14.10.05

A Máscara da Paz

Certamente levei mais tempo do que gostaria para falar sobre o referendo que nos será apresentado no próximo dia 23. Este tempo de maturação de idéias foi conduzido por um fio argumentativo no qual eu pouco acredito, mas que entendo como um caminho para melhoria na qualidade de vida.

Digo que não acredito em tal argumento apenas por considerar, dentro de minha maquiavelice niilista, que o ser humano é e sempre será violento ao extremo, salvo em casos onde a moral domina os instintos e costumes que herdamos dos seres que habitavam as árvores e desceram até o chão por se sentirem capazes de se defender de (leia-se: matar) outras espécies.

Veja bem, se pudesse haver um referendo sobre isso e fosse possível escolher tais coisas de forma tão civilizada quanto votar, eu escolheria que a partir de primeiro de Janeiro é cada um por si. Armem-se, vistam coletes, levem cacos de vidro escondidos, construam armadilhas, apoderem-se do que lhes parece de direito. Matem, destruam e não cooperem. Não caiam na falácia de que somos animais sociais, perpetuem a espécie através do estupro, e rezem para sua escolhida não ter uma escopeta nas mãos. Lavem as rampas do Palácio do Planalto com sangue e tinjam o asfalto das capitais de vermelho e cinza. Eu topo. Seria menos hipócrita, pelo menos. Seria menos insosso que os joguinhos que inventamos pra substituir isso: mercado de trabalho, reality-shows, sensasionalismo. Nossa sede por sangue nunca foi tanta, e contudo, nossos métodos nunca foram tão esmiuçados e padronizados. Nossas bandeiras nunca pareceram tão brancas: lute contra o terrorismo, contra a morte de animais indefesos, contra a fome, contra a AIDS. Queremos limpar o mundo da maldade sendo sádicos. Queremos humanismo, mas queremos ver o circo pegar fogo. Acreditamos na paz mas não acreditamos em quem quer que a use como bandeira. Infelizmente acho que isso não vai mudar e vamos continuar vestindo essas máscaras. E não estou disposto a tomar essa atitude "faroeste" por mim mesmo. Eu gosto de brincar, mas não sozinho.

Portanto eu me decidi pelo sim no referendo real, que de fato ocorrerá, com todo o dinheiro desperdiçado nisso, com toda a estupidificação do assunto promovido pelas imbecis frentes parlamentares que incorporam cada um dos lados dessa batalha. Escolhi o sim porque acredito que isso vá diminuir a violência que considero imprevisível, inexorável. Não acredito no fim da violência, não acredito no fim da criminalidade, não acredito na segurança que nos promete o Estado. Mas sempre tive comigo que armas são sinônimos de morte, pois servem apenas pra isso.

Se você transforma um pedaço de pau em arma, um caco de vidro em lâmina, um livro em marreta (eu recomendo Guerra e Paz), é o seu julgamento que o faz. A arma de fogo, assim como as espadas (num contexto atual), serve apenas para matar. Nunca vi ninguém usar sua bela 765 cromada como aparador de livros ou pra calçar a oscilante mesinha do jardim. E isso basta, pra mim, para que eu as queira longe de mim, seja na minha própria mão, seja na mão dos outros.

Só pra não deixar dúvidas: eu empalaria os imbecis que acham que vestir uma camisa branca e fazer pombinhas com as mãos vai adiantar alguma coisa. Eu afundaria o crânio desses ativistas idiotas contra a calçada. Eu não sou "da paz". Mas também não sou bobo.

See Ya

PS: eu nem entrei no mérito político da questão. É verdade que isso tudo é uma cortina de fumaça pra abafar a crise política? Talvez. Mas se você já sabe disso, qual é o efeito? Você não consegue separar isso do seu discernimento e votar conscientemente independente de cenários ocultos? Ah tá.