29.6.04

38

Garganta seca e um peso imenso sobre minha cabeça. Sinto-me como se estivesse carregando muitos quilos a cada vez que olho em direção à tela. A dor lancinante a cada tentativa de engolir a pouca saliva que resta me faz ter vontade de não precisar engolir nada, nunca mais.

Se você encontrar erros no texto, não ligue. Eles devem existir e não vou voltar para corrigí-los. Começo a não querer ter levantado da cama para deitar estas poucas, e mal escritas, linhas no blog. Por outro lado escrever me ajuda a botar os pensamentos em ordem. Algo muito bom considerando que há 5 minutos eu estava chafurdando sob o edredon suado, enquanto alucinava com linhas de programação em PHP escorrendo por uma torneira e depois uma boca de lobo.

Facas afiadas e gélidas esfregam-se em minhas costas, e como não posso vê-las, dou a elas o nome de calafrios. Cada centímetro do meu corpo pode ser sentido por mim agora, e cada pequeno pedaço tocado resulta em múltiplos calafrios novamente. Meus braços se cansam facilmente. Fecho os olhos pra aplacar a moleza e a dor, mas aí a torrente de pensamentos desconexos invade minha cabeça. Números, vozes, pessoas, datas, textos, tudo reflui. O barulho do computador está muito alto. Porque diabos esse cooler tem de gemer tanto? Hey! Get a fucking room!!!. Ao longe a cama me parece o mais belo oasis. Minhas centenas de milhares de vírus depositados por lá montam uma paisagem instantânea, e a dor de carregar minha cabeça já é demais pra que eu saiba que é tudo mentira e que em menos de 2 minutos eu vou estar alucinando lá novamente. Falta-me senso crítico. Falta-me vontade e até um pouco do ar. Abusei tentando corrigir alguns erros. Tanto esforço pra não atingir meu objetivo.

De fato há um paradoxo e eu queria desvendá-lo pra vocês. Pois aí está: não é possível escrever o que quero estando com 38 graus de febre. Ao escrever ordenei demais as coisas, e embora a sensibilidade do meu corpo esteja presente até nos pequenos e distantes dedos que tocam o teclado, tudo qu edescrevo não passa disso: descrição. E se fosse ao contrário, e eu estivesse com 42 graus de febre, nunca conseguiria me erguer e sentar aqui para digitar.

O experimento falhou. É isso. Eu perdi tempo aqui e você, aí. Não conte pra ninguém e eu também não contarei. Ninguém vai acreditar que levantei da cama pra escrever. Ninguém seria estúpido o suficiente.

See Ya

22.6.04

Quando o povo estiver na TV

Apesar de já estar quase no limite de minha lembrança consciente, ainda tenho recordações dos dias das inflamadas disputas pelas Diretas Já em solo brasileiro. Assim como lembro de ver a TV sempre passando todo o tempo o mesmo cortejo funesto que levava para sete palmos abaixo de nós o corpo de Tancredo Neves. E quase tão funesta é a lembrança de ver, passeando pela Avenida Paulista, um bando de jovens de cara suja influenciados pela Rede Globo, acreditando inutilmente que estariam a arrancar a faixa verde e amarela do peito de um presidente.

E agora, em mais um momento de conspícua necrolatria (como diria Mestre Grande Gafanhoto Inagaki), tentam nos convencer a ter outro desses momentos recheado de sentimentalismo barato, relevação descarada de falta de caráter e orgulho nacional às avessas, enquanto a mídia exibe incasável e impunemente elogios ao recém-morto Leonel Brizola.

Cria prodígia de Getúlio Vargas e contemporâneo de Jânio Quadros, dois dos maiores populistas que já vimos por aqui, a TV ainda tenta nos dizer que Brizola era homem do povo, que lutou por nossos direitos e que sempre carregou a bandeira da democracia apenas por acreditar nela e não porque sabia que não se elegeria num regime não-democrático. Pois então deve bastar apenas bico para que se seja uma galinha.

E na TV vemos um combatente, um lutador, que esteve ao lado de ícones do poder populista, que esteve junto a líderes de esquerda. O que eu vejo é a mentira escorrer pela tela da TV em bonitas imagens e emocionantes canções e pedidos de minutos de silêncio. O que eu vejo é um povo ignorante chorando por quem se fez seu amigo durante longos anos.

O pano caiu no Teatro Brizola. Mas a cena permanece inalterada. Aplaudam os que puderem.

See Ya

PS: e aí, Bernardo? Muito emocionado pela perda?

21.6.04

Cronista da semana

Rufem os tambores.

Eu sou o cronista da semana na Fábrica de Crônicas. Vejam lá, logo abaixo da crônica QUERO VER TV, PÔ!, tem um link para a minha crônica.

Esse blog é muito bom e reúne uma galera que vale a pena ler e continuar lendo sempre, como o genial Ciro Martins Costa, Tânia Carmonario, que gentilmente me avisou sobre a publicação da minha crônica e me aguentou, todo inflado, no MSN, e Marcelo Ferrari, que me enviou uma dicas sobre minhas crônicas que estão sendo pra lá de valiosas. Se depender dele, vocês vão ter muito o que pensar.

Valeu, pessoal da Fábrica de Crônicas. Fico muito agradecido e lisonjeado pela publicação.

See Ya

18.6.04

Clipping na corrida

Torcida pela morte. Diabo. Escravo do horário.

Guardem os tópicos acima com vocês. Guardem mesmo. Quando o trabalho e meu computador voltarem a seus comportamentos normais, eu vou falar sobre eles.

* * *

Queria externar aqui uma constatação experimental: junho é o mês da postergação e do ócio por estas paragens. Há um ano eu escrevi 2 posts falando sobre tempos extensos sem postar. Aliás, o recorde de tempo sem postar está no mês de junho.

Seria o inferno astral da proximidade do meu aniversário se manifestando? Seria o momento de pensar no ano vivido e reconsiderar metas e desejos para o Ano Novo Pessoal? Seria uma coincidência macabra indicando que o mês de junho é um tempo negro para blogueiros e bloguistas? Seria porque eu odeio festa junina e nunca consegui dançar com a garota que queria na quadrilha?

* * *

O encontro de blogueiros que eu tanto alardeei por aqui vai realmente acontecer. Será no dia 10 de julho, num local chamado Talking Jazz Music Club, no Tatuapé. Se você, blogueiro, bloguista, ou simpatizante, ler este post (pelo menos até aqui), receber um e-mail de convite ou vir por aí um banner-convite que vou fazer e distribuir em breve, e não aparecer, eu vou:

- descobrir onde você mora (e seu telefone);
- fazer ligações indiscretas e pentelhas no meio da madrugada;
- invadir sua casa numa noite calma e estuprar seu carro, chutar sua mãe e arrebentar os faróis do seu cachorro, independente da ordem semântica necessária.
- vou te xingar em todos os posts (e eu sei nomes bem feios)
- se você for um certo Leiteiro Morto-Vivo, então, eu vou chutar seu PSX, e usar meus poderes eletroapáticos no seu micro. E você sabe do que eu estou falando!!!

A lista de vinganças e retaliações pode aumentar consideravelmente. Então faz um favor: já anota na sua agenda que vc tem compromisso no dia 10 de julho. Ou pague o preço.

* * *

Porra, vou ganhar um livro muito bom de aniversário. Ter amigos que compreendem (ou não ousam discordar de) suas curiosidades mórbidas é mesmo perfeito. Valeu, galera.

See Ya

8.6.04

Cálculos em série

Deitou a faca sobre a mesa. A lâmina, ensangüentada, maculou a madeira velha e parte da puída toalha de mesa. Seus dedos tocaram o rubro líquido arrancado das veias de Alberto. Numa dança frenética, passaram a rabiscar a parede de azulejos amarelados que forrava a pequena cozinha. Por trás de seus olhos não via os rabiscos, mas imagens e formas e desenhos. Naquele momento transformava sua dor e seus instintos em fórmulas ininteligíveis. Números e letras e símbolos emprestavam seus significados para um panorama maior. Ali, estampado na parede, ele via, com mãos ainda trêmulas e olhar satisfeito, uma descrição físico-matemática dos princípios da Relatividade.

O próximo passo foi calculado, como todos os anteriores: dirigiu-se à pia da cozinha e lavou as mãos e a lâmina. "E se não houvesse pia na cozinha, ou mesmo cozinha, neste lugar?", pensou, sentindo um frio percorrer-lhe as costas e ir alojar-se na parte de trás de sua cabeça. Balançou a cabeça e decidiu não pensar naquilo. Não era possível uma cozinha sem pia, uma casa sem cozinha. Nunca haveria problemas. Tudo estava certo.

Voltou à sala e lá deparou-se novamente com Alberto, sentado numa das poltronas, com a garganta sorridente. Um sorriso rubro e escorrido, que ligava as duas orelhas do morto como um cordão macabro de caos e desespero. Ainda encarando as feições de sua mais nova obra de arte e lógica, sacou uma caderneta do bolso de trás da calça e abriu-o sem escolher página, como se já soubesse que as inscrições corretas lhe saltariam aos olhos:

Nicolau
Galileu
Nílton
Alberto


Entre duas páginas mais adiante, podia ver parte dos documentos de identidade dos grandes gênios que executara. Olhou por mais um instante e depois riscou também o último nome. Abaixou-se na direção do Pai da Relatividade. Mas não chegou a tocá-lo. Um estrondo na porta o fez desejar ter asas para que pudesse voar dali, do terceiro andar, e nunca mais voltar ao chão. Mas não podia, pois a gravidade o trairia, como sempre.

No primeiro estágio do desespero as funções mentais da memória ficam prejudicadas. Ele sabia disso, tinha certeza, mas havia esquecido quando a primeira onda de pânico o fez erguer-se e correr na direção da saída de serviço do apartamento. Girou a chave com cuidado, enquanto ouvia as batidas e brados na porta da frente. Em breve tudo estaria bem, pensava. Tudo se encaixaria perfeitamente na fórmula.

Alcançou o corredor e já podia imaginar as roldanas do elevador trabalhando para levá-lo para um lugar seguro, mas então lembrou-se da identidade. O último souvenir, a última cartada, o último motivo que faria toda sua obra se esvanecer em números pífios e fórmulas decoradas se não fosse obtido. Por um lampejo de lucidez, que era, na verdade, uma expressão de sua necessidade incontrolável de ordem, lembrou-se da identidade de Alberto, e jamais poderia sair dali sem o objeto que provaria que sua obra era, como uma teoria da física, infalível.

No segundo seguinte estava de volta ao apartamento. O atrito com o chão fazia barulho, mas ele não podia ouvir a propagação do som. Somente correu até a poltorna e tomou nas mão a carteira que antes jazia num dos bolsos do morto. Contudo, este foi seu último, e não calculado, movimento. A resistência da porta foi menor do que a dos chutes vindos de fora e uma prova de balística já poderia mostrar a trajetória, força e velocidade do projétil que o atingira. A equação nunca se igualaria a zero.

* * *

Escrevi o conto acima inspirado em meu amigo Nicodra que escreveu, há algum tempo, sobre Serial Killers brasileiros em seu blog. Assunto extremamente intrigante e interessante, fez-me rondar por alguns lugares cheios de livro e encontrar, surpreso, um exemplar de Serial Killers Made In Brasil, de Ilana Casoy, que já está em seu segundo livro sobre os matadores em série. Neste livro ela fala exclusivamente de matadores brasileiros, em 6 casos reais estudados e revisitados por ela. Entre os escolhidos estão celebridades mortais como Chico Picadinho, o Maníaco do Parque e o Vampiro de Niterói.

Fiquei tentado a adquirir o volume imediatamente, mas acabara de comprar outro livro e a gerente do banco não entenderia esta minha paixão pelo assunto tão facilmente. Assim, pra quem achava que esse "fenômeno" era privilégio apenas de terras do Tio Sam, Serial Killers Made In Brasil é um prato cheio. Suje suas mãos de sangue agora!

See ya

1.6.04

Destino

Depois de um final de semana agitado, com direito a Encontro Internacional de RPG, onde ajudei alguns amigos da Heroes Outfitters, e também joguei Call of Cthulhu (leia: cól ofi cutúlu), estou me sentindo muito letárgico. Algo como estar no fim de uma bad trip de vodka com música gótica, chão sujo e garotas vomitadas.

Na semana passada perdi, de uma só vez, o fôlego para escrever posts ou responder e-mails. E hoje, minha segunda-feira foi de completa apatia. Mas uma apatia consciente, quase proposital. Crítica e direcionada ao pouco de paciência que ainda tenho com o mundo lá fora.

E justamente quando estava manifestando toda essa apatia aqui, minha gatinha mais nova, a Destino, uma mestiça de siamês, subiu no meu colo, enrolou-se sobre minhas pernas, esfregou seu pequeno rosto contra as minhas mãos irriquietas dançando sobre o teclado e ergueu o focinho para me dar lambidinhas no nariz.

Ao inferno com a apatia!!

See Ya