até o sangue se desfazer e sumir.

Antes de caminhar na chuva imaginou como seria a cara do homem sob o capuz. Veria seu rosto no reflexo da lâmina, enquanto desesperada para correr? Ou veria seu próprio sangue nas faces deste homem? Sorriu e trocou a bolsa de lado. Nunca andava com ela pendurada no ombro direito. Mas trocou de lado. Teria de ser o direito.

Andou na chuva. Crescia ao seu lado, monstruosa, a Catedral. Olhando suas sujas e molhadas escadarias, cruzou o Marco Zero. Sentiu um calafrio. O vento trocou de direção e apontou para a rua que percorria a lateral da catedral. As grades negras e escorregadias a vigiavam. Seguiu o vento.

Quando se abrigou nas sombras da Catedral, sentiu o aperto e o violento puxar de braços nervosos. Virou e não era um capuz. Era um cobertor enrolado na cabeça. Não era um homem, mas um garoto de 13 anos. Um canivete barato, ao invés da faca. Ironias e trocas. Não gritou e não correu. Deixou a bolsa partir e trocou a expressão no rosto. Chegou a sorrir.

O garoto correu, nervoso e com medo. Medo do mundo, sim, mas muito mais medo daquele sorriso. Olhou pra trás uma vez mais e novamente não encontrou terror ou desespero, mas um sorriso. A luz do semáforo trocou de cor.

Ela caminhou mais uma vez com o vento. Treze passos e sua bolsa ficou ao seus pés. Trocou mais uma vez a bolsa de ombro e partiu, enquanto as pessoas trocavam palavras sobre um corpo agora espalhado por muitos metros de asfalto, sob as sombras da Catedral da Sé.

See Ya

23.5.05

O que herdamos de Guarapari?

Eu não tenho muito o que dizer sobre o assunto. O que dizer de alguém que realmente acredita que o RPG é capaz de transformar jovens em assassinos? É mais fácil encontrar culpados do que resolver problemas. Apontar o dedo pro RPG, pros filmes, pro futebol, pro fanatismo religioso, pro heavy metal, pro Marylin Manson e dizer que estes são os culpados por termos um mundo mais violento é fácil demais. Descobrir os reais motivos e tentar evitar as reais causas da violência é muito complicado: uma espécie de Navalha de Occam distorcida.

Navalha distorcida que políticos como este insistem em perpretar.

Felizmente também encontrei esta e esta referências, trazendo um mínimo de luz ao que significa e representa o RPG e sua falsa relação com os crimes em Guarapari.

Acabei deixando também um pequeno texto no mural de recados do deputado Reginaldo Almeida, do PSC de Espírito Santo, que é o autor da cega lei que vai tentar proibir a comercialização de jogos eletrônicos e RPGs de mesa. Segue abaixo o meu recadinho pra ele, que até o momento da publicação deste post, estava aguardando aprovação para ir ao ar no site dele. Duvido que vá, pois ao que parece eles só liberam comentário favoráveis ao deputado. Clique aqui para ver o mural.

Acredito que seu projeto contra os jogos eletrônicos e RPGs seja completamente cego no que concerne aos benefícios que os mesmos podem trazer. Eu jogo RPG há 12 anos e apenas através do RPG aprendi a ler, escrever e falar inglês fluentemente, mantenho um grupo de amigos unidos há 12 anos e desenvolvi habilidades muito consistentes para trabalhar em grupo, liderar e tomar decisões.

É típico de políticos preguiçosos essa lei, que ao invés de tentar detectar qual o real problema por trás das ditas "influências", resolve "nivelar por baixo" e tentar evitar o acesso a todos benefícios que jogos eletrônicos e RPGs de mesa podem trazer.

Você deve saber que existem projetos de alfabetização de adultos e ensino de 2º grau em história e física usando sessões de RPG. Você deve saber que existem cursos de aperfeiçoamento técnico utilizando jogos eletrônicos. Você deve saber que em áreas metropolitanas onde jogos cooperativos foram inseridos na educação regular, houve queda de até 70% na criminalidade infanto-juvenil. Se você sabe de tudo isso e ainda tenta barrar a utilização destes jogos, desconfio de suas reais intenções para com o ensino e desenvolvimento dos nossos jovens.

Até mais.


Espero, sinceramente, que o projeto de lei caia por terra e seja descartado. Espero que os culpados pelos crimes sejam condenados. Espero que o advogado que decidiu incluir o RPG nessa história nunca mais consiga dormir, e sua consciência (?) pese mais do que todos os livros de RPG juntos.

See Ya

13.5.05

Ao vento

Hoje acordei com um gosto amargo na boca e fiquei imaginando se o amargo também ficou bravo por ter acordado com minha boca sobre ele. Versações nonsense a 340 bpm. Divago enquanto procuro abrigo nas sombras do meu cérebro e a racionalidade espreita, armando uma tocaia da qual nunca consigo escapar.

Comunicação instantânea, corpos esteticamente perfeitos, vida orientada a resultados, robôs que se multiplicam e eu só queria encontrar o dia de hoje no calendário. Só queria encontrar esse dia pra saber se na minha agenda está anotado, como compromisso: "não pensar". E aí serei feliz e obediente como uma ovelha irlandesa.

Ratoeiras dispostas sobre a mesa. Não há isca preparada. Eu escolho de bom grado qual delas vai estalar e esmagar os meus pensamentos. Sem recompensa. Sem consequência. Sem ou com sequência? Sensequência? Aquiescência. Aqui é a essência. E o vazio se estende por intermináveis planícies brancas, onde a razão continua esperando, sabendo que, mesmo sem querer, vou atravessar as distâncias e cair em sua armadilha.

Voltar a pensar é como tomar fôlego depois de muitas horas debaixo d'água. É uma gana. É um alívio e é também o desespero, pois você lembra que uma vez que voltou a respirar, terá de respirar pra sempre. Pode até afundar de novo no macio, azul e confortável oceano do irracional, mas sabe que não aguentará muito tempo. Nessa hora invejo os boçais felizes e os autistas.

Porque eu questionei pela primeira vez? Porque aceitei a fagulha da inquietação? É ópio. É vício e de repente tudo que restou foi o desespero por outro teco. Há quem escolha cocaína. Eu escolhi o pensamento. Podia ter sido um casamento. Ou ter me internado num convento. A fissura pelo embelezamento. Mas minha escolha foi ser como areia atirada ao vento.

See Ya

12.5.05

Folheando

Fiquei com saudade do meu outro blog, já falecido há algum tempo.

Casa Branca e Capitólio são evacuados nos EUA

Delicioso ver os descerebrados da StupidLand evacuarem prédios, soarem alarmes, esconderem políticos em bunkers anti-atômicos, anti armas biológicas, anti-islâmicos, secretos e subterrâneos. É engraçado ver que eles tem medo de uma bomba estourar e no invólucro da ogiva estar escrito Made in USA. É hilário ver que eles se levam a sério e realmente acham que são um povo abençoados por Deus.

Sugiro a todos os leitores do Quando Isso Virar um Blog que consigam um endereço qualquer em New York ou Washington, depois coloquem uma mistura de açucar e talco num envelope e mandem para a América. Sugiro também que vocês encontrem telefones de prédios americanos (especialmente em Wall Street) e liguem faznedo sotaque árabe e denunciando a presença de uma bomba nas instalações. E quando estiverem desembarcando naquele país de gente idiota, comentem com o rapaz da alfândega: "olha, eu não sei porque, mas vi um dos passageiros entregando uma arma par aa aeromoça".

Isso é o terror. Os terroristas (islâmicos, curdos ou os próprios americanos) são completamente fanáticos, o que os faz tão ou mais idiotas que o país que odeiam. Por outro lado, suas ações abriram portas que a consciência americana não consegue fechar e com as quais o medo deles não consegue conviver. E digo: isso tudo é por justo merecimento. Não desejo a morte de qualquer civil americano (contanto que este não ocupe o Capitólio ou a Casa Branca), mas desejo que eles sejam os maiores consumidores de fraldas geriátricas do mundo, se cagando toda vez que um pneu estourar na Quinta Avenida.

See Ya

PS: eu não odeio os americanos e nem acho todos eles idiotas. Muitos são inteligentíssimos e grandes contribuintes na causa Anti-Bush e do panorama cultural diversificado que temos hoje em dia. O que é difícil de aturar é o americano médio.

11.5.05

Jack Undercall

Estranho como ultimamente só tenho tido inspiração de escrever quando estou triste ou chateado com algo. E não pensem vocês que o fato de eu estar longe daqui há quase um mês e meio significa que não tenho me encontrado muito neste estado. O problema todo é que invariavelmente neste estado eu sempre me encontro totalmente sem vontade de escrever.

E de forma nenhuma isso significa sem idéias.

Isso já havia acontecido antes em minha vida. No meio da minha adolescência criei um personagem chamado Jack Undercall, ou Jackal (inglês para Chacal), como preferia ser chamado. Independente de cenário, pois eu escrevi sobre ele na América do fim do século XIX e também em histórias futurísticas de ficção científica, Jack era um cara inescrupuloso, frio, determinado e definitivamente sarcástico. E eu ficava surpreso ao perceber que somente quando estava muito puto, com muita raiva ou muito triste é que Jack se libertava das minhas entranhas cerebrais e ganhava as páginas de meus tantos cadernos de rascunho.

Jack morreu. Pelo menos naquelas páginas. Nunca mais escrevi sobre ele. Nunca mais deixei que ele matasse alguém friamente ou enganasse ou humilhasse alguém. Alguns psicólogos viriam babando pra dizer que aquilo era parte da minha personalidade se formando e que Jack era a liberação de impulsos reprimidos por sensações e sentimentos ruins. Continuem babando, eu tenho outra teoria.

Jack Undercall era, na verdade, o futuro. Ele se apresentou pra mim antes do tempo e certamente adivinhou muito do que vemos por aí. Hoje ser sarcástico é cool, é engraçado. Humor negro é quase somente o que sobrou depois que todas as piadas ficaram velhas. Talvez seja o nada sutil surrealismo que nos envolve nos dias de hoje. Talvez seja o vazio e o descaso que tomou conta da maioria dos medíocres que pisam nestas terras de ninguém. Talvez seja só a percepção confirmada de que o ser humano pode ser, e é, seu pior inimigo. Talvez eu só esteja num dia ruim e nada disso seja verdade.

Verdade ou não, acredito que Jack sabia o que estava fazendo. Ele era o inconsciente coletivo se apresentando diante dos meus olhos. Tivesse prestado mais atenção a ele, talvez hoje eu tivesse uns milhões a mais no bolso e pudesse não enxergar nada disso.

Tenho a nítida impressão de que este texto ainda não acabou. Por outro lado, tenho certeza de que minha vontade de escrevê-lo já se foi há tempos. Jack venceu. Ele sempre vence.

See Ya

22.4.05

In Nomine Dei

Esse texto nasceu como um PS do enorme post anterior, mas acabou ganhando personalidade própria. O assunto, como o título entrega, é o novo Papa.

Confesso que tive a ilusão de que, mesmo tratando-se da Igreja Católica, o fato de estarmos em pleno 2005 permitiria que uma leve brisa de avanço soprasse pela Capela Sistina. Ledo engano, vã ilusão...

O Cardeal Joseph Ratzinger, agora Papa Bento XVI, foi durante o papado anterior ninguém mais, ninguém menos que o guardião da Congregação para a Doutrina da Fé. Ou o novo nome do Tribunal da Santa [?] Inquisição -- aquele que queimava bruxas e congêneres.

Outro ponto "edificante" na biografia do novo Sumo Pontífice: ele foi pessoalmente responsável pelo desmanche da Teologia da Libertação (TL), pois declaradamente odeia o marxismo -- que anacronismo -- e a TL tem um "cheiro de marxismo", segundo o próprio. Aliás, foi ele próprio que submeteu o Leonardo Boff, um dos principais ideólogos da TL, a toda a humilhação por que ele (Boff) passou quando foi punido pelo Vaticano na década de 80.

E, para dar um temperinho extra, Raztinger é o cara que acha que mulheres são inferiores (desconfio que, por ele, elas ainda seriam proibidas de se aproximar do altar). Também acha que uniões homossexuais são "imorais, artificiais e nocivas". Que eutanásia, aborto, divórcio e clonagem são pecados gravíssimos. Que shows de rock "podem assumir características de culto ou até de adoração, contrários ao cristianismo". Não é à toa que ele já está sendo chamado de Adolf I :-)

Tá, aí você me pergunta: e que diferença isso faz na minha vida? Quando o Bush Júnior quer fazer guerra, por exemplo, o Papa não impede coisa alguma. Tudo corre ao largo da igreja, não é? Pois é, eu até gostaria de acreditar nisso, mas tenho a triste impressão que não é bem assim.

Sabe por que? Porque vai ter gente aí do seu lado, aqui do meu, que vai achar que essas opiniões da mais alta autoridade Católica legitimam seu preconceito, sua limitação, sua pequenez. E isso culmina com o assassinato de um cabeleireiro a porradas só porque ele estava passeando de mãos dadas com outro homem na Praça da República. Culmina com mulheres sendo espancadas em casa sistematicamente, sem que haja alguém para defendê-las dos maridos/donos. Culmina com explosão populacional e aumento da miséria; com gente vivendo como vegetal em UTIs de hospitais; com mulheres divorciadas tratadas como párias em cidades pequenas nos grotões deste país; com religiosos de credos diferentes fazendo arremedos de guerra santa; e por aí vai.

Enfim, o único consolo que vejo é que o cara já tem 78 anos, então não deve durar muito. Mas minha avó Áurea -- que Deus a tenha -- sempre dizia que "vaso ruim não quebra". Alguns conhecedores de Nostradamus dizem que esse vai ser o último Papa, sei lá.

Só uma última colocação, para evitar maiores confusões: sou católico e desejo/espero que eu esteja redondamente enganado.

PS: Desculpe se os textos de hoje não estão exatamente animadores. Digamos que a minha porção Polyanna está encolhida em algum canto, apavorada.
Sobre como isso tem a ver com aquilo

Sábado passado, no fim da tarde, indo ver minha afilhada Giulia, peguei trânsito congestionado no caminho para a Marginal do Tietê. Não demorou muito para eu entender a razão: as 57.000 pessoas que foram ao Skol Beats.

Então, na velocidade de "lesma lerda" em que eu estava indo, fiquei olhando os outdoors da Av. Tiradentes. Um deles me chamou a atenção por tratar do plebiscito sobre a redução da maioridade penal.

Os que defendem essa idéia querem reduzir a imputabilidade de 18 para 16 anos, argumentando que os adolescentes infratores devem ir para a cadeia comum. Ainda mais agora, com as recentes e constantes rebeliões na FEBEM.

Ora, não é necessário ser exatamente um gênio para entender que não há fábrica de bandidos maior e mais eficaz que o sistema prisional brasileiro e a própria Fundação Estadual do Bem-Estar (sic) do Menor. Talvez o Congresso Nacional, mas aí já é outra categoria.

Na minha humilde e nada especializada opinião, o que esses obtusos não vêem é que o problema está na outra ponta, aquela da desigualdade social que ganhou para o Brasil a alcunha de Belíndia -- uma pequena e rica Bélgica cercada por uma imensa e pobre Índia, tudo junto nesse "país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza".

Será que não dá para perceber que reduzir a maioridade penal não vai resolver nada? O que é pior, que tende a ficar mais sério? E depois? O que fazer quando o problema aumentar? Reduzi-la ainda mais, até o ponto em que ela vai ser determinada pela idade em que as crianças conseguem empunhar uma arma? Oito anos, talvez? Ou quem sabe os fabricantes descubram materiais mais leves para que os ainda mais novos consigam usá-las também?

Bom, agora vamos voltar ao tal do Skol Beats. Foram 57.000 pessoas pagando de R$ 35,00 a R$ 90,00 para estar lá pulando a noite toda ao som tocado por DJs famosos em seus meios.

(Só uma observaçãozinha: qual é essa de idolatrar DJs como se fossem músicos virtuosos? Porra, o que os caras fazem é misturar músicas! Ou "mixar", para ficar mais sofisticado. É legal e tal, mas é só isso, não é? Ou então eu é que sou ignorante, sinto muito.)

Nas preliminares da megabalada, foram apreendidas dezenas de milhares de pastilhas de ecstasy. Eu mesmo vi no jornal a apreensão de 41.000 comprimidos -- todos em forma de coraçãozinho, que fofo! Sem contar que um subgerente do Banco Real ainda guardou não sei quantos no cofre do banco em que trabalhava. Até que faz sentido...

Já que você teve paciência para ler até este ponto, vamos montar a equação? É até simples: os filhinhos da (tosca) elite deste país enchem o rabo da AmBev com o dinheiro dos pais deles. E, para turbinar as sensações, gastam mais dessa mesma grana com o ecstasy que os faz amar tudo e todo mundo. Só que alguém tem que fazer o trabalho sujo. E o trabalho sujo muitas vezes é feito justamente pelos adolescentes que essa mesma elite quer colocar atrás das grades.

Deu para sacar? Vamos brincar de fazer uma historinha: Doutor Gastão tem um filho, o Gastão Júnior, que tem 19 anos, é muito "popular" e vive de festa em festa, motivo de mal-disfarçado orgulho do Dr. Gastão, temperado com uma preocupação de butique com o menino nesta cidade tão violenta... Júnior, por sua vez, é perito em esbanjar a grana do Dr. Gastão com uma lista de prazeres -- inclusive o ecstasy, que ele compra do Marcos, colega de faculdade (paga) e subgerente do Banco Real. O Marcos compra a droga do seu João Santos, cujo filho, Joãozinho, de 17 anos, vai à boca toda terça-feira buscar a entrega. E é o Joãozinho que o Dr. Gastão quer mandar para a cadeia, afinal a cidade está muito violenta para o Júnior.

(Só um adendo: é claro que isso é uma generalização. E, como toda generalização, é injusta. Sei disso e assumo.)

Enquanto isso a Giulia, cada dia minha linda, sorri para nós seu sorriso sem dentes e tenta comer a orelha do Tigrão de borracha que ela ganhou. É, Gigi, às vezes eu me pergunto se devemos celebrar ou lastimar sua vinda para este mundo...

1.4.05

Jantar 265

Parou na beira do abismo e o contemplou. A iluminação avermelhada o incomodava um pouco. Não que não gostasse, mas achava que a ocasião não pedia tanto.

"Qur'an!!", gritou. "Apague o fogo dessas primeiras 6 piras. Isso aqui está claro demais".

Qur'an saiu de trás das pedras, rastejando. O Sibilo de sua língua era inconfundivelmente agudo. Não fosse o som ao fundo - pessoas berrando em agonia - seria terrível demais ouví-lo falar.

"Mas, Mestre, e os gritos? Se eu apagar as piras eles não vão queimar e sofrer".

O outro ponderou por alguns segundos. "Envie alguns dos seus escravos pra lá então e mande que eles torturem os que estiverem nas piras apagadas. Mande-os fazer cortes com papel embaixo das unhas dos condenados. Eles vão gostar". Por um segundo até mesmo esqueceu do compromisso que tinha e ficou imaginando a dor e a agonia. Bateu o casco contra a rocha suada, em sinal de satisfação. Lambeu os beiços deformados com sua língua bipartida.

"Sim, senhor. Algo mais, senhor?"

"Sabe, estou um pouco apreensivo, admito. Já faz tempo que não recebo visitas importantes." Olhou por sobre os ombros e viu a mesa disposta sob a sombra de um carvalho apodrecido. Sobre a mesa estavam os "talheres" de tortura - tesouras, foices, facas, morsas, martelos, correntes, discos do Latino, pintos de borracha, máscaras de couro - e a singela placa com o número 265.

"Qur'an, acho melhor trazer os viados pra cá também. Prometi a eles que poderiam me ajudar."

"O senhor vai cumprir uma promessa?". Qur'an parecia desconcertado.

Ele sorriu. "Não, não. Vou me divertir."

Qur'an deu de ombros. "Como desejar, Mestre. O senhor não trouxe a mordaça?"

"Não é necessário dessa vez. O italianos é que eram falastrões e auto-confiantes demais. O polaco vai contribuir. Aprendeu a ficar quietinho nas mãos dos soldados do Adolf. Aliás, avise-o também. Talvez ele queira vê-lo". Pensou por um momento. "Ainda melhor: traga os judeus. Vamos ver se aqui ele também sabe fingir que teve dó das vítimas do holocausto."

Olhando ao redor, Qur'an começou a achar que o lugar escolhido por seu Mestre parecia pequeno.

"Senhor, tem certeza sobre os judeus? Eles são muitos e meio agitados", riu internamente. "É dificil não ficar agitado depois de passar tanto tempo em câmaras de gás", riu baixinho. "E não se esqueça que ainda temos os bebês."

"Ah, os bebês!! Como poderia me esquecer deles. Pendure-os pelos pés, aqui em cima", apontou. "Quero que meu convidado possa vê-los e saiba que os mandou pra cá. Velho imbecil! Por conta de sua teimosia isso aqui agora parece uma maternidade. Milhares de abortadinhos pequenos e disformes todos os dias. Vá dormir com este barulho todo!"

"Não precisa ficar bravo, Mestre. Tudo vai ficar bem. Não se preocupe. Também já arrumei a cele dele, próxima das outras. E só não entendi uma coisa: se este é o número 265, porque só temos aqui 132 celas até agora?"

O Mestre respirou fundo o enxofre e procurou se acalmar. "Qur'an, seu idiota. Eu e Ele dividimos os Papas. Eu fico com os ímpares, e Ele, com os pares."

"Muito estranho Ele escolher metade pra sofrer aqui e a outra metade pra ganhar o reino dos céus".

O outro riu abertamente, uma gargalhada que se espalhou pelos abismos e piras e fossas de enxofre borbulhante. "Ganhar o reino dos céus? Nós dividimos mas eu os torturo aqui, e Ele os tortura Lá. Eu os torturo porque é divertido, mas também porque eles fingem tomar atitudes divinas e tomam atitudes humanas."

"E Ele?"

"Por serem humanos fingindo serem Deuses!!"

"Então eles não têm saída?"

"Usar as sandálias de Pedro é trilhar o caminho da tortura e do sofrimento, seja de qual lado for. Hehehehehehehe. Ahhhhhh se o Concílio aceitasse um voto meu! Adoraria ver o Trujillo calçando as Santas Sandálias. Mas nem tudo é perfeito."

Vindo de trás de uma pilha de corpos incinerados, outro Servo se aproximou. "Mestre, Mestre, ele vem vindo", abriu um largo sorriso de dentes pontiagudos e serrilhados. "João Paulo II morreu!"

E Satanás sorriu satisfeito. "Rápido, Qur'an, vá fazer o que mandei. E você. Mande um recado pros russos. Diga que ganhei a aposta: matei-o primeiro".

See Ya
Mesmas palavras

Um (bom) escritor ou poeta deve admitir quando perdeu. Quando sonhou a vida inteira com uma idéia que na mente de outro foi nascer e em telas alheias foi surgir. Não é vergonha admitir, vez por outra, que as palavras tão desejadas por mim foram imortalizadas na escrita de outro. Enfim, tem vezes que nada do que você poderia dizer é tão bem dito (e bendito) quanto na boca alheia. Com vocês, Nana Caymmi.

[UPDATE] Na verdade esta música é de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos.

Resposta ao tempo

Batidas na porta da frente - é o Tempo.
Eu bebo um pouquinho pra ter argumento.
Mas fico sem jeito, calado e Ele ri.
Ele zomba do quanto eu chorei
porque sabe passar e eu não sei.

Num dia azul de verão, eu sinto o vento.
Há folhas no meu coração, é o Tempo.
Recordo um amor que perdi e Ele ri.
Diz que somos iguais, se eu notei
pois não sabe ficar e eu também não sei.

Ele gira em volta de mim,
sussurra que afasta os caminhos,
que amores terminam no escuro, sozinhos.

Eu respondo que Ele aprisiona e eu liberto.
Que Ele adormece as paixões e eu desperto.

E o Tempo se rói com inveja de mim,
me vigia querendo aprender
como eu morro de amor pra tentar reviver.

No fundo é uma eterna criança,
que não soube amadurecer.
Eu posso e Ele não vai poder me esquecer.


Eu perdi. Todos ganhamos.

See Ya