30.3.04

Instintos

Eles estavam, dois homens, sobre um terceiro. Junto aos três, um orelhão, que impedia que o homem no chão, sob os outros dois, se levantasse. Um outro indíviduo aproximou-se e golpeou o rosto do que estava no chão com seu pesado sapato de couro vagabundo. O que estava no chão berrou. E assim minha atenção foi puxada para a cena.

Do outro lado do orelhão, uma senhora oferecia um copo cheio de uma líquido esbranquiçado, melado, para uma moça que segurava, trêmula, sua carteira, e chorava. O homem do sapato pesado, usando uma jaqueta com uma estrela vermelha nas costas, se afastou do orelhão, e outro, gordo, negro, olhos esbugalhados, com cara de carrasco do regime militar, chegou perto.

"Filho da puta!!", e com seu sapato também chutou o esquálido e estúpido homem sob os outros dois. Os dois, em suas posições de cidadãos corretos e tão estúpidos quanto o ensanguentado ladrãzinho pé-de-chinelo, tinham salvo a moça trêmula de um assalto. E agora eles e os outros dois praticavam um pouco de justiça de rua, deixando a adrenalina varrer seus corpos e mentes. Mentes que já não acreditam mais numa justiça séria e policial, mas que mesmo assim chamaram a polícia. O negão ainda sugeriu "vamos enfiar esse filho da puta num porta-malas e sumir com ele".

O pária, apertado contra o chão, com o braço direito tão torcido que poderia beliscar sua própria nuca, gritava. Entre gemidos e pedidos de socorro, ainda bradava alguns "eu vou te matar, seu arrombado", ou então "eu sou PCC, filho da puta". E tendo medo e sangue sobre a pele ainda cuspia, inexorável e irritantemente alguns "bate, negão!!! quer bater mais? bate mesmo, negão!!!". Levou mais uns dois chutes, de leve, no rosto.

Ao redor muita gente xingava e maldizia o rapaz, sem saber que maldiziam, sim, a situação. Que se o rapaz tivesse sido rápido ou realmente estivesse armado, como alardeara para a vítima, nada disso teria acontecido e os transeuntes, eu incluso, continuariam a ignorar solenemente uma situação que mesmo estando ali, ao alcance dos olhos e dos pés, era ignorada, pois tudo tinha o filtro e a mão dos hormônios e humores e ansejos que sempre vejo aflorar em situações de tensão ou (in)justiça iminente.

Eu mesmo tive ganas de chutar o indivíduo. Teria chutado bem mais forte que o negão. Teria arrancado uns 3 dentes da boca dele e teria ficado muito contente com isso. Contente, não. Vingado. Uma vingança que não pertencia a mim ou a qualquer outro, mas que nossos músculos e reflexos reclamam para si próprios. Tivesse o ladrão ameaçado alguém por quem me importo e talvez eu tivesse perdido o controle e sido realmente vingativo. Mas não o agredi. Eu já contribuia para aquela injustiça ficando ali parado, olhando o sofrimento dele, sem questionar se ele deveria ser tratado com dignidade e entregue à polícia, simplesmente.

Os fardados chegaram e de imediato reconheceram o meliante. E deram ordem para os dois homens sobre ele pisarem mais um pouco. Mais forte. O selvagem sob os dois gritava e pedia por socorro. O socorro havia chegado e junto com ele a ordem de que podiam pisar mais forte. E uma algema. E alguns chutes. E o imbecil gritou "eu sou PCC. eu vou te matar, seu arrombado. é, você mesmo. vai se foder". E no segundo seguinte ele sabia quanto pesava o coturno do PM no estômago vazio dele.

Levantaram o infeliz e este continuou bradando contra o outro policial, que era oriental e até mesmo me fez lembrar de um amigo. O já arrebentado ladrão foi girado pelo franzino PM, e deu com sua vazia e selvagem cabeça contra a lataria da viatura. Mais gritos e brados e vociferações de maldições que não precisarim ser verdade, pois já acontecem todos os dias.

Uma porta bateu e os berros ficaram distantes. Na outra viatura seguia a vítima. Chocada. Na rua fiquei eu. Chocado. Diante dos instintos de tantas e tão diferentes pessoas, eu me senti um pouco vingado, um pouco enojado, um pouco morto e muito indignado. No final, somos todos selvagens descerebrados que conseguem, por poucos momentos, parecerem racionais. Não sei como vocês conseguem acreditar em alma ou em coisas elevadas. É querer se esconder demais da realidade achar que somos guardados por um Deus, ou que temos faculdades mentais evolutivas importantes, que nos separariam de todo o resto.

E enquanto eu estou escrevendo esse texto, sobre um fato real e testemunhado, o rapaz está apanhando num DP qualquer, pra voltar a roubar e matar, mais tarde. Os policiais riem e descontam nele seus instintos e medos. Os transeuntes voltam a seus afazeres tendo uma história pra contar. E a vítima chora por estar nervosa. Alguém digita palavras num computador: eu, ou o polícial que redige o Boletim de Ocorrência. Tanto faz. Nenhum de nós dois sabe realmente sobre o que está escrevendo.

See Ya

25.3.04

Submerso

Um, dois, três, quatro. Ar.
Braço, braço, braço, braço. Boca.
Uma faixa preta mostra o caminho.
Mostra a hora de parar e a hora de voltar.

Contagem. Cálculo. Concentração.
Não pense, não pense, não pense, não pense. Respire.
Contagem. Cálculo. Um a menos. Faixa preta. Fim da linha.
Vinte e uma, vinte e duas. Tantas voltas e tantas idas.

É quase como voltar ao útero.
Um pouco maior, em proporção.
Lá eu não pensava.
Aqui eu engano meu cérebro e me coloco em stand by.

Meus pensamentos são balões.
Ficam na superfície quando eu afundo na água.
Meus pensamentos bóiam. Reviram, se perdem. Dão voltas.
Eu desço e me encontro, no leito das águas.

Mas tudo não passa de matemática.
Meu cérebro cuida de tanta coisa.
Ar. Movimento. Velocidade. Orientação.
Esquece de pensar e me deixa em paz por alguns minutos.

Submerso e absorto.
Sob a água somos todos diferentes.

See Ya

24.3.04

Tarefas

Quando o tempo urge, os momentos são escassos e tudo que se pode fazer é amontoar tarefas para que sua vida não saia dos eixos, quem acaba sofrendo é o blog. Por vezes por questões práticas, outras vezes por questões financeiras.

Espero voltar logo a postar. Enquanto isso eu pergunto: algum editor ou milionário (ou os dois) mais afoito estaria afim de me pagar pra eu escrever? Garanto livros, jogos e posts novos. Alguém? Alguém?

É. Eu já sabia. Vocês vão ter de esperar mais um pouco. =)

See Ya

18.3.04

Por um fotolog menos ordinário

Eu não tenho um fotolog, ou um flog, ou qualquer coisa dessas. Na verdade, minha relação com fotografias foi intensa durante a infância, pois meus pais, especialmente meu pai, tinha como hobbie tirar fotos, e por conta disso há caixas e caixas guardadas repletas de fotos nas casas dos membros da minha família.

Contudo, depois de crescer e deixar de desfrutar de certos momentos familiares, eu desapareci das fotos que andam pelas caixas, estantes e paredes da minha pequena, e pouco honorável, dinastia.

Eu mesmo não tenho o costume de bater fotos ou guardar imagens. Nunca tive vontade de ter uma máquina fotográfica, e mesmo o apelo das novas e quase fictícias câmeras digitais, só servem se com elas eu puder fazer imagens combinadas, planejadas ou incidentais, seja de pessoas ou situações ou objetos, grandes ou pequenos. Mas não tiraria fotos minhas. Tenho medo que a máquina prenda minha alma para sempre naquela caixinha. =)

Por outro lado, tenho um grande e eletroapático amigo, que apesar de ser novo nessa coisa de fotolog, tem se dado muito bem. Mesmo não postando sempre fotos feitas por ele, a escolha das imagens tem um toque pessoal que só ele mesmo consegue passar pra tela. Gosto muito de passar por lá e ver cosias engraçadas, nostálgicas e muito criativas.

Esse post serve para apresentar meu amigo pra vocês. E vou fazer isso com um poeminha, que a maioria não vai entender, pelo menos até que vocês conheçam a peça.

Teacher Marcos é seu "name"
Mas assim ninguém o conhece
É só falar em card game
Que ele logo aparece

De muleta ou bengala,
Sempre dá uma mancadinha
Loirinho e de sorriso largo
O nome dele é Bolinha




E este é o fotolog dele:

http://www.teachermarcos.fotolog.fot.br

Divirtam-se por lá e comentem. Vida longa ao seu fotolog, Bol.

See Ya
Organização

Essa semana eu tinha montes de coisas sobre o primeiro ano do Quando Isso pra escrever. Aliás, eu tenho.

Mas essa semana foi doente. Eu adoeci. Não meu corpo, que felizmente continua bem nutrido e com estoque suficiente de vitamina C. Minha mente adoeceu. Se eu acreditasse, diria que meu espírito adoeceu. Coisas aconteceram e me mostraram mais uma vez que essa droga de mundo é um lugar frio e recalcado. Que a ignorância e a mesquinharia dominam tudo e todos e que eu queria mesmo era sumir logo de uma vez ou então comprar uma calibre 12, matar e morrer. Morrer muito feliz.

Enfim, muito obrigado a todos pelos votos de vida longa ao Quando Isso. Sexta passada o blog teve recorde de visitação. Trinta e cinco pessoas. Foi um presente e tanto. Só sinto por não estar com tempo ou pique para retribuir.

Mas também não vou me alongar nesse texto chato e fora de hora. Vou deixar todo esse sentimento ruim fora daqui, e talvez longe de mim. Mas não agora. Agora é hora de erguer a cabeça, ignorar o que aconteceu e me reorganizar. Com isso acabo ficando mais distante, mais triste e frio, e acabo odiando mais as pessoas, eu incluso. Mas tudo bem. Assimilar mais esse soco no queixo da alma leva tempo, uns bons neurônios e uns anos de vida saudável. Mas é melhor do que ficar amargando idiotices e ignorâncias dentro de mim.

Valeu por ouvirem (lerem) o desabafo.

Eu volto logo.

See Ya

12.3.04

Good to the last drop

Quase 5000 visitas. Mais de 130 posts. Muitos novos amigos. Outros tantos horizontes abertos. Um ano.

Tive ganas de fechar a casa hoje. De deixar que esse canto binário do mundo se tornasse um blog e acabar com ele. E não digo isso por dizer, pra aparecer. Pensei mesmo em fechar o Quando Isso hoje. Só pra poder olhar pra trás e dizer: eu fiz. Comecei e terminei. Passei toda minha infância e adolescência ouvindo que eu não terminava nada do que começava. Catecismo, natação, livros, projetos. Fui engolindo a cada dia uma mentira contada mil vezes. E talvez por isso quisesse terminar o blog. E assim eu teria terminado mais uma coisa.

Mas os anos são como livros a serem lidos. E com este último não foi diferente. Percebi que somente as coisas boas é que não terminam. Eu terminei o catecismo. Nunca mais voltei lá e ainda mandei a Igreja pra puta que pariu. Pra mim estava terminado. Natação. Idem. Terminei com ela. Nunca mais tive de voltar a fazer um exercício que não quisesse. Livros? Projetos? Terminei todos, pois eram todos rascunhos que me ajudariam a chegar aqui hoje, errando e aprendendo. Começando sozinho e hoje escrevendo para vocês.

Por outro lado, minhas boas amizades, algumas já contando com 15 anos de existência, ainda estão lá, felizmente não terminadas. Meu grande amor, minha companheira e cúmplice e amante, está lá, e nada está terminado. Minhas campanhas de RPG, tão queridas e trabalhadas e estudadas e esmiuçadas com dedicação, continuam lá, avançando a cada brava e breve semana. Minha paixão pelo teatro, apenas começada, nem sonha em terminar um dia.

Um ano de blog. Não um ano terminado, mas sim uma época iniciada. Obrigado a todos vocês, meus fiéis e infiéis e fãs e novos e velhos leitores. Obrigados por suas palavras e também pelo silêncio de vocês. Obrigado ao Blogger.com (internacional, e não aquela bosta da Globo), por criar e manter tão impecável este sistema de publicação. Obrigado ao Daniel Braga, por criar e ter estabilizado e melhorado muito os serviços do Comentar. Obrigado a todos os nerds que perderam anos de festas, sexo e outras atividades físicas para tornar a Internet algo viável e que abre aos domingos. =)

Uma vez alguém parafraseou Antoine de Saint Exupery aqui, dizendo que sou responsável pelo que cativo. Se cativei vocês, a presença e atenção de vocês cativou-me ainda mais. O que era um espelho transformou-se numa janela. E não vai terminar.

Boa "segunda temporada" pra vocês.

See Ya

PS: alguém já teve a curiosidade de ler o primeiro posto do Quando Isso? Se não, ainda dá tempo: clique aqui.

9.3.04

Inspiração

Que diabos de inspiração é essa? Só sabe olhar pra um lado, só sabe ver uma coisa. Deixa que eu sente e escreva, mas não sobre o que eu quero escrever.

Uma prisão libertária, uma liberdade condicionada.

Será que me perdi? Será que não mais sei sair daqui? Estou preso entre os quatro lados da sua tela. Grudado nesse fundo cor de cocô, onde até moscas brancas moram. Tenho livros pra escrever, linguagens pra aprender, jogos pra criar, e fico aqui. Não há saída deste labirinto pútrido e público.

Púbrido e pútlico. Troco letras e palavras. as Mas palavras não .mêv

Desisto. Desisto de escrever. Mais hoje. O calendário leva um pouco mais da minha vida e eu não escrevi. A folha em branco vai ficar lá, me desejando, e eu vou ignorá-la. Morte a todos os editores de texto do meu computador. Que um vírus roa cada bit e cada byte dessa tela branca, insípida e inodora. Hoje. E só.

Que um vírus coma cada curva do meu borbulhante e cego cérebro. E que coma também as viseiras que me fazem enxergar apenas reto. Que eu escreva torto por linhas certas. Hoje. E só.

Amaldiçoo essa inspiração desgraçada que não me deixa lembrar de coisas que quero. Amaldiçoo este post e cada arrogante e pretensiosa palavra que aqui jaz. Amaldiçoo este ridículo blog e cada linha de código que o compõe. Amaldiçoo você, leitor, que, como eu, estará preso aqui e para nada mais terá olhos ou visão. E que a maldição dure enquanto durar o hoje.

Desisto.

See Ya

8.3.04

Fosse

Fosse uma flor e não haveria nome,
pois não há flor que tenha
tal delicadeza e perfume.

Fosse um dia e não haveria data,
pois não há manhã tão ensolarada
ou céu tão azul.

Fosse estrela e seria sublime,
pois há o brilho no olhar materno
ou no desejo da amante que arde.

Fosse um milagre e seria a vida.

E se não fosse, seria o nada.

See Ya

2.3.04

Conto do Tempo Presente - Parte Final

Ouvindo o estridente som que se espalhava por toda a nave, Jonas despertou em seu quarto. Antes que pudesse sentar-se na cama e colocar os pés no chão, o intercomunicador soou. "Senhor, três naves Gushi aproximam-se de nossa posição. Elas estão entrando em configuração de ataque sobre o hemisfério sul."

"Entendido. Estou a caminho", respondeu ele "Acelere para a posição das naves Gushi e inicie a energização dos canhões de protoplasma. Estarei aí num minuto."

Ser o comandante de uma nave de defesa espacial durante uma tentativa de invasão alienígena que já durava 4 anos não era um trabalho seguro ou tranquilo, mas Jonas gostava do que fazia. Mesmo que a cada momento ele tivesse mais certeza de que morreria no comando de uma nave da Terra, ele negava-se a simplesmente assistir enquanto ano a ano as forças inimigas diminuiam as chances de manter o planeta a salvo.

No tempo de dois pensamentos como este, ele colocou sua farda, e seguiu na direção da central de controle da nave. Nos corredores, oficiais corriam e concentravam-se em realizar suas tarefas, para garantir o melhor desempenho possível na luta contra os implacáveis Gushi. Atravessou o setor médico da nave e parou diante do elevador. Atrás dele jazia a escadaria que descia no sentido da seção de propulsão. Mais quinze segundos e estaria em seu lugar, comandando a nave para a vitória. Quando o elevador chegou, algo aconteceu rápido demais: alguém correndo para fora do elevador chocou-se com Jonas e o arremessou para trás, fazendo-o cair e rolar escada abaixo. O impacto fora forte demais e Jonas perdeu os sentidos.

Teve a impressão de acordar logo a seguir, mas o cenário havia se alterado demais. Havia fogo por todos os lados, corpos de oficiais espalhados pelo corredor em frente ao elevador onde ele estivera no momento anterior. Um oficial entrou pela porta na parte inferior da escada e deparou-se com seu comandante.

"Comandante Luchesi", gritou o oficial para Jonas. "O senhor está vivo! Pensei que todos os oficiais do centro de controle estivessem mortos. O centro foi destruído."

Ainda sem entender o que estava ocorrendo, Jonas colocou-se de pé. "Destruído? Como?".

"O ataque Gushi foi fulminante. Utilizaram uma arma eletromagnética e despolarizaram nossos escudos. Depois atiraram diretamente contra o centro de controle. Estão todos mortos. E a nave está a deriva. Estamos sendo puxados para baixo, em direção à Terra"

"Isso não pode acontecer. Acione o controle secundário e ative os retro foguetes. E envie o contingente..."

"Senhor, acho que não me entendeu. Fomos atingidos em cheio por armas eletromagnéticas. Não há energia na nave. Apenas o núcleo de energia continua operando, mas sem condições de enviar energia para qualquer lugar".

"Nem mesmo os casulos de fuga?"

"Nem mesmo o distribuidor de oxigênio. Teremos ar para apenas mais 15 minutos. O que é bastante, já que a queda não deve levar mais de três". Os olhos do oficial estavam machucados, mas mesmo por baixo do sangue podia-se ver que ele chorava.

Jonas não podia oferecer outras opções para seu oficial. Desceu as escadas ainda sentindo tonturas da queda e sem conseguir imaginar um bom plano para escapar da morte. Chegou à seção de propulsão e estava tudo escuro. Todos os oficiais haviam abandonado seus postos. E não era sem motivo: pelas janelas da seção podia-se ver a Terra aproximando-se e a luz avermelhada entrando no ambiente, graças ao extremo aquecimento do ar devido à entrada na atmosfera.

O que ele poderia fazer? Não era possível reativar motores ou retro foguetes. O sistema de comunicação interno não funcionaria. Os casulos de fuga ou naves auxiliares não poderiam ser lançados. Era isso. Estavam mortos. Todos mortos.

Mas o núcleo ainda possuia energia. Era energia demais pra ser destruida pelo ataque eletromagnético. E ele poderia expandir o núcleo se rompesse o invólucro principal.

"Claro!!!", gritou ele, sozinho.

Se expandisse o núcleo de forma calculada, isso iria causar uma explosão taquiônica de intensidade conhecida, quando a nave explodisse na atmosfera ou no solo. Se ele pudesse calcular a intensidade correta da explosão, seria possível ser jogado no passado algum tempo e evitar a destruição da nave.

Nesse instante Jonas lembrou-se do oficial que o empurrara escada abaixo. O homem estava se escondendo. Sim, escondendo sua face. E só agora ele se dera conta disso.

"Era eu mesmo", balbuceou.

Não era possível. Não poderia ser ele. Mesmo porque para calcular as intensidades corretas ele precisaria de uma calculadora temporal e ele não tinha uma. Quando olhou para o lado, ainda tentando perceber a magnitude de seu plano, viu sobre a bancada, uma calculadora temporal. E funcionando, afinal, equipamentos temporais eram protegidos contra ondas eletromagnéticas.

"Sim", sorriu. "Sou, era, eu mesmo!". Pegou a calculadora temporal e iniciou seus cálculos, que logo mostraram que ele não poderia voltar apenas alguns minutos. A intensidade mínima da expansão o arremessaria 10 anos no passado. Mas seria demais.

Uma explosão no casco da nave o despertou de seus pensamentos, e ele se lembrou da destruição da Terra. Do dia, há 2047 anos, em que uma mega explosão nuclear/taquiônica varrera a vida do planeta, com exceção de poucos lugares, que deram origem a sociedade que tinham hoje. Ele poderia ir até lá. Calculou rapidamente a intensidade e seguiu na direção do núcleo de energia. E antes que chegasse até lá parou.

Mas e então? O que faria no passado? Ele sabia que poderia calcular sua melhor posição em relação ao epicentro da explosão para que pudesse ser jogado para o futuro e para a localidade correta, e retornar, enfim, ao seu tempo, alguns minutos antes. Mas mesmo assim, o que adiantaria voltar? Se ele impedisse a explosão da nave, não poderia voltar ao passado e não poderia impedir, e a explosão ocorreria. Ou seja, ele estaria diante de um Paradoxo do Tempo Presente. A destruição da nave era inevitável. Mas não sua morte, já que fora evitada. E o que faria depois de evitar a própria morte? Ele poderia escapar num casulo de fuga antes do impacto com os inimigos, e avisar outras naves sobre o ataque.

Lamentou sua conclusão final, mas não havia mais tempo para considerar. A nave explodiria a qualquer momento. Foi ao núcleo e rompeu o invólucro. A expansão taquiônica ocorreu e em seguida a nave explodiu. Jonas sentiu seu corpo queimar, e no segundo seguinte já não sentia nada. Abriu os olhos e pessoas assustadas estavam ao seu redor. Ele estava num saguão de uma biblioteca.

Ouviu um barulho grande no cômodo ao lado e correu na direção do barulho. Já sabia o que veria. Policiais temporais estariam em seu encalço. A legislação temporal era implacável. Correu para a porta e deu de encontro com o agente que vinha entrando. Jonas já sabia porque estava fazendo isso. Derrubou no chão a calculadora temporal do agente, e enquanto este recuperava-se do choque, Jonas correu, descendo escadas de três degraus.

See Ya