13.11.06

Kinetos

O vídeo abaixo é o trailer do meu mais novo filme. É o terceiro curta que produzo, e até agora, o melhor. O lançamento rolará em breve, mas por hora, curtam o trailer.





See Ya

2.11.06

Despojos

Deixou de lado o último crânio, ainda umedecido por sua saliva, e escalou a pilha de ossos. Do topo viu as luzes vermelhas e as tropas se aproximando. A floresta de aço retorcido projetava sua sombra sobre sua posição, e isso seria suficiente para protegê-lo, por hora. Desceu do monte ossário e apanhou um fêmur, o mais robusto que encontrara.

Caminhou ao largo do vale seco, orientando seus passos para longe das sirenes e estopins atrás de si. Por um segundo lembrou-se que já soubera o que é Efeito Doppler. Então viu sombras moverem-se mais abaixo, nas profundezas do antigo rio. Deitou-se rapidamente, reconhecendo no vibrar do solo o ronco dos veículos das tropas. Haviam se movido pelo vale, o que era óbvio. Com mais espaço e terreno aberto, chegariam aos fossos em breve. Fim.

Levantou e correu, ouvindo os zunidos dos disparos sobre sua cabeça. Avistou o Tronco e desceu desesperado, mais para dentro do vale. Para mais próximo de seus algozes, mas onde sabia que haveria uns bons quilômetros de rochas por onde poderia correr e se proteger ao mesmo tempo. Na terceira pedra sobre a qual correu, deixou sangue de sua perna. Os músculos não queriam mais responder. Veio o segundo baque e o acertou nas costas. Foi ao chão e só teve chance de girar sobre seu próprio peso para se jogar numa das frestas da escarpa rochosa. No fundo bateu a cabeça e lembrou-se do crânio que devorara, minutos antes. Escuridão.

Quando despertou estava vendo o bloco rubro-cinzento que costumava chamar de céu. Algo incidia de forma dolorosa em suas costas, na altura dos rins. Tateou ao seu redor e retirou o que o estava ferindo: uma lata vermelha, desbotada, com um "C" branco que iniciava uma palavra já há muito tempo apagada. Estava num dos depósitos. Mas não fazia idéia de como chegara lá. A perna ferida ardia e pulsava, mas a costas estavam bem. Calculou que não fora atingido por uma bala no segundo impacto, mas antes de poder se certificar, viu um vulto crescer ao seu lado.

A pele negra esverdeada brilhou na luz vermelha que vinha de longe. O corpo longo e forte exibia um de seus braços erguidos, com uma arma feita de ossos pronta para desferir-lhe um golpe. Teve tempo de usar a lata para aparar o golpe, forte e preciso. Sentiu alguns dedos entortarem, mas não hesitou em pegar a arma que fora ao chão. Ergueu a arma para se proteger, mas o inimigo não atacou. Paralizou-se com a arma em punho e olhou seu opositor. Os olhos esbranquiçados do outro fitavam-no, piscando de vez em quando. Estava no ninho de outro come-ossos. O longo tempo de contemplação não durou muito. Viu as luzes vermelhas saírem de trás dos destroços do ninho. Seu oponente olhou por sobre os ombros e tentou correr, mas seu crânio espatifou-se com a força dos disparos das tropas que avançavam, mais uma vez. Sentiu pena e rancor do come-ossos que o salvara para salvar seu almoço e agora perdera o próprio crânio. Pena: parecia apetitoso.

Baixou a arma e esperou o desfecho, mas ele não veio. Dois blindados o agarraram e arrastaram. Chegou tão perto de um deles, que sentiu o cheiro metálico da armadura arranhada e envelhecida. Sentiu a picada no braço e tentou escapar, mas as mãos hidráulicas não permitiram. A queda da pressão, como soubera um dia, fez com que vomitasse algo amargo e verde. Desfaleceu.

Viu, quando acordou, os fossos, bem abaixo, ardendo em chamas e balas. Pensou nos mortos. Pensou nos sobreviventes. Pensou no que seria e pensou, acima de tudo, no que mais o incomodava: por que ele? Apagou.

See Ya

1.11.06

De que você tem mais medo?

Tarde da sexta-feira passada. Estava eu a caminho da faculdade, no lento trânsito da Cardoso de Almeida (Perdizes, bairro de São Paulo), quando olhei para a calçada à minha esquerda e vi, nas costas da camiseta de um cara, escrita em letras garrafais, a pergunta "What do you fear the most?".

Se eu fosse uma pessoa menos estranha, não seria nada demais. Só que isso foi o início de uma looonga conversa comigo mesmo -- lembrem-se que o trânsito estava ruim :-)

Comecei a pensar no que seria meu maior medo. Morte? Não. Acho que morrer, desde que não seja de forma excruciante, não deve ser tão ruim. E como acredito em vida após a morte, talvez até seja interessante.

Solidão? Também não. Gosto de ficar comigo mesmo, morei sozinho durante anos e curto o silêncio não-imposto.

Falta de grana? Não acho. Tenho algum medo, sim, de ser dependente; mas não é meu maior terror, porque as diferentes experiências de vida em diferentes lugares me fizeram conhecer diferentes maneiras de lidar com essa questão.

Passei por algumas outras possibilidades e nenhuma delas me satisfez. Até que, alguns metros adiante, cheguei a uma possibilidade: acho que meu maior medo é o medo da irrelevância. De passar por este mundo, por esta vida, sem ter feito nenhuma diferença.

Ainda embalado por esse pensamento, segui para a aula pensando em como isso se consubstancia (adoro essa palavra!) no meu cotidiano. Pensei na carreira que escolhi -- ou que me escolheu, na verdade -- ainda quando eu era adolescente: ser professor. Ajudar a fazer a diferença na vida dos alunos e, hoje, de outros professores e coordenadores. Ampliando a idéia, ajudar pessoas à minha volta. E é assim que me sinto realizado e procuro escapar da irrelevância. Inclusive faz alguns anos que meu blogmate disse exatamente isso sobre mim, em público em um momento bem significativo. Fiquei muito alegre e, com a mesma alegria, coleciono outros exemplos.

Mas será que isso dá realmente sentido à minha vida? Será que eu quero acreditar nisso só para não ter que me confrontar com o inevitável vazio? Será?...

E no meio de todo esse turbilhão me sobreveio um insight: será que, na realidade, consciente ou inconscientemente, não é este o maior medo -- ou pelo menos um dos maiores -- de quase todo mundo?... Algumas manifestações me ocorreram como exemplo de tentativas genéricas de não "passar em branco":

* A busca da tal "celebridade", fenômeno crescente e cada vez mais abundante. Lembro-me que há algum tempo as pessoas corriam DAS câmeras em eventos e festas; hoje correm PARA elas. O projeto de vida é aparecer na Caras, no programa do Amaury Jr e nas colunas sociais. Preferencialmente em todas e muitas vezes.

* A aparente necessidade imperiosa de ter filhos. Vejam que adoro crianças, e justamente por isso tenho muita, muita pena quando vejo situações em que elas são na realidade as depositárias do sentido que os pais não vêem nas próprias vidas. Conheço alguns casos assim, e basta ligar a TV ou ler uma revista de fofocas para achá-los.

* Ainda nessa linha, a dedicação patológica, ou quase, a animais de estimação. Atire a primeira coleira quem não conhece pessoas que moram sozinhas e, quando vão a alguma festa ou happy hour, têm que sair correndo em um determinado horário porque "fulaninho (o cachorro) está sozinho".

* E há várias outras, sem juízo de valor: a gravidez na adolescência para ter algum reconhecimento (o de mãe); a dedicação integral e apaixonada a uma causa (política, meio ambiente, voluntariado); a entrega cega a uma religião; o "casamento" com o trabalho; e por aí vai.

Não passo de um leigo, mas pensando nisso me ocorreu uma teoria (lá vem!). Como somos cada vez mais bombardeados pela onipresente "mídia" com informação sobre como devemos ser, o que devemos comprar, a que "tribo" devemos pertencer, que música devemos ouvir, etc., acabamos perdendo a real noção da nossa identidade. E assim nos agarramos a algum referencial externo mais próximo e/ou acessível e/ou conhecido para adotá-lo como próprio, internamente. Tempos sombrios...

Talvez, só talvez, possamos ser mais felizes se tivermos a vontade, o tempo e o silêncio -- externo e interno -- necessários para olhar para dentro de nós mesmos (e não só para o outro) e descobrir quem realmente somos (vide posts anteriores sobre máscaras, rótulos, coexistência, e outros nesta linha -- o arquivo tá aí ao lado).

E talvez, só talvez, se nos conscientizarmos que somos uma parte individual de um todo coletivo, consigamos nos libertar um pouco daquilo que nos é imposto e chegar a uma escolha. A escolha de sonhar sonhos que sejam realmente próprios. A escolha de que lutas lutar e com que angústias pugnar. Afinal, "é no vazio da jarra que se colocam as flores".

Fim da história, tentando responder a pergunta da camiseta do cara: será que nosso maior medo é a gratuidade da nossa existência? Ando achando que o meu é...

PS: Não, não vou falar de política, apesar dos pedidos. Estou cansado e não estou a fim.
Olhos de Mosca

Estranho que agora eu só possa contar essa história pra você. Sempre achei que isso daria uma história para um bom livro. Guardei essa história na minha bagunçada memória, esperando um dia poder ver meu nome abaixo do nome que dei a ela, na capa de um livro. E agora somente você pode conhecê-la, embora eu saiba que você já a conhece até mesmo melhor do que eu, que a inventei. Porém, vou contá-la assim mesmo.

Como em muitas daquelas noites, eu me encontrava sentado junto a uma escrivaninha mal acomodada, meio apertada, abarrotada de livros, papéis, anotações, gavetas repletas de mais papel, outros livros, elásticos, canetas, borrachas, lápis e até de algumas revistas que minha idade, na época, tornava ilícitas, conseguidas a muito custo numa banca onde o atendente era um velhinho meio cego, e que mal enxergava o que eu estava comprando.

E mesmo sendo uma noite igual a tantas, foi diferente de muitas outras, pois nesse dia, ela chegou e pousou sobre a mesa, e ficou me observando enquanto eu sofria para concluir uma lição de casa de português, ou Língua Portuguesa, como minha professora diria. Soube que a carrasca morreu de câncer no cérebro. Lembro de ter visto uma foto dela num álbum de formatura, anos depois, mas o álbum tinha uma pequena e estranha mancha, exatamente sobre a testa de professora. Não consegui lembrar do rosto dela completamente.

Professoras mortas à parte, eu percebi que aquela mosca havia pousado na mesa e ficara me observando por mais de 30 minutos. Ela lavou as asas, as patas anteriores e posteriores. Lubrificou as patas e seu aparelho bucal. Coçou seu abdomén bojudo e esfregou os olhos. Fitou-me diversas vezes, como que tímida, mas parecia confiar em mim e saber que eu não iria esmagá-la entre duas páginas de um livro ou sequer espantá-la de seu local de saneamento. Ela estava certa, eu não iria. Termimou seu banho, ensaiou um olhar direto, mas desviou seus milhares de olhos quando eu a encarei. Deu uma última chacoalhada e vôou.

Voltou na noite seguinte.

Algumas pessoas dizem que moscas vivem apenas 24 horas em sua fase adulta. Talvez não fosse a mesma mosca. Talvez uma irmã, ou filha. Entretanto ela pousou na mesa para um delicioso banho e lavou-se na mesma ordeira e precisa sequência. Nessa noite eu comia um pedaço de pão doce, e deixei cair, de propósito, uma pequena lasca perto dela. Como que entendendo minha intenção, a visitante alada não partiu, mas também não provou da iguaria oferecida por mim. Terminou seu banho e se foi, dando um rasante sobre o livro de geografia.

Na próxima noite eu fui para o quarto fazer minha lição um pouco mais tarde do que de costume. Acendi a luz quente e amarelada e a vi. Estava novamente sobre a escrivaninha, mas dessa vez deleitando-se com a lasca de pão doce que ficara sobre a mesa desde a noite anterior. Aproximei-me e ela não se incomodou. Aproveitei o ativo e dedicado momento de sua alimentação, para pegar uma lupa que estava em uma das gavetas e observá-la mais atentamente.

Sua cabeça era um amontoado de minúsculos olhos vermelhos. Ela podia me ver fazendo aquilo, certamente, mas preferiu se deixar obervar. Entre nós já não havia quase tensão, e também percebi que ela gostava de ser olhada, dada a forma como levantava e exibia suas brilhantes asas para mim, deixando a mostra seu grande abdomen amarelo de aspecto purulento. Abaixo de seus olhos vi sua boca, ou melhor, seu aparelho bucal. Através dele ela estrategicamente regurgitava parte de sua saliva, parte de outros sucos digestivos sobre a lasca de pão que, aos poucos, se tornava uma massa branca e disforme, sendo corroída pelo humor ácido saído de seu predador. Enfim, sem a menor cerimônia, ela começou a lamber o monte de vômito e pão que havia feito. Lambia com tal avidez e precisão que parecia mesmo se deliciar. Suas asas tremiam de excitação e seus milhares de olhos brilhavam e lampejavam sob a luz do meu quarto. Por alguns segundos eu mesmo tive vontade de provar da especiaria que estava sendo externamente digerida sobre minha escrivaninha. Senti-me estranho com tal desejo repentino, e o repeli, mais por respeito a minha recém adquirida amiga do que por nojo, propriamente dito.

A refeição foi breve, e depois daquilo ainda nos observamos por alguns minutos. Estiquei meu dedo até próximo dela. Eu pensava se ela estaria entendendo minha mensagem, se estaria ouvindo meus pensamentos que diziam para ela se aproximar. Estávamos absortos naquele momento estranhamente íntimo. Mesmo sem a lupa eu podia vê-la me olhando nos olhos. A imensidão vermelho escura de milhares de olhares me fitando foi tomando conta de mim, e eu apenas queria que ela se aproximasse. Ela não era maior que uma de minhas unhas, mas mesmo assim surpreendeu-me quando deu um passo - na verdade, um salto - em minha direção. Repentinamente eu recolhi minha mão num movimento brusco. Assutei-a, e ela saiu voando. Cruzou a frente do meu rosto e tornou-se uma silhueta diante da luz da lua, antes de deixar meu quarto.

Naquela noite sonhei que centenas de moscas andavam sobre meu corpo, como que tentando me conhecer melhor, me ver melhor em seus olhos e me sentir melhor sob suas patas. O mais estranho é que foi um sonho bom.

See Ya

PS: Esse texto foi originalmente publicado no Quando Isso Virar Um Blog em abril de 2004. Em homenagem ao novo visual do blog, e também porque gosto demais desse texto, republico-o hoje.

27.10.06

Vermelho

Vi no Wear Sunscreen, blog do meu grande amigo Luiz, que o Bono Vox, do U2, criou uma campanha para incentivar grandes corporações a criarem produtos cuja venda teria parte de seu lucro destinado ao Fundo Global contra a AIDS, malária e tuberculose criado pela ONU.

Diversas corporações aderiram à (RED) e criaram produtos (boa parte deles vermelhos) para contribuírem com a África, por exemplo, continente que mais recebe ajuda desse Fundo Global. Como eles (e o Bono) são bonzinhos.

É o cúmulo do absurdo esse tipo de iniciativa meramente paliativa e de objetivos claramente exibicionistas. É bonito e chique e "cool" ser socialmente responsável. Mais uma faceta do mundo politicamente correto que eu tanto odeio. Se essas corporações quisessem de verdade, poderiam fazer muito mais do que posar de responsáveis ao ajudar com atitudes efetivas os pobres, miseráveis ou doentes do mundo. Contudo, isso seria tão absurdo quanto acreditar num campanha imbecil dessas: nosso mundo apóia-se na exploração alheia, na existência de (e distância entre) milionários e miseráveis.

O shopping onde você faz compra e se entope de carnês e prestações só existe porque criancinhas passam fome na Libéria ou porque guerrilheiros de guerras inventadas compram armas contrabandeadas pelos próprios membros do conselho de segurança da ONU. E só existe para que sua dívida garanta a TV de plasma, o iate, as festas e o poder dos que estão "acima" de você. Longe de mim fazer discurso comunista, mas não sejamos hipócritas. Aceitem o gosto amargo das suas próprias aquisições consumistas, ao invés de tapar o sol com uma peneira vermelha. Ninguém quer mesmo curar a AIDS. Ninguém quer mesmo ajudar a África ou os pobres em geral. Ninguém quer mesmo se importar com nada disso.

Como o próprio site da (RED) diz: We're just starting to make history. Lembrem-se filhos: quem faz a história são sempre os dominantes e vencedores, e para garantir que isso nunca mude eles não podem nos deixar escrever a nossa. Vou continuar torcendo pros koreanos despejarem sobre o mundo sua ira radioativa, e esperar qu eisso incentive indianos e paquistaneses a fazerem o mesmo.

See ya

14.10.06

Como ser feliz com seu GMail

Passo um: clique em Configurações
Passo dois: clique em Filtros
Passo três: clique em Criar novo filtro
Passo quatro: na caixa "Possui as palavras" escreva "lula, alckmin"
Passo cinco: clique no botão "Próxima Etapa"
Passo seis: marque a caixa "Excluir"
Passo sete: clique no botão "Criar Filtro"

E seja feliz, até o próximo ano eleitoral, quando as pessoas vão voltar a falar de política como se entendessem alguma coisa. Mas aí é só repetir os passos acima com os nomes dos outros candidatos.

Pior que eleger o Lula, pior que eleger o Alckmin, pior que eleger o Serra, o Maluf, o Clodovil e o Frank Aguiar é tratar política como futebol. Ano eleitoral parece ano de Copa do Mundo, e pra ajudar a gente sempre combina os dois aqui no Brasil. O que teve de técnico de futebol e analista político em 2006 não é pra ninguém botar defeito!

Se entendêssemos de futebol o hexa tava aí.. se entendêssemos de política, o Maluf, o Collor e outros citados acima não estavam aí. Discutir pra que, então? Siga os sete passos acima e seja feliz!

See Ya

21.9.06

A enxada e o ancinho - uma "agrometáfora" sobre a educação e a vida

Outro dia eu estava em uma aula conversando com a professora e os colegas sobre as mudanças que ocorrem, ou deveriam ocorrer, na educação. Falamos um pouco sobre as realidades em diferentes contextos escolares -- público, particular, para alunos surdos, em faculdades, etc -- e até sobre "paradigmas emergentes", para usar uma expressão que está na moda.

Aí fiquei pensando sobre aqueles "mantras" que começamos a repetir indefinidamente e acabam virando verdades absolutas. Um deles é que a única constante é a mudança; ou seja, só o que não muda é o fato de que sempre haverá mudanças (se bem que em boa parte das escolas ela muitas vezes é apenas cosmética, mas isso é assunto para outro texto).

Acho isso muito bom. Mudanças podem nos mostrar potencialidades que às vezes nem sabíamos que tínhamos. Descortinar novas perspectivas para antigos problemas. Desafiar a ir mais adiante e reavaliar objetivos e desejos. Ensinar a fazer algo conhecido de um jeito novo. Causar o desconforto necessário para o crescimento e a aprendizagem, na escola como na vida.

Porém (e sempre há um porém...), aparentemente a interpretação que reside no senso comum é a de que mudança tem necessariamente que ser igual a ruptura, e que para mudar temos forçosamente que abandonar ou negar tudo o que foi feito anteriormente.

Para exemplificar: houve um longo tempo em que "dar aula de redação" era visto por muitos como corrigir a exatidão do que os alunos escreviam, com foco na norma culta e pouca ou vaga atenção ao conteúdo. Aí veio a percepção de que escrevia-se belamente sobre idéias freqüentemente ocas ou repetitivas. Então, na esteira muitas vezes distorcida da Escola Nova, outros tantos abraçaram o lema simplista de "chega de oprimir nossos alunos; vamos deixar que eles expressem suas idéias sem os grilhões da gramática". Resultado freqüente: idéias ótimas, porém escritas por toda uma geração de estudantes de forma quase ininteligível pela falta de pura e simples ortografia.

A questão que vejo, da minha limitada, talvez óbvia e estereotipada, mas algo crítica perspectiva, é que há momentos para ruptura, sim; mas também há momentos para reorganização, reorientação ou, digamos, ajustes (a tirania das palavras...). Momentos em que o novo deve substituir o velho, e momentos em que o novo vem para arejar e enriquecer o velho. Momentos de espanar a poeira e embarcar em novo trem, com novo destino. E momentos de simplesmente mudar para o outro lado do vagão e ver a nova paisagem que se descortina.

Já faz um bom tempo que saí da minha cidade natal, no interior de Minas; mas minha origem não só nunca me abandona -- para meu orgulho e alegria --, como freqüentemente vem ajudar a pensar, como agora. Acho que uma metáfora para pensarmos a educação, e a vida, pode ser a de uma horta que estamos sempre preparando, plantando, fertilizando, colhendo, limpando e recomeçando.

Às vezes precisamos de uma enxada para arrancar torrões de terra e chegar aos níveis mais profundos. Podemos atingir uma pedra. Podemos cortar raízes que nutrem árvores ou minhocas que estão lá ajudando a adubar o solo. O terreno vai ficar irregular durante algum tempo. É o preço que se paga. Mas também podemos atingir a terra novinha, fresquinha, nutritiva. Podemos abrir espaço para plantar novas culturas. E até encontrar "tesouros" que estavam lá dormentes, nos esperando.

Por outro lado, há vezes em que precisamos é de um ancinho (ou rastelo, aquele que parece um "garfão" largo, que também usamos para cuidar do solo). É certo que ele não chega aos mesmos lugares que a enxada e não temo mesmo objetivo ou efeito. Mas com ele tiramos as folhas velhas e pedregulhos. Removemos raízes mortas. Arejamos o terreno. Damos um certo traçado à horta. Revolvemos a superfície da terra para prepará-la para o plantio. Abrimos caminho para acolher e cultivar as sementes.

Enfim, na educação, como na vida, nosso eterno e renovado desafio é ter a sensibilidade e a sabedoria de que tem hora que é de enxada. E tem hora que é de ancinho.

PS: Prometo que vou dar um tempo nos posts looongos. É que este texto surgiu em outro contexto, mas gostei dele e quis tê-lo aqui.

18.9.06

112

Se você não esteve fora ou desconectado do país na última semana, deve ter ficado sabendo que o coronel Ubiratan Guimarães foi assassinado com um tiro no sábado passado, no apartamento dele (que, por uma infeliz coincidência, fica na esquina do lugar em que trabalho há anos). Aparentemente foi morto pela namorada ou por alguém bem íntimo, que usou uma das sete armas que ele mantinha em casa. Aliás, para quem fez campanha ferrenha contra o desarmamento, isso é no mínimo irônico. Ou seria patético?

Quem era esse senhor? Foi o comandante do massacre de 111 presos no Carandiru em outubro de 1992. (Ele "não admitia" que o acontecimento fosse chamado de massacre; mas, como há um limite para quem ele comandava, foi assim que ficou conhecido.) Não vou me alongar aqui sobre o incidente; existe bastante literatura sobre isso. Basta mencionar que houve quem foi eliminado dentro da cela e vários que receberam tiros pelas costas. Um dos sobreviventes escondeu-se sob os corpos e fingiu-se de morto para escapar da matança.

Na realidade, o que quero destacar é o que se passa pela cabeça de seres como o coronel e seus pares. Cito algumas falas ouvidas no velório do sujeito: "Pena que não foram logo 1.000. Não haveria PCC, não haveria esse medo" ["pérola" proferida pela mulher de um ex-comandante do regimento 9 de Julho, referindo-se ao "maior feito do coronel"]. Mais uma: "Se todo mundo fizesse o que ele fez, estaria ótima a sociedade" [do irmão Ubirajara, sobre o mesmo ato].

Não que isso me surpreenda. Os da caserna não são exatamente famosos por sua capacidade intelectual; muito menos por sua flexibilidade e evolução. Tenho um amigo que, tendo passado em um concurso público para uma boa posição em Brasília, após pouco tempo pediu exoneração por não conseguir conviver com a burrice dos militares que o cercavam. Desconfio que ele tinha medo que ela (a burrice) fosse contagiosa. Segundo esse amigo, "militar só entende de duas coisas: burocracia e hierarquia", ou algo nessa linha.

E o coronel, especificamente, era um típico exemplar da raça: orgulhava-se de ter sido apresentado ao regimento de cavalaria da Polícia Militar de São Paulo em 31 de março de 1964 -- data apócrifa do golpe militar. Foi comandante da ROTA (aquela do Maluf: "a rrrota na rrrua", conhecida por sua truculência). Quando assumiu o policiamento metropolitano, disse que "estava aberta a temporada de caça aos bandidos". Achou lamentável a nomeação de uma mulher para uma posição de destaque na PM. Sobre o massacre, dizia que era um "herói". Em julho de 2001, foi condenado a 632 anos de prisão pelo tal "heroísmo", condenação que foi anulada pelo TJ há sete meses.

Pessoalmente, não consigo imaginar como pode ser defensável massacrar 111 pessoas pelo simples fato de serem presidiários. Claro que há boa parte que representa ameaça (o que não justifica seu assassinato, de qualquer forma), mas também há aqueles que estão lá pelos erros do próprio sistema. Ou todos já se esqueceram daquela moça que ficou um ano presa porque roubou um frasco de xampu e, na prisão, teve o olho furado? Ou aquele outro que, negro, cumpriu pena no lugar de seu homônimo, branco? Esses mereceriam tal destino? Acho que não.

Isso mostra o que se pensa, se diz e se faz no "ninho perverso" onde se criam e se alimentam os militares (antes que alguém me jure de morte, quero deixar claro que sei que nem todos são assim sádicos e estúpidos, mas esta é a grande maioria observável). Lembrando que, além de tudo, são sustentados por nós, a massa de manobra chamada coletivamente de contribuintes.

Vamos pensar um pouco sobre que impacto isso tem no nosso dia-a-dia? O que esses obtusos -- e os demais que os apóiam, como os 56.155 que elegeram o coronel Ubiratan deputado estadual -- não vêem é que justamente seus valores e ações contribuem para criar e adubar o solo para que surjam PCCs e etc. Basta enxergar um pouco além da miopia imbecil que os cerca.

Na minha humilde opinião, o que esse pessoal não percebe é que enquanto eles pensarem e agirem assim -- querendo criminalizar tudo e todos; tentando reduzir a maioridade penal para colocar crianças na escola do crime; partindo para a violência indiscriminada e ostensiva; construindo prisões/depósitos de gente cada vez mais numerosas e maiores --, estão exatamente criando o caldo de cultura e o berço para que o crime seja cada vez mais organizado e "profissional". Um colega da PUC outro dia comentou, na aula, que havia visto policiais procurando uma bomba em um ônibus enquanto ele passava por perto a pé. Mais adiante, passou pelo cadeião de Pinheiros, que está sendo ampliado. E pensou: "acho que estão procurando a bomba no lugar errado"...

Enquanto isso, com os olhos inebriados pelas imagens na mega-TV de plasma; com os ouvidos ocupados pela melodia no iPod; com os poros anestesiados pelo ar-condicionado do carro blindado; com os desejos seqüestrados pelo próximo sonho de consumo que nos será enfiado goela abaixo pelo "mercado"; não estamos vendo que a exclusão a que condenamos os "marginais" -- nem que seja pelo nosso silêncio e individualismo exacerbado -- os faz cada vez mais numerosos e raivosos. E que, não vai demorar muito, eles serão bem mais e mais organizados que nós. Aí, sim, vamos atinar para este caminho. Mas será tarde demais.

Quanto ao coronel, agora são 112 lá do outro lado. E ele chegou sem seus "companheiros de farda", armas e munição que o fizeram tão valente. Deve ter sido um embate interessante.

5.9.06


Em Brasília, dezenove horas

Muita coisa aconteceu nesse tempo em que eu estive longe daqui. E uma delas foi uma viagem a Brasília, a trabalho, no começo de julho.

Tenho sentimentos diferentes sobre aquele lugar. Quando olho o conjunto arquitetônico, os ideais que a inspiraram, a tradução em concreto das idéias e ideologias... isso tudo emoldurado pela paisagem e o pôr-do-sol do Planalto Central, minha sensação é de uma beleza que não cabe nos olhos.

Mas quando me lembro do que se passa no interior daqueles prédios, das negociatas que infestam os corredores, da mediocridade e desonestidade que parecem formar um pântano onde quase todos (com raras exceções) chafurdam, a sensação de beleza escorre pelos dedos e é substituída pelo mais puro e legítimo asco.

Pois dessa vez tive a infeliz oportunidade de não só pensar e me lembrar da sacanagem generalizada, como também de presenciá-la in loco e em pleno funcionamento. É que eu nunca havia entrado no Congresso Nacional. Já tinha visto por fora e tirado fotos, mas essa foi a primeira vez que eu realmente entrei no prédio. Junto com alguns amigos, visitei os plenários da Câmara e do Senado. Desânimo total.

Na Câmara tive o desprazer de ouvir um discurso daquela aberração política chamada Jair Bolsonaro (PP-RJ), o tal que, dentre outras sandices, falou que se vir dois homens juntos na rua vai partir para a violência contra eles; o que não é de se espantar, visto que ele é policial militar -- e provavelmente uma bichona enrustida. Enquanto ele vociferava em seu português indigente DE NOVO sobre a redução da maioridade penal, ninguém (dos pouquíssimos presentes) prestava atenção; pois estavam falando ao celular, ou uns com os outros, ou aéreos... enfim, agindo com o mesmo descaso que eles têm por nós, eleitores.

No Senado quem discursava era o Eduardo Azeredo (PSDB-MG), aquele da turma do valerioduto. Mesmo absenteísmo, mesma desatenção (inclusive da inflamada Heloísa Helena em sua indefectível blusinha branca de primeira comunhão), mesmo abandono. E, ao sair para a praça ensolarada e olhar esse céu azul maravilhoso aí da foto, eu não conseguia deixar de sentir a dor de saber que fomos nós que os escolhemos e que é o meu, o nosso, dinheiro que sustenta toda essa pantomima...

Agora temos novas eleições chegando. O desfile de candidatos parece um circo de horrores. As falas são risíveis (ou "choráveis", no geral). As propostas, inexistentes. Princípios, então, sem chance. E a gente fica entre anular o voto ou escolher os "menos piores". Tudo bem que a escolha é nossa. E talvez a falta de escolha também seja. E que seja inerente à democracia a mais variada gama de postulantes. Mas que tá difícil, tá. E muito... Boa sorte em outubro. Para todos nós.

PS: Ainda volto à questão das eleições. Mas primeiro tem que passar a indigestão.

30.8.06

O que é normal, afinal?

É normal a gente achar normal...

... que fanáticos religiosos, carentes de um sentido próprio para suas vidas, inventem uma guerra e ainda tentem qualificá-la como "justa" e "santa", com o apoio ingênuo de alguns e espúrio de tantos outros?

... que apresentadores de um programa de rádio, referindo-se a essa mesma guerra, digam que "o que vai brilhar nesta guerra, em vez da TV, rádio e jornais, é a cobertura pela Internet, em sites de notícias e blogs", como se fosse um torneio de futebol?

... que tenhamos o nível de candidatos que temos nessas eleições? Que um bando de medíocres sustentados com nossa grana trabalhe durante três dias em dois meses e todos achem que está tudo bem? Aliás, que o Paulo Maluf seja candidato a qualquer coisa?

... que milhões e milhões de pessoas gastem quase 40% do que ganham com impostos e ainda tenham que pagar escola particular, plano de saúde particular, previdência privada, segurança particular... pacificamente?

... que, depois do farol mudar para verde, tenhamos que esperar algum tempo para arrancar o carro sem bater? E que não possamos parar no amarelo, se não o carro de trás vai nos abalroar e o motorista vai nos mandar à merda (no mínimo)?

... que marmanjos de quase trinta anos, que têm profissão e trabalham, vivam às custas dos pais e não se envergonhem? E que esses pais, por culpa, frustração ou falta de coragem de terem tido a vida que queriam e sonhavam, sujeitem-se a isso?

... que no trabalho, onde antes havia dez pessoas para produzir 100%, hoje haja cinco para produzir 150%, e que o que antes levava dois dias para ser bem feito hoje tenha que levar duas horas para ser muito bem feito?

... que não haja vontade, tempo, espaço, desejo de pensar sobre o que se faz, o que se sente, o que se quer, obedecendo cegamente ao que o deus-mercado e seus representantes (marqueteiros, publicitários, "celebridades", "formadores de opinião") determinam?

... que os relacionamentos estejam cada vez mais contaminados pelo receio, pela desconfiança, pelo descompromisso e pela superficialidade que brotam do medo de se mostrar por inteiro e estar por inteiro?

... que no meio disso tudo vicejem pessoas que acham suficiente dizer e pensar: "é assim mesmo" e pautem suas vidas pelo conformismo, manutenção e valorização do (muitas vezes estúpido e estéril) status quo?

... que, apesar da explosão dos livros de auto-ajuda, e das bancas coalhadas de revistas com capas que mostram "15 dicas para...", "10 maneiras de...", "35 segredos para...", haja cada vez menos gente honestamente sentindo-se bem-sucedida e feliz?

... que quem lê, pensa, pergunta, argumenta, põe o dedo na ferida, debate, polemiza, discorda, critica, busca, aperfeiçoa -- pensa, enfim -- seja classificado como "alternativo", "poeta" [!], "rebelde", "exótico"?

É, deve ser normal. Anormal sou eu, que ainda estranho e questiono tanto e tento fazer algo para mudar um pouco. Só que tem hora que dá um cansaço, um desânimo, uma raiva, uma solidão... Pára o mundo que eu quero descer!

20.8.06

O que é, o que é?

Você pode pensar num objeto de pequenas dimensões, mais ou menos do tamanho da sua cabeça, mas mais disforme que ela. Esse objeto é cinza, mesclado de preto e com a superfície coberta de ranhuras, veios, partes pontiagudas. Ele possui textura rústica e ríspida. Em sua parte inferior ele é mais escuro, por conta do contato com o solo. E ele também é duro. Talvez não tanto quanto a sua cabeça.

See Ya

PS: dedico este texto a Lourenço Mutarelli, que era um ídolo imaginário antes de eu conhecê-lo. E estranhamente depois de conhecê-lo ele tornou-se ainda mais imaginário.

19.8.06

Aninha

Aninha gosta mesmo de fazer tipo. O tipo que se esfrega em mim até meu pau quase estourar, e que com a maior cara lavada do mundo puxa meu braço pra longe quando eu vou babando agarrar e apertar aqueles seios maravilhosos dela. E ainda pergunta, quase surpresa, por que eu não estou com sono.

Ah, Aninha! Quantas vezes você já me deixou na cama, de manhã, pensando somente e somente em me agarrar às suas coxas e morder, de boca cheia, sua bunda? Quantas vezes, no banho, depois de dormir contigo, eu não toquei uma punheta estranha, com tesão e frustração, enquanto você preparava, com sua cara de inocente, café na cozinha?

Com você as coisas sempre são uma montanha russa. Em alguns dias eu até posso te tocar, te dar prazer, te encher de tesão e te fazer gozar na minha boca ávida por você. Esfrego-me em você como se fosse a última vez, porque pode mesmo ser. Amanhã quem poderia adivinhar o que seria? Talvez nem um beijo eu ganhe, ou talvez só possa pegar na sua mão, e quando você quiser e deixar.

Mas um dia Aninha, eu vou cansar. Cansar de esperar e de deixar as cartas na sua mão. Quando você tentar tirar minhas loucas mãos de você, eu vou deixar, e vou arrastar sua mão direto praquele lugar que você está querendo tanto, mas está fazendo tipo. E vou te pegar e te fazer ver estrelas, arfejar e gemer até suar tanto que vai parecer uma fornalha prestes a explodir. Vou te agarrar e te apertar contra o colchão e contra a parede e contra o chão. Você vai sentir cada segundo que passou fazendo tipo, Aninha, ah vai! E vai gostar!

E depois de gozar como uma louca e ficar toda ensopada do seu suor e do meu gozo, eu vou te deixar no colchão, procurando por um pouco de ar e um pouco de sanidade e razão, pensando, sem saber responder, em porque você não deu antes pra mim.

See Ya

15.8.06

Não ouça meus conselhos

Seja sarcástico. O máximo que você puder ou aguentar. Faça piadas mórbidas e de gosto duvidoso. Não deixe nada passar em branco. Critique sarcasticamente desde a forma de seu chefe conduzir reuniões até o manquinho ou o mendigo que trombar com você na rua na hora do almoço.

Seja egoísta. O que é melhor pra você é melhor pros outros. Se não for melhor pros outros, foda-se: continua sendo melhor pra você. Só deixe uma pessoa terminar de expôr uma idéia se perceber que esta idéia é boa pra você. Não dê caronas. Nunca.

Incite a discórdia. Incentive a política do "pé-na-porta", dizendo com calma e parcimônia que as pessoas devem exagerar, tomar seus caminhos e depois se virarem com as consequências, normalmente jogando a culpa em outras pessoas, ou as incitando a criarem discórdia também.

Alimente a desinformação. Não minta, mas não diga a verdade. Não discorde, mas concorde com ressalvas. Não omita, abarrote de informações que dão muito trabalho pra analisar. Seja sincero e direto e pareça sensato, quando disser absurdos. Diga absurdos com frequência, dessa maneira.

Seja competente. Não faça o seu melhor, mas faça o suficiente pra ser melhor que os outros a sua volta. Não conte vantagem, mas indique pontos em que você pode dizer: "não recebi resposta alguma de fulano".

Bata, bata à vontade. Distribua patadas em certos dias e ocasiões, deixando o ambiente tenso e desconfortável. Eventualmente arrume um parceiro pra bater de verdade mesmo, alguém com quem você possa trocar socos e sair dando risada.

Destrua algo todo dia. Pode ser uma idéia, um pensamento, um projeto, uma pessoa, um apessoa fraca e indefesa, uma placa de trãnsito, um bem de outra pessoa, ou um bem próprio. Quebre sem chance de consertos e faça as pessoas terem pena do que for destruido, mesmo que pra isso odeiem você.

See ya

5.8.06

Conversas que podem não ter acontecido

Ele: eu já estava dormindo há uma hora e meia, no escritório.
O outro: caramba!
Ele: só acordei quando meu pau me tocou!
O outro: o que??
Ele: só acordei quando meu Palm tocou!!
O outro: ah...

***

Ele: não queria ser indiscreto, mas preciso perguntar uma coisa.
Ela: o que?
Ele: você engole ou cospe?
Ela: bem, normalmente engulo. É a melhor forma de não se sentir vazia depois do sexo.
Ele: ah...

See Ya

21.7.06

Retiro de fim de semana

Viver num retiro de fim de semana é foda. Isso não é vida que se queira, imagino eu. Mas sempre tem alguém pra passar a mão na sua cabeça e dizer que amanhã o sol vai nascer de novo e tudo vai estar bem.

Já ouvi gente dizer que embora não se seja espiritualizado, acredita que "no final tudo vai dar certo". Isso certamente é viver num retiro de fim de semana, onde no final do dia todos se encontrarão ao redor da fogueira e cantarão juntos músicas do Legião.

E não estou falando das já tão citadas máscaras dessa vez.

A questão toda é o conforto.

Complicado? Nem. Complicado não é. Olhe em volta e veja o tanto de coisas que já foram feitas, e vc vai entender que não é complicado.

Por que só uma parcela ínfima das pessoas são tão boas no que fazem a ponto de serem inovadoras?

Conforto.

Por conta disso é que milhões morrem sem ter vivido sequer um dia, porque talvez tenhamos entendido em algum ponto da evolução que conforto resolve, quando na verdade ele só nos ajuda a encostar e engordar feitos porcos. Pense no que te separa deles. Não é cérebro, não é QI, não é uma quantidade X de genes.

Nem diria que é a excentricidade, mas o fato é que alguma coisa ainda me (nos) impede de sermos inovadores e com isso mudar a face de algo nas nossas vidas e nas dos outros.

ISSO NÃO É UM RETIRO DE FIM DE SEMANA.

Aqui sou só um texto e só significo uma vontade de fazer algo. Mas você pode pegar isso, essa idéia e ganhar um norte, um caminho, um rumo. Mas aí é com você. Ou comigo. Você entendeu.

See Ya

PS: este post eu dedico a todos que me apoiam nas minhas decisões e que não tem culpa se no fim eu me estrepo ou não.

14.7.06

Nunca lá (Never there)

Muito antes de perdê-la nada fazia mais sentido. Achei mesmo que as coisas melhorariam quando eu tivesse partido. Hoje não acredito nem que teriam melhorado se eu tivesse ficado. Nunca a culpei por isso e nunca vou culpar. Ela nunca teve culpa por eu não saber lidar com nada e não me adaptar - ou pertencer - ao mundo em que vivo. Nunca foi verdade que eu não acreditava em nada. Eu acreditava em mim. Todos precisam de um Deus, e o meu, como todos os outros, falhou, e jogou minha crença na lama, pisou nela e a afogou na água suja.

Desde então eu sou um espectro do que já fui. Sou apático e indiferente. As coisas que fiz no último ano, exceto por uma, não foram decisão minha. Tenha um carro, construa algo, volte a estudar, tenha um relacionamento, troque de emprego, alugue uma casa. De quem diabos foram essas idéias? Minhas não foram, disso eu sei. A merda de conhecer gente que te conhece tão bem é que as decisões deles acabam parecendo com as suas. Mentira deslavada. Nenhuma dessas decisões são sequer parecidas com as minhas. Mas eu não sei qual seriam as minhas, mesmo porque isso não faz a menor diferença agora. Eu não faço nenhuma diferença.

Convencer-se da própria pequenez e insignificância é visto com bons olhos só no enterro dos outros, quando damos de cara com nossa fragilidade, impotência e estupidez. No resto do tempo é bobo e infantil, ou é doentio, motivo de dó, pena, descaso e ignorância. Bem, eu estou convencido. Convencido de que nada disso vale a pena - nem mesmo acertar um tiro na própria cabeça ou me jogar nos trilhos do metrô. Convencido de que nunca fiz e nunca vou fazer diferença em porra nenhuma. Convencido de que se por algum motivo - qual seria mesmo? - eu cair morto aqui ao lado do teclado agora, não terá feito nenhuma diferença, não terá sido nada, como sempre nada foi. Pessoas sofrerão, sim. Mas elas sofrerão do mesmo modo, comigo vivo ou morto, aqui do lado ou cavando gelo na Sibéria.

Não, eu não quero morrer. Não, eu não quero viver. Não, eu não quero não-existir. Não, eu não quero nada. Querer está além de mim, agora. Agora e sempre. Um cadáver com ATP demais na musculatura, que cansou de se enganar sobre as coisas e sobre o livre arbítrio. Que, enjoado com a própria bile, segue aceitando idéias e desejos e quereres dos outros, apenas pra não ficar ouvindo a mesma ladainha sobre porque ele deveria fazer certas coisas.

E assim será. Bem vindo a idade adulta, eu ainda ouço, ecoando aqui dentro. Obrigado. E cortem o papo de se ajudar, procurar ajuda ou se cuidar mais. Se essa é a vida adulta, vamos tratá-la como tal: eu finjo tomar decisões e saber o que estou fazendo, as coisas fingem sentirem o efeito disso. Ninguém mete o bedelho. Fim de papo.

See ya

18.6.06

Por que me ufano

Sim, eu vou contar vantagem. Se não estiver a fim, passa amanhã.

Faz pouco menos de dez dias, o lugar em que eu trabalho recebeu um prêmio -- bem significativo, aliás -- de melhor empresa no seu formato de negócio. Guardadas as devidas proporções, a linha é "entrega de Oscar": todo o ritual, discursos, troféus, entrevista para programa da Globo, foto para jornal, essas coisas.

Mas o que me motivou a escrever aqui nem foi a premiação em si, mas as coisas que passaram pela minha cabeça em função dela. Essencialmente, fiquei me perguntando porque fomos os vencedores se, afinal de contas, não somos a maior empresa da área; ou a mais rica; ou "peixinho" de alguém poderoso; ou a única do segmento; ou, ou, ou...

Então veio a noite da entrega, em uma casa de shows sofisticada, com um jantar idem e todas as frescuras esperadas. E foi lá que tive o insight que me fez imaginar o principal motivo de termos sido premiados.

Para explicar isso, preciso descrever que são onze categorias de empresas, cada uma com um vencedor. E, destes, há um que é o grande ganhador dentre todas as categorias. No caso, nós :-) . Ah, e uma coisa bem interessante: o critério de maior peso para pontuação é a opinião que os franqueados têm sobre o trabalho do franqueador.

Depois dos discursos das "autoridades presentes" e do jantar já iniciado, foram sendo anunciados os vencedores em cada categoria. E a cada anúncio, as palmas previstas e o breve discurso do representante do ganhador. Até que chegou nossa categoria: as três mesas que ocupávamos fizeram a maior festa, com muito barulho e alegria (tínhamos inclusive aquelas cornetinhas infernais da Copa). Sabe a delegação do Brasil na abertura das Olimpíadas, em comparação com as dos outros países? Pois é.

Claro que, depois de nós, as outras vencedoras também começaram a ser mais ruidosas. E, ao final, quando anunciaram que éramos os melhores dentre os melhores, fizemos nova festa, ainda mais animada. Até foto com a língua no troféu nós tiramos (bando de adolescentes bobos heheh).

Tá, e o que isso tudo tem a ver com o tal insight? Tem a ver que, apesar de não termos um monte de grana, escritórios luxuosos, tecnologia avançadíssima, etc., que vários concorrentes têm, somos um grupo de pessoas que adoram o que fazem, onde fazem e com quem fazem. E isso percebe-se no nosso cotidiano -- que tem, sim, problemas, erros, excesso de trabalho, falta de instrumentos; mas que, no fim das contas, dá muito mais a sensação de realização do que de obrigação, e dá muito mais prazer do que encheção de saco.

Resumindo, esse prêmio -- que junta-se a vários outros, felizmente -- é uma forma de validação de um trabalho bem feito e feito com gosto. E, pessoalmente, é muito legal a sensação de que o que eu faço e a minha presença contribuíram para que isso acontecesse...

PS: Mudando de chuchu para abobrinha: sei que o assunto já esfriou, mas na mesma semana do ataque do PCC (ver post do Fabricio abaixo) estive no Rio de Janeiro. A princípio, imaginei que os cariocas usariam a oportunidade para "tirar barato de paulista", numas de "tá vendo como não é só aqui?". Para minha surpresa, o que aconteceu foi exatamente o contrário. As pessoas com quem conversei em vários contextos (colegas de trabalho, taxistas, pessoas na praia...) foram sem exceção solidárias, dizendo coisas como "que chato o que está acontecendo lá em São Paulo, né?". Ao despencar da minha mediocridade (!), achei legais as manifestações -- e me ocorreu que no Rio esse tipo de violência está de tal forma presente que já não dá para brincar com algo que faz sofrer tanto...

12.6.06

Vem aqui que eu não quero nada

Daqui a pouco vou achar que você está me paquerando.
Eu estou.
Está?
Não deveria?
Acho que não.
Por que não?
Eu sou estranha. Não sou gente boa.
Bom, não é nada de mais. Só estava te paquerando.
Estava?
Estou.
Ah... olha, eu sou confusão.
Tudo bem, eu pago pra ver.
Não. Você não vai gostar. Se eu não estivesse tão bêbada, me afastaria de você.
Que bom que está bêbada, então. Eu poderia me aproveitar disso.
Não seria nada bom.
É, não seria.
...
...
Por que você está rindo?
Esse foi o fora mais estranho que eu já tomei.
Foi um fora?
Parece que foi, né?
Ah, eu sou muito estranha. Eu tenho meu canto, meus limites.
Relaxa, eu não vou invadir seu canto.
Que bom. Obrigada. Melhor você me deixar quieta.
Tudo bem.
...
...
Mas podemos nos falar, tá?
Ah, claro. Obrigado.
...
...
Você não pode ir embora assim, está muito bêbado. Eu estou bêbada e você, bêbado.
Empresta o sofá?
Empresto minha cama.
Não. Então melhor dividir a cama.
É... Eu não costumo sair por aí dividindo a cama.
Não parece mesmo que costuma.
...
Você está se cobrindo. Vai dormir aí no sofá?
Vou.
Eu estou ficando com frio.
Vem cá. Deita aqui comigo.
Melhorou. Vamos dormir assim? Você não se importa?
Não. Está bom. Quentinho. Mas não vou transar com você.
Relaxa, não estava esperando nada.
...
...

See Ya

15.5.06

São Paulo e o caos

São quatro e pouco da tarde e sou um dos últimos na empresa. Corredores vazios, silêncio, aqui dentro. Lá fora, quilômetros e quilômetros de congestionamento. Pessoas atulhadas e com medo.

Tudo começou com o boato do toque de recolher. O metrô vai fechar. Bancos explodindo. Armas disparadas. Setenta ônibus destruidos. Noventa mortos. Três letras: PCC.

Enquanto todas as pessoas seguem temerosas e quietas para casa, ouço todo tipo de boato possível: pessoas metralhadas nas ruas, bancos detonados, fechamento disso e daquilo. Algumas coisas eu consegui confirmar pela web ou ouvindo o site da CBN. Mas a maioria são mentiras deslavadas ou então ações isoladas de pessoas se aproveitando pra usar de vandalismo.

Eu temo sair daqui e seguir até aqui pertinho, até o local onde moro. Não pelo PCC, obviamente. Ontem à noite um policial segurando uma escopeta parou meu carro num bloqueio, encarou-me por alguns segundos como se fosse Charles Bronson e fez sinal para que eu seguisse. Hoje imagino o que estes policiais, tão mal treinados e desinformados quanto a maioria dos ignorantes e idiotas que habitam esta cidade, farão. Devem estar loucos para atirar em qualquer um que possam culpar.

Temo por mais e mais ataques vândalos e que ficarão impunes. Temo pelos imbecis e broncos que votaram a favor do comércio de armas no referendo e devem estar segurando seus pintos de ferro apontados para a vizinhança, que provavelmente está calma. Temo pelos ignorantes que vão lutar pra chegar em casa mais uma vez. Essa massa de manobra, junto da mídia, ameaçam muito mais nossas vidas do que qualquer ataque do PCC. Nosso inimigo, essa noite, é o medo.

E tirando o medo, não vejo mais nada acontecendo. Poucas coisas foram confirmadas. Não há toque de recolher, por exemplo. Existe, sim, violência e caos nas ruas. mas isso foi totalmente manipulado, seja pelo PCC, seja pela polícia, seja pela mídia.

Bom, acaba de chegar um gerente aqui, me tocando do escritório. Tenho de ir.

Boa sorte a todos e não acreditem em tudo que seus olhos e ouvidos captarem. Sejam críticos, e sejam espertos.

See Ya

9.5.06

Megalos

Se você pensa estar no topo, tanto melhor. A pancada vai ser mais forte quando você atingir o chão.

Vivemos no topo da cadeia alimentar, buscando subir na carreira profissional, crendo que do Alto virá a salvação. Sem questionar a influência da semântica em nossas aspirações e aspectos culturais, eu digo que é bastante comum encontrarmos pessoas "no topo", ou seja, satisfeitas com o que tem, ou usurpando termos maliciosamente cunhados, como "bem sucedido" ou "vencedor". Mais do que uma simples questão competitiva (que a natureza impõe a nós, quer gostemos ou não), a busca por essa "vitória" é muitas vezes o reflexo da necessidade de provar algo para alguém, ou um vício que mantemos para garantir que nos sintamos bem com nossas decisões, ou ainda outras coisas, como culpa ou compensação.

Vencer não é uma doença. Lutar inexoravelmente pela vitória, respirar constantemente os ares da auto-superação, do aprimoramento máximo, da autofagia orgulhosa, é. Pessoas assim precisam de ajuda. E correndo risco de não ajudar em nada, eu cito Raul Seixas:

Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa


Supere a si mesmo, vamos! Melhore a cada dia! Torne-se melhor e melhor e reze todo dia para o Papai do Céu, agradecendo o fato de você ter se adaptado a isso. Isso tudo, claro, antes de você contemplar o vazio e, por vezes, a culpa. E não é só isso. Muitas vezes é olhar e ver o quanto você ainda pode fazer por si mesmo e pelo outro. É olhar do topo(?) da sua vida e perceber que você não sabe responder nem as perguntas mais básicas, dentre as que realmente interessam. É perceber que o que supre, nem sempre sustenta e o que satisfaz, nem sempre resolve.

Chega disso, servo-controle! Sem essa de super planos para ser bem sucedido. Olhe para frente e veja o que te chama a atenção. Eu tenho amigo (da mesma idade que eu) casado, que será pai ainda esta semana. Eu tenho amigo (da mesma idade que eu) juntando dinheiro pra comprar casa e casar. Espero mesmo que eles estejam felizes em seus caminhos planejados para dar certo. Mas espero mais ainda que eles percebam logo que todos os caminhos dão certo, porque estamos indo todos numa única direção, queiramos ou não.

See Ya

7.5.06

Ainda sobre máscaras

Este debate está bem interessante. Mas algo me diz que enquanto estamos aqui nessas reflexões, uma parte acachapante do mundo que nos cerca está a cada minuto tornando-se mais expert em máscaras, véus, (des)crenças e (des)valores...

Para ilustrar e ampliar nossa conversa, trago alguns textos que venho colecionando desde o início deste ano. O primeiro fala sobre o aumento progressivo de cirurgias plásticas entre jovens cada vez mais novos. Dentre outras "pérolas", este trecho: O cirurgião plástico Leonard Bannet, da clínica Santé, concorda com ela: "Uma garota que concorre no mercado amoroso quer ter um corpo compatível". Ele não vê problemas em contar, por exemplo, que já "lipou" jovens na faixa dos 14 anos. A coluna toda está aqui.

Na mesma época li outro texto, este sobre o trabalho de meninas de 13, 14 anos como modelos em desfiles de moda. Se estiver a fim, leia- o aqui (só a título de mais uma ilustração).

Mas eu já tinha até desistido de "chover no molhado" desse assunto. Aí pintou o debate aqui no QI e, ao mesmo tempo, uma reportagem sobre uma megabalada em um resort cinco estrelas para jovens "bem-nascidos" (!) ou, pelo menos, "bem-endinheirados". Um trecho dela: Bem, mas os "chatôs" pagaram de R$ 840 a R$ 2.490 por um fim de semana prolongado de festas à tarde e à noite -um total de dez horas em cada um dos três dias-, com pensão completa e direito a pular, gritar e arremessar objetos do quarto uns nos outros (um funcionário do hotel informa que foi preciso retirar os extintores de incêndio do corredor para evitar desenlaces tenebrosos). Se estiver a fim, leia o resto aqui. Vale a pena -- mas aviso que pode ser meio indigesto.

Depois de reler tudo isso, e considerando que já estou nesta vida há tempo suficiente para saber que são os filhos da elite que são sempre os "donos do poder", vocês hão de convir que dá para ter uma visão meio desanimadora do futuro... Coisas de quem está ficando velho, provavelmente. Só (mais) um adendo: havia uma música-símbolo da ditadura militar, da dupla Don e Ravel, chamada "Eu te amo meu Brasil" e cujo refrão terminava com "ninguém segura a juventude do Brasil". Socorro!

E o que isso tem a ver com o resto da conversa, afinal? Bom, na minha cabeça estranha, tem a ver com o fato de que as tais máscaras, tão bem exemplificadas nesses textos, estão tomando o lugar do que deveria haver sob elas em velocidade e intensidade estonteantes -- a ponto de eu ter a sensação que daqui a algum tempo elas serão a única e hegemônica referência. Fabricio fala do câncer da geração dele; do não-questionar; da felicidade à custa de antidepressivos e comerciais de TV. A pergunta que fica é: será que estamos condenados à convivência com essa referência dominante? Não me parece a melhor perspectiva do mundo... Alguém me arruma uma grana para uma lipo? ;-)

PS 1: De tanta coisa interessante que meu blogmate escreveu aí embaixo, o que achei mais curioso foi a opção pelo termo "artilharia". É, realmente é uma guerra. Surda, suja e violenta. Guerra, afinal.

PS 2: Só para deixar registrado, é claro que sei que nem todo mundo é como os nefastos personagens desses textos. Eu mesmo tenho a sorte de conhecer duas ou três pessoas bem jovens que têm outros valores -- e que infelizmente pagam um preço alto por isso.

PS 3: E para aproveitar a questão das máscaras sorridentes, recomendo o filme "V de Vingança" -- uma reflexão legal sobre valores, corrupção, ideais... e sobre o que pode significar uma máscara. Fica a dica.

27.4.06

O real e o rótulo

Não há nada sob a máscara, de fato. Talvez uma idéia, ou uma outra máscara. Talvez menos que isso. E exatamente por nada haver, é que não há como tirar a máscara, realmente. Eu já me perguntei centenas de vezes se valeria a pena toda essa força e essa dor para arrancar a (mais uma) máscara. Não, não vale. Pois não há nada sob ela.

Vejam, o real e o rótulo são o mesmo, pois não existe realidade sem rótulo. Vã inocência é a daqueles que acreditam numa existência irrotulável. Repito: não façam força para arrancar a máscara. Vocês não serão covardes, serão sensatos e coerentes. A minha busca é a dos rostos invisíveis, das bocas imóveis e das órbitas vazias. Força, tanta força e dor não para retirar algo que nos é intrínseco, mas para desapegar-se de tantas camadas sobrepostas.

O real e o rótulo são o mesmo. Perceber que escapar de um rótulo nada mais é do que vestir outro já não pode mais me incomodar, pois o rótulo em si não faz a diferença (se você não deixar), mas sim os questionamentos que te levaram a este caminho e o que este caminho te deu em retorno. Desapegue-se do rótulo, até ter força para se desapegar do real e ser obrigado a escolher outro, e outro, e outro. Você pode até escolher por escolher (o que tornaria isso tudo muito ridículo) mas você não pode questionar por questionar. E não questionar (ou ter medo de) é, isso sim, covardia. É mediocre demais. É felicidade da qual não compartilharei.

Que eu não seja nada depois de tanto questionar. Que eu não consiga acompanhar tantas mudanças depois de tanto questionar. Que eu não entenda nada depois de tanto questionar. A aceitação, a tolerância e o reconhecimento (e porque não o conformismo?) virão, pois também sou fraco e covarde. Mas terão de bater muito mais forte do quem têm feito até agora. Por hora, segurem-se firmes em seus medos de não acharem nada sob a máscara final (ou encarem a briga de frente), já que a minha artilharia pesada ainda nem começou.

See Ya

PS: não quero fazer deste texto mais um tributo à beleza que é nossas mentes funcionarem de forma tão diferente, ou em direção tão oposta, por vezes. Mas que estes posts-debate são um marco na história do QI, isso são.

26.4.06

Você quer ser feliz ou coerente?

Isso aqui começou como um comentário, mas ficou grande demais e acabou virando um post (acho que é nosso primeiro "post-debate" heheh...).

Sabe o que eu acho? À medida que vou ficando mais velho -- e neste exato momento sinto-me com mais de cem anos -- cada vez mais me convenço que essa história de olhos reais, boca real, mão real, pensamentos reais, face real, é o desejo de que haja uma essência que, ao fim e ao cabo, é bem provável que nem sequer tenhamos. Será?

A idéia que anda dançando na minha cabeça é de que na realidade (olha a "palavra maldita" de novo) não existe essa tal face real e nem existe a tal da máscara; mas sim faces que mudam a cada instante e uma sucessão de véus que as cobrem.

E aí meu medo cada vez mais palpável é que eu continue nessa de ir tirando -- à força e com muita dor -- os véus e, se um dia conseguir tirar todos, eu descubra que não existe nada sob eles. Ou existe algo que muda tanto e tão rápido que eu não consiga olhar. Ou, olhando, não consiga entender/processar/esquecer e ir além. Será que é desse ir além que você está falando? Honestamente, tenho muito medo. (Covarde, eu, né?)

Então não quero participar da conspiração dos rostos invisíveis. Quero participar da liberdade do porvir sem rótulos; da ausência de cobrança externa e, sobretudo, interna; da transmutação da (in)tolerância ao outro na convivência com a dimensão do outro. E, finalmente, do reconhecimento e aceitação dos Marcelos invisíveis, visíveis, conflitantes, mutantes, que se sucedem aqui dentro...

É, estou meio treze hoje.

Marcelo

24.4.06

A conspiração dos rostos invisíveis

É estranho sentir falta da própria tristeza. Perceber-se imerso no fastio de tudo que nos cerca e sentir-se ingrato com seus próprios sentimentos e ações. Vivemos para sermos felizes, e nada mais. Mas quando a felicidade incomoda um pouco (e quem se atreveria a dizer que incomoda demais?) é que entendo coisas que aconteceram antes e coisas que acontecem agora. Nesses momentos entendo que não fomos feitos para a felicidade, mas para a frustração e o lamento, a solidão e o sofrimento.

Veja, não é que eu queira ser triste ou amargurado. Não é que eu decida expurgar de mim todas as boas coisas ou me livrar de pessoas e momentos que me enchem de alegria e me deiaxm repleto de felicidade e plenitude. Essas escolhas eu não faço, não fazemos. Mesmo quando pensamos que fazemos. Certos sentimentos e atitudes simplesmente não estão dentro de nós.

Talvez seja apenas o câncer de minha geração, mas a verdade e que fui e sou feliz. A verdade é que já detestei toda essa felicidade e já desejei ser mais triste. A verdade é que já invejei Byron e Coubain. A verdade, amigos, é que tenho a mim presa esta maldita máscara sorridente, ditando coisas horríveis para minha mente. Não consigo me desapegar da felicidade, mas preciso aprender a ver além dela. Pois que maldito ópio é este que cega meus olhos reais, minha boca real, minha mão real? Terrível filtro é esse que nos torna capaz de esquecer ou ignorar a única verdade que jaz sobre nossas cabeças: inventamos a felicidade como inventamos Deus e o amor. Inventamos a felicidade como se pudéssemos nos entupir de serotonina para nos satisfazermos.

Que seja então a conspiração dos rostos invisíveis, todos cobertos de sorrisos de fazer doer a bochecha. Que assumamos a máscara para que ela nos deixe em paz com nossos pensamentos realmente humanos e sãos. Conclamo aos que também querem derrubar essa farsa, aos que, como eu, cansaram de vestir felicidades de borracha, de ferro, de fibra de vidro, de papel. Está criada a Sociedade Secreta da Tristeza, onde os bravos não tem de se esconder, onde os felizes hipócritas serão humilhados, onde não somos obrigados a engolir essa felicidade fabricada e esculpida em ansiolíticos e anti-depressivos e comerciais de TV e sentimentos piegas.

O que te faz feliz? Você pode ver através disso? Pode ver através do que te prende e do que pinta o branco da máscara sobre sua face real? Ainda lembra-se de sua face real, ou ainda tem medo de um dia acender a luz e vê-la refletida no espelho? Pois vamos sorrateiramente tirar esta careta de seu rosto e esperar você acordar e ir por conta própria ao encontro de seu verdadeiro e triste semblante. E por seus olhos verás a bile e o venoso de seu corpo e entenderá do que você é feito.

E isso será só o começo.

See Ya

3.4.06

Rigor mortis

Pensando, aqui. Mas sem muitas considerações filosóficas e psicológicas. Esse blog anda bastante sem sentido. Três anos atrás, ele foi criado pra incomodar, e ultimamente de certa forma tem obtido sucesso, mas apenas incomodando a mim mesmo, seu criador. Ok, ok, eu disse sem filosofia e psicologia.

Então pergunto, Marcelo, meu blogmate: que tal fecharmos a lojinha, pegarmos os lucros de tantos anos e viajarmos pro Cairo?

See Ya

2.3.06


Existir junto

Homens, mulheres, velhos, crianças, jovens, negros, brancos, amarelos, mestiços, judeus, católicos, ateus, agnósticos, evangélicos, muçulmanos, umbandistas, turistas, estrangeiros, visitantes, imigrantes, diletantes, iniciantes, magros, gordos, altos, baixos, loiros, morenos, modernos, antigos, sem-teto, sem-terra, sem-destino, sem-noção... coexistam.

Hoje, ontem, amanhã, passado remoto, agora, já, imediatamente, daqui a pouco, futuro distante, séculos, segundos, milisegundos, décadas, dias, meses, horas, sempre, nunca, às vezes, raramente, talvez, não sei, já sei, nem pensei, certeza, dúvida, afirmação, negação, distração, invenção, comoção, confusão, solução, inação... coexistam.

Nascimento, falecimento, crescimento, desenvolvimento, sofrimento, evolução, estagnação, movimentação, ação, fruição, reação, inércia, querer, tentar, conseguir, frustrar, cair, levantar, ficar, partir, destroçar, estraçalhar, preservar, arrumar, bagunçar, construir, demolir, assumir, sair, chegar, esconder, declarar... coexistam.

Beleza, tristeza, vileza, pureza, clareza, aspereza, maldade, crueldade, castidade, iniqüidade, solidariedade, espontaneidade, liberdade, paciência, carência, existência, indolência, ausência, consistência, clarividência, inocência, maciez, desfaçatez, solidez, simpatia, poesia, alegria, folia... coexistam.

Eu que existo, eu que persisto, eu que insisto, eu que desisto, eu que aceito, eu que respeito, eu que suspeito, eu que vivo, eu que morro, eu que duvido, eu que acredito, eu que acerto, eu que erro, eu que enterro, eu que berro, eu que sussurro, eu que choro, eu que calo, eu que falo, eu que escondo, eu que respondo... coexistam.

Você que lê, você que vê, você que crê, você que afaga, você que estraga, você que repele, você que compele, você que se abre, você que se fecha, você que engana, você que se engana, você que quer, você que não quer, você que corre, você que enfrenta, você que não sabe, você que ilude, você que foge, você que explode... coexistam.

Eu, você, o outro, eu em você, você em mim, eu no outro, você no outro, o outro em mim, os outros em nós, meu mundo em mim, seu mundo em você, nós no mundo, o mundo em nós, nós todos que somos, estamos, pensamos, sentimos, comemos, bebemos, ficamos, sofremos, choramos, esperamos, amamos... coexistamos.

Tá a fim?

19.2.06

Punhalada

Isso aqui anda estéril. Estéril como a mente por trás deste post. Estéril como um cérebro que aborta todos os dias idéias e invenções. Ando me sentindo velho, ultimamente. Velho demais pra isso, velho demais praquilo, tenho dito aos ventos por aí.

Tenho sentido saudades daquele ímpeto pueril e adolescente de outrora, quando eu ainda não usava a palvra outrora. Tenho me envergonhado de mim mesmo por ficar quieto, por não responder, não xingar. Num dos meus post mais recentes eu troquei "foda-se" por "dane-se", por conselho de um amigo. Ficaria menos adolescente, ele disse.

No meu trabalho eu hesitei e não respondi um e-mail da forma como eu gostaria, como eu teria feito uns anos atrás. Sabe como é, né? Tenho contas, responsabilidades. Não posso ser inconsequente agora. A parte engraçada é que eu ainda tenho idade pra levar certos esporros. E de novo eu me senti envergonhado por ter abaixado a cabeça.

Nem este mísero espaço virtual anda digno. Transformei isso num recanto de rabugice e choramingos. Vi uma peça do Lourenço Mutareli na semana passada e senti vergonha, de novo. Ele incomodou a platéia toda com um texto. E eu já consegui fazer isso, mas ando mais frouxo que cu de puta velha.

Sem moral pra questionar, sem vontade de questionar. Apunhalei o cara de vermelho pelas costas e ninguém nem percebeu, por conta da cor da jaqueta. E nem coragem pra dizer: mas eu vou resolver isso, eu tenho tido. Hoje não tem solução mágica, questionamento inspirador, idéia resoluta. Hoje tem, sim, uma hora a mais no dia. Uma hora a mais pra continuar sendo idiota.

See Ya

29.1.06

O avesso do avesso do avesso do avesso do avesso

Qual o problema que certas pessoas tem de entender o que ouvem? Fantasiam pra se esconderem da dor. Não importa quão clara seja a conversa, o quanto sincero eu seja, algumas pessoas simplesmente ignoram o sentido real das palavras e guardam pra si somente o que interessa.

Existe algo de bom na esperança? É algo que faz todos acreditarem em coisas que não existem. É algo que faz todos se iludirem e obliterarem até ser tarde demais. Existe algo de bom na esperança?

Porque confundem respeito com abertura? Eu respeito, respeito, respeito. E aí as pessoas acham que eu estou sendo permissivo. Eu quero fazer a dor menor, fazer o sentimento mais importante. Mas nunca é suficiente. Nunca basta. Aí eu arrebento. Boto pra quebrar. E pronto: agora estou errado!

Provavelmente eu estou errado. Eu gosto de estar frequentemente errado. Permite a mim entender, perceber e aprender mais sobre eu mesmo.

Dane-se, então. Dane-se o companheirismo, o cavalheirismo e a atitude positiva. Dane-se a perspectiva, a genialidade, o "ser especial". Dane-se se não deu pra entender, dane-se se a porta bateu e tudo que restou foi o silêncio oscilando dentro da cabeça. Dane-se se eu fiz tudo certo achando que ia dar errado, ou se fiz tudo errado achando que ia dar certo.

Dane-se.

See Ya

PS: "Dizem que se você é feliz, é burro. E se for triste, é inteligente. Mas então seria muito inteligente sermos burros para sermos felizes. Só que como um burro pode ser inteligente pra ser burro só pra ser feliz?". Brilhante isso. Obrigado, Elacoelha.

10.1.06

Conspiração sob o sol

Por volta da hora do almoço de 31 de dezembro de 2005, já "crepúsculo do ano" (!). Rio de Janeiro, Ipanema, Posto 9 -- ou oito e meio, como insistem alguns. Sol delicioso, água idem, tudo de bom.

De repente, materializa-se na nossa frente um rapaz muito gentil que pede licença e nos oferece um folheto simples, tamanho A6 mais ou menos, com o seguinte texto (ipsis litteris):

É IMPERATIVO VOCÊ SABER

- DEUS, ANJOS E DIABO SÃO ALIENÍGENAS!
- EVA FOI UM CLONE
- JESUS O 1º BEBÊ DE PROVETA!
- A MORTE DE CRISTO (Um ser híbrido) FOI ESTRITAMENTE POLÍTICA!
- A CIÊNCIA SUBSTÍTUIRA A RELIGIÃO!
- A BÍBLIA É CIÊNCIA, TECNOLOGIA, FILOSOFIA, SOCIOLOGIA, POLÍTICA, UFOLOGIA, ASTROLOGIA ETC.
- UM COMETA ESTÁ EM ROTA DE COLISÃO COM NOSSO PLANETA (Assunto extremamente importante).

MAIORES DETALHES
TEL.: 2230.3170 / 9757.4571 - QUEIRÓZ

E foi embora. Não disse ou perguntou mais nada. Não saiu falando sozinho ou sequer tinha o physique du rôle; ou seja, a cara de maluco que eu esperaria. E depois eu é que sou paranóico...


Bom, nós guardamos o folheto e voltamos a curtir a praia. Se você quiser trocar uma idéia com o Queiróz, o código de área é 21.

1.1.06

Bukowski e os blocos de Lego

A vida não é um jogo. Ela está mais próxima de uma caixa de Lego. Um Lego num nível bastante alto, mas ainda um Lego.

Nós recebemos uma caixa de Lego com uma certa quantidade de blocos e peças, quantidade essa definida e, quase sempre, invariável. Evidentemente no nosso caso existem peças mutáveis, defeituosas, tortas e multifuncionais. Bem, como eu disse, é uma caixa de Lego de alto nível.

E um manual, claro. Toda caixa de Lego possui um manual. Um pedaço de papel aparentemente simples, que indica em qual ordem e posição cada uma das peças deve ser colocada, garantindo que ao final da montagem você tenha uma figura pronta. Pode ser realmente simples, dado que o ato de encaixar os blocos e peças não nos obriga a pensar muito, especialmente quando se tem um manual.

Mas pense no que falta a esta caixa de Lego que cada um de nós possui. Falta personalização, ou seja, falta dizer que não precisamos realmente de todas as peças ou que elas não precisam ser encaixadas daquela maneira específica. O modelo colocado no manual normalmente é o mais comum e fácil. Não vá me dizer que nas caixas de Lego reais você nunca se esbaldou procurando outras alternativas de encaixe que, no final, resultaram em figuras muitos mais interessantes.

Falta criatividade e autenticidade: caixas de Lego vêm cheias de armadilhas. Armadilhas que te convencem que seguir o manual é melhor e garante que você tenha algo estável no final da montagem. Armadilhas que bloqueiam sua criatividade e às vezes te deixam pensando que é melhor mesmo montar daquele jeito e não arriscar.

Charles Bukowski contou-me certa vez que o maior prodígio da vida é escapar das armadilhas que esta coloca diante de nós. Estão por toda parte e escapar delas é uma forma bastante pessoal de se atingir objetivos na vida. Objetivos que realmente queiramos e não os que simplesmente aceitamos porque "os blocos só encaixam dessa maneira".

Olhos atentos no seu Lego, portanto. Questione as peças, interrogue os blocos. Encaixe somente quando e onde quiser. Entenda que o manual pode te dar a idéia geral de como a figura final deve se parecer, mas nem de longe deve ser seguido à risca. Fuja das armadilhas. No fim todos teremos nossas figuras montadas, mas você sempre pode escolher entre usar a sua imaginação ou o manual.

See Ya