31.12.04

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See Ya

29.12.04

O estranho mundo de Giulia

Taí uma coisa que nunca imaginei ver no Quando Isso Virar um Blog: alguém falando bem de (e chamando de gracinha) uma criança. Enfim, dividir a casa tem dessas. Faz parte abrir a mente e deixar novos e variados assuntos surgirem, mostrando que mesmo coisas patéticas como uma criança podem fazer a vida parecer menos pesada e mais alegre. Também tenho de deixar um pouco de lado estes brios adolescentes e entender que nem tudo o que é considerado péssimo por mim significa o mesmo para os outros.

Quem engoliu isso até aqui e não estranhou nada, pode ir embora. Apague o blog do seus Favoritos e adeus.

Giulia, bem-vinda. Em primeiro lugar você não tem culpa se seus pais não foram capazes de perceber que este não é um mundo onde se deve criar uma criança. Seus pais e padrinhos são, com certeza, pessoas maravilhosas, por quem guardo muito respeito e carinho e certamente são muito mais do que apenas bem intencionados em relação a você. Mas acredite no tio Fabricio: isso não vai fazer da sua vida um inferno menor do que a vida de ninguém. Sua vida serve mais de acalento às vidas vazias dos que já estão por aqui do que a sua própria. Pra acalentar sua vida você provavelmente terá filhos.

O fato de eu não gostar de crianças (na verdade hoje acho que gosto menos de quem decide tê-las, do que delas, propriamente) poderia me fazer ser um pouco rude com você, que mal nasceu e já carrega tantas coisas. Mas não é o caso. Não vou ser rude ou tratá-la mal. Na verdade eu apenas gostaria que você nos perdoasse a todos por sermos tão cegos e burros a ponto de termos de fazer de você, uma inocente e bem-vinda criatura, uma esperança num mundo melhor, numa vida melhor. Fazermos de você uma nova chance de fazer as coisas certas, de tentar dar algum sentido pra um existência vazia e apática. Fazer você nascer pra termos a impressão que vivemos, que mudamos, que crescemos e que de alguma forma, somos especiais.

Supra nossos vazios, Giulia. Seja melhor do que nós, elimine nossas frustrações, cumpra nossas vontades, deixe-nos orgulhosos. Somos tão feios e imperfeitos e egoístas e você é tão "linda, linda, linda, linda" que merece dançar e brincar e pular e muitos presentes. Seja nosso maior presente.

E quando tudo isso falhar, torne-se uma de nós. Seria muito rude dizer que senti uma dor gigantesca no peito quando soube que você viria ao mundo? Talvez seja, mas não peço que me perdoe. Guarde este perdão para seus pais. E espero que você seja muito feliz (da mesma forma que eu sou mesmo muito feliz por viver), pois isso vai facilitar as coisas quando você tiver de perdoá-los, como eu já perdoei os meus.

E quando, um dia, você for jogada contra a parede, o suor na testa, o gosto de sangue na boca e toda a inocência for uma imagem envelhecida no fundo da sua mente, pode contar com meu apoio e minhas palavras, que às vezes são duras, mas que insistem em se esquivar das máscaras que volta e meia caem sobre nossos rostos esperançosos e retorcidos.

See Ya

PS: Má, por favor não pense que o texto foi uma reprimenda. Você sempre foi e sempre será livre pra escrever no nosso blog o que bem entender. O fato de às vezes pensarmos de forma tão igual e às vezes de forma tão diferente é que dá graça pra isso tudo.

28.12.04

Bem-vinda, Giulia!!!


Post rapidinho para contar que a Giulia, minha afilhada de que falei no texto "Epifanias", nasceu ontem, dia 27/12/2004, às 06h58 (Capricórnio com ascendente em Capricórnio!), pesando 3,270 kg.

Ela é uma gracinha e está muito bem e saudável. A "tchurma" tá toda muito feliz!

PS: Como não podia deixar de ser, toda a história do meu relacionamento com essa menina tem sido um símbolo atrás do outro -- Giulia nasceu no mesmo dia do aniversário da minha avó Áurea, uma das mulheres mais especiais que já cruzaram a minha existência. Ah: e Feliz Ano Novo pra todo mundo!!!

21.12.04

Legítimas, só Havaianas (mesmo?)

Vamos expandir um aspecto do post de ontem? Depois de escrevê-lo, fiquei pensando nas relações entre pais e filhos e similares. Algo ficou me incomodando lá no fundo, mas eu não localizava o que era.

Então lembrei-me que, há algum tempo, li um trecho de uma carta enviada à colunista da Folha Rosely Sayão que começava assim: "Somos dois adolescentes de 20 e 23 anos...".

Em seguida, me vieram à memória algumas matérias que li, dizendo que os filhos estão demorando cada vez mais para sair da casa dos pais. E, às vezes, não só não saem como ainda trazem o(a) namorado(a) para morar junto -- inclusive com criança na história!

Vamos guardar essas duas informações e acrescentar mais uma. Ontem mesmo, li uma mensagem de um cara que dizia: "neste final de semana eu estava lá na minha chácara no interior...". Pois bem, neste caso sei que a rigor não é sequer uma chácara; e, ainda mais a rigor, o lugar não pertence a ele, e sim, ironicamente, ao padrasto que o sustenta.

E foi aí que caiu a ficha e consegui nomear o que estava me incomodando: a falta de LEGITIMIDADE que parece estar cada vez mais comum e "natural".

Bom, com esses ingredientes, acho que podemos começar nossa alquimia. Afinal, o que é que leva esses marmanjos e marmanjas a ficarem cada vez mais sob as saias dos adultos "consolidados"?

Na minha opinião muito pessoal, acho que é uma combinação de vários fatores -- e dois se destacam especialmente. Um é a necessidade que esses dependentes têm de mostrar status a qualquer custo (vide post anterior), e isso custa dinheiro. E, na maioria dos casos, não sobra tanto dinheiro quando você tem que dar conta da comida, do condomínio e da conta de luz, por exemplo. O outro fator é a frustração que seus pais têm com as próprias vidas, e agora querem "terceirizar" seus desejos para a geração seguinte. Mesmo que, paradoxalmente, morrendo de inveja dela. (Alguém da galera psi falou em projeção?)

Resultado: filhos sem conteúdos próprios e que têm que buscá-los em algum outro lugar. Pais que terceirizam sua felicidade em nome do "sacrifício pelos filhos". E a soma é um bando de gente faltando pedaço e usando coisas que o dinheiro compra para tentar diminuir um pouco sua fome existencial de coisas que o dinheiro não compra. Sabe aqueles anjos do Aleijadinho em Congonhas do Campo? Como o Aleijadinho já estava muito mal naquela época, ele fez os rostos dos anjos, mas os corpos são bolas disformes cobertas com as roupas. Faça as analogias que achar apropriadas...

Portanto, se você é um dos parasitas que estão muito confortáveis vivendo a vida por procuração, um conselho: faça um favor para você próprio, aproveite que é fim de ano, tire já essa bunda da cadeira e descubra que é muito mais gostosa e gratificante a liberdade -- mesmo que seja para fazer as mesmas coisas que você já faz, mas com o sabor incomparável da legitimidade.

Se você está planejando isso, ou pelo menos tem essa intenção, legal. É uma evolução do estágio "orelha-de-pau" (um fungo parasita bem comum na minha terra) para o desenvolvimento e a apropriação de si por si mesmo.

E se você já está aí no mundo dando a cara para bater, ótimo. Muitas vezes é dolorido; tem gente/coisas que enchem o saco; mas a sensação da conquista legítima é inigualável e faz a gente querer cada vez mais. E, no fim das contas, alguém tem que tocar esse mundo adiante, nénão?

PS: Antes que eu seja apedrejado pelos que estão nessa situação por não ter escolha, estou me referindo àqueles que OPTAM pelo caminho mais fácil e oportunista. Eu também fiquei muito tempo sem ter escolha; mas quando você tem um norte na sua vida, as coisas acabam acontecendo. Ou não -- afinal eu não sou o dono da verdade e essas são só minhas opiniões ;-)

20.12.04

1984 (com vinte anos de atraso)

... e o que é pior: voluntário! Acho que nem nos piores sonhos o George Orwell pensaria nisso. Vocês viram a história dos celulares com GPS? Resumidamente, os pais vêm comprando celulares com rastreador para saber com exatidão onde seus filhos estão. E não só os pais: namorados, namoradas, maridos e congêneres também estão nessa. No dia 12 de dezembro rolou uma matéria na Folha de S. Paulo sobre isso.

Bom, vamos ouvir os caras um pouco. O que eles argumentam? Que assim podem "ter mais segurança" ao saber onde os filhos/parceiros estão. Detalhe: se o celular for desligado, ou jogado fora pelos bandidos, não adianta nada. Fica só a ilusão do controle. E tem gente que ainda acha que é bonitinho. A matéria traz o depoimento de uma menina que diz se sentir melhor porque sabe que a mãe está velando por ela o tempo todo. Faça-me o favor!!!

Pensem um pouquinho: do que é que abrimos mão para termos as propaladas benesses da tecnologia? E-mail já virou festa. Sala de bate-papo, então, nem se fala. Orkut tá aí, virando a febre daqueles que estão eternamente "em busca da próxima paquera/ficada". As câmeras digitais daqui a pouco vão ser vendidas em lojas de 1,99. E o Photoshop custa 8 reais em qualquer camelô da Santa Ifigênia.
Vejam, eu seria o último a defender a volta à idade da pedra. Minha área não é tecnologia, mas tenho isso tudo aí em cima e mais um pouco (câmera digital, e-mail, Orkut, MSN Messenger... até ICQ de número baixo), mas onde será que a gente determina que ali é o limite para "abrir as pernas"? Será que sequer determina? Será que a necessidade de status, de ser hype, não custa caro demais? Será que "privacidade" vai logo ser um conceito ultrapassado?

Meu companheiro neste cafofo digital optou por não ter celular. Apesar de eu sempre chamá-lo de índio (heheh), começo a achar que ele está é certíssimo -- e é até por isso que eu vou passar parte das minhas férias longe de computador, celular, televisão e carro. Vamos brincar de dar um tempo? ;-)

Quando eu dependia do dinheiro da minha família para viver, não havia celulares. Mas, olhando em retrospecto, acho que dificilmente eu teria um aparelho moderno ao preço de ser vigiado todo o tempo. Naquela época, celular não tinha. Mas eu já tinha lido 1984. E a perspectiva da tal da Teletela me dava um medo absurdo!

PS: Para quem quiser saber mais sobre o livro 1984, este site é legal -- e, no mínimo, serve para saber que a expressão "Big Brother" não foi invenção da Rede Globo...


15.12.04

Sempre existirá Terraplana

Voava por sobre as matas. Circundava as serras. A uns causava espanto, pois aos olhos trazia folhas em dança frenética. A outros mostrava esperança, pois distraía o sol e deixava a pele descansar de tamanho calor. Ainda a outros levava a liberdade, pois as roupas balançava, os cabelos esvoaçava e o pensamento alimentava.

Pensamentos estes que ela mesma nutria, ela mesma criava e espalhava. Em viagens sem fim por Terraplana, que conhecia como conhecia os rios e cachoeiras, como conhecia os parques e bosques, os aflitos e os enamorados, que conhecia como suas próprias palmas. E ali, naquele dia, fez-se ainda mais forte, fez-se ainda mais alta e ninguém diria que não a viu e que não a percebeu naquele dia. E todos a saudaram, e todos foram às janelas para vê-la passar e rodopiar e dançar e levar tudo a sua volta a dançar com ela.

E crianças na rua brincaram com seus cabelos e braços dançantes. E cachorros nas casas, pois em Terraplana não há cachorros nas ruas, correram atrás de sacolas que ela atirou para eles. E homens deixaram que suas mãos os acariciassem, como num caso de amor que alivia e refresca. E mulheres dançaram ao léu quando ela passou, pois ali viam a mais bonita e empolgante força do dia.

E ninguém sabia explicar, mas todos sabiam que o dia fora único quando a noite caiu. Todos poderiam contar isso gerações adiante, enquanto ela subia, se afastando e se deixando arrefecer depois de tanto comemorar. Numa praia graciosa foi descansar e sobre as pedras e sob pontes foi correr, lembrando o porque daquilo tudo. E lembrou-se de quando nasceu e de quanto havia passado até ali. Há muito havia escolhido Terraplana como sua casa e santuário. E ali plantou tantas maravilhas e carregou tantas palavras e tantos orvalhos e tantas outras coisas, que até mesmo seu nome esqueceram. E até esqueceram de onde ela viera e que era um Anjo. E então a chamaram de brisa. E brisa foi. E brisa continuou sendo, e sendo brisa comemorava.

Pois era aniversário da Brisa.

See Ya

PS: parabéns Hérica. Parabéns pra você que é rocha, mas que também é brisa. E obrigado por me dar a certeza de que grandes amizades nada tem a ver com distância ou tempo.

9.12.04

Interferência

O mundo foi feito para ser provado em seu estado real? O Princípio da Incerteza de Heisenberg previu na física quântica o que a vida põe a frente de nossos olhos todos os dias: quando mais informação se obtem de um fato, de um momento, de um estado, maior é a incerteza dos dados ou, trocando em miudos, quanto mais sabemos de uma coisa, mais interferimos nela, e por isso sabemos de forma mais imprecisa, incerta.

Uma vez que tenhamos lançado um simples olhar sobre a realidade, mesmo que de forma introspectiva e pessoal, já a modificamos, ainda que no espectro introspectivo e pessoal (obviamente). E quando geramos conhecimento a partir da realidade observada (e modificada) geramos apenas uma máscara da realidade moldada por nossas percepções e vontades, que também será modificada pelo outro quando este observar a ersão da realidade criada por você. Extrapole isso para um grupo maior de pessoas, digamos 6 bilhões, e inclua nisso mecanismos de comunicação em massa, padronização e rotulação da opinião e acúmulo cultural e conceitual de uma civilização que já dura pelo menos 10 mil anos, e duvido que algum computador atual ou futuro possa definir a quantidade de mundos que habitam nossa auto-entitulada realidade.

E procurando aumentar ainda mais esse número, eu questiono vocês e a mim mesmo: é possível observar, medir, enxergar, inferir ou determinar o que é a Primeira Realidade, ou a realidade original. Ou melhor, é possível saber o que é a Segunda realidade (ou seja, a Primeira Realidade modificada) e dessa forma conseguir determinar o que é a Primeira Realidade?

See Ya

PS: o texto acima é o início da discussão Interferência que comecei no Orkut, dentro de uma nova e promissora comunidade. Criada por um grande amigo para gerar paradoxos reais e irreais e tentar sustentar que o que chamamos de realidade não passa de um amontoado de ilusões, a comunidade Illusions promete ser um bom centro de discussões filosóficas e viajantes. Participem.

7.12.04

Impercílio
(da série "O Surreal da Vida Real")

Você sabe o que é a palavra aí em cima? Não? Pois é, eu também não sabia.

Acontece que o site do lugar em que trabalho recebe uma quantidade razoável de pedidos de informação todo dia. Chegam as coisas mais estranhas, mas esse eu achei que valia a pena compartilhar. A única edição foi para preservar nomes de pessoas e instituições; e os grifos são meus. O resto está ipsis litteris. Vejam só:

Bom dia. Sou estudante de jornalismo da Universidade Nonono e gostaria de fazer o curso de inglês no exterior atravéz da Nonono. Tenho familiares nos Estados Unidos, portando a hospedagem não seria o impercílio.Gostaria de saber se a escola tem este tipo de serviço aoferecer.Se tiver porfavor enviem-me um E-mail dizendo sobre os planos, forma de pagamento e o que mais for necessário.Necessito com urgência,portanto aguardo anciosamente. Desde já muito obrigada.

Sacou agora o que é impercílio? Muito beeeeem, Pequeno Gafanhoto!!! Eu até hoje me espanto com a criatividade de certos erros. Coisa do tipo "atravéz" e "anciosamente" já perderam a graça -- mas o tal do "impercílio" foi campeão!

Ironia final: a pessoa é estudante de Jornalismo, senhoras e senhores!!! No limite, de onde é mesmo que vêm as notícias/informações que a gente recebe?

6.12.04

Nada

Talvez o nada te descreva, ou seja só uma forma de ficar bêbado sem sentir o gosto do álcool na boca. É difícil brincar de polícia e ladrão com armas de verdade.

Você não sente mais, mas não se importa. Porque se importar seria sentir demais, e você não sente mais nada. Lembra da sensação, lembra do ritmo e de como era fácil apontar para o culpado e atirar. Mas agora o culpado é você e não há balas na agulha.

Culpe o sistema e culpe seu chefe. Culpe sua mãe e culpe seus filhos. Culpe sua esposa e culpe aquela vagabunda do escritório que você gostaria de comer. Culpe o dinheiro e culpe o governo Lula. Culpe Deus e culpe a sua idade. Mas você alimenta o inimigo quando almoça. Olha-o nos olhos quando se encontra no espelho.

Ser você mesmo ficou caro demais, e se vender ficou muito mais barato. É um mercado em ascensão e você tem budgets otimistas. Você valoriza sua alma vendida porque esqueceu o que sua mente pensaria sobre você. A opinião do outro é mais importante agora. Você se anulou e diz que nada mais rende como antes. É matemática: zero vezes qualquer número ainda é zero.

Reaja, seu bosta! Vai acabar, se já não está, com aquela arma sem balas apontada para a própria cabeça. Um gesto tão significativo quanto acenar para um astronauta boiando no espaço. E quando apertar o gatilho e nada acontecer, mais uma vez o nada te definirá. Volte ao topo e recomece a leitura, só pare quando tiver algo no cano e um alvo melhor que sua cabeça vazia para apontar.

See Ya

5.12.04

Samwaad - Rua do Encontro

Em julho deste ano fui ver uma apresentação de dança no SESC Belenzinho. Naquela época "pré-Quando Isso", escrevi um texto sobre a experiência em uma lista de discussão. Agora o trabalho está de volta, desta vez no SESC Pinheiros, então resolvi recuperar o texto, caso vocês se interessem.

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No domingo à noite fui ver um espetáculo de dança chamado "Samwaad - Rua do Encontro" no SESC Belenzinho. Como vários de vocês já sabem, não sou exatamente um dos dez maiores entusiastas de dança, especialmente dança moderna. No entanto, essa experiência foi tão rica em símbolos que resolvi compartilhar minhas percepções com vocês.

Resumidamente, são cerca de 50 jovens, provenientes de ONGs e reunidos pelo coreógrafo Ivaldo Bertazzo, que dançam ao som de um "diálogo" entre ritmos brasileiros e indianos. A música tem bastante percussão e é o que dá o tom do espetáculo. O palco é o chão liso com arquibancadas ao fundo. A iluminação é simples e bem-feita. E só. O resto fica por conta da expressividade dos dançarinos.

Quase todas as coreografias (e são várias durante a hora e meia de duração) têm a participação de todos os bailarinos, em movimentos conjuntos em que cada um depende do outro. Além dessa harmonia entre eles, os músicos também têm participação ativa, interagindo com a música mecânica e com os próprios dançarinos. Outra característica que me chamou a atenção foi o sorriso genuíno no rosto de cada um, o visível orgulho que sentiam do seu trabalho e a energia e o suor (literal) dedicados a ele. Foi contagiante.

Bem, feita a descrição, o que quero realmente comentar com vocês é como me senti quando vi todos aqueles jovens fazendo -- pelo menos naquele momento -- exatamente o contrário do que o senso-comum coloca como"veredito" para eles: a permanência à mal-definida "margem da sociedade".

Então fiquei pensando sobre o que me contagiou. Não foram só os movimentos perfeitos (mesmo porque não o eram sempre) ou a música (inclusive porque nãoé meu estilo favorito), mas a simbologia e a importância do coletivo. Não havia "a estrela" ou "o solista", mas grupos de pessoas que tinham um objetivo juntas, em conjunto -- mas sem desrespeito à individualidade. Aliás, como exemplo, durante a ovação final cada um fazia o agradecimento à sua maneira particular e individual, o que também foi muito bonito. Ah, e o Ivaldo Bertazzo nem sequer apareceu no palco, deixando claro que ele também não é "a estrela" (mais uma vez o simbólico...).

Concluo com uma última visão pessoal: acho que, se existe algum caminho para melhorarmos um pouco esse mundo doente, ele está no coletivo. Vejam, não me refiro a massificação ou uniformidade, mas ao coletivo efetivamente; aquele que se faz da interação entre as diversas individualidades com respeito, troca, aprendizagem, afeto e alegria. Pode ser meu lado Polyanna que insiste em emergir, mas são momentos como esse que me fazem recuperar um pouco da --combalida -- fé nessa tal de raça humana...