26.9.05

Sobre porcos e homens

Era o começo dos anos 80. Eu tinha uns onze ou doze anos e li pela primeira vez A Revolução dos Bichos, do George Orwell. Era um livrinho pequeno e fininho com uma capa divertida, então simplesmente o peguei para ler. Só alguns anos depois fui saber que a história dos animais que se rebelam contra a dominação do homem era uma alegoria da Revolução Russa de 1917 e suas decorrências.

Corte para 1984. Eu tomando chuva no comício das Diretas Já na minha cidade, como já relatei brevemente aqui. Com a derrota da Lei Dante de Oliveira, as primeiras eleições após a ditadura militar foram por colégio eleitoral. Os candidatos eram Tancredo Neves (da "oposição"), que foi eleito e morreu em abril de 1985, antes da posse; e Paulo Salim Maluf, "filhote" dos militares e encarnação de tudo o que considerávamos mais nefasto.

Corte para 1989. Primeiras eleições diretas neste país em quase três décadas. Eu tinha tirado título de eleitor no ano anterior, aos 18, que naquela época era a idade mínima. Vários candidatos no primeiro turno, e no segundo Fernando Collor e Lula. Sem a menor dúvida, escolhi o torneiro mecânico, pois nunca votaria em um produto da oligarquia alagoana. Meu voto foi derrotado, como o de pouco mais de 31 milhões de pessoas.

Corte para 2002. Depois de ter votado no meu colega de profissão Fernando Henrique Cardoso (mesmo com a aliança com o PFL de Toninho Malvadeza) e ter me decepcionado, coloquei a estrelinha do PT na lapela e fiz campanha aberta pelo "representante das camadas inferiores da sociedade". Lula eleito, me emocionei. Na posse, brindamos com champanhe. E chorei. Ouvi os nomes de ex-"subversivos" sendo nomeados ministros e agradeci internamente por, inclusive tendo tido pai preso e torturado por militares, poder vivenciar e ter contribuído de alguma forma para a dita "transição democrática".

Corte final para 2005. Lula é presidente e Maluf está na cadeia (como bem sintetizou Sérgio Dávila em inspirada coluna na Revista da Folha de S. Paulo). E o sonho "foi para o saco": Os corruptos fazem a festa e chegam a nos chamar de estúpidos descaradamente -- até no futebol, como eclodiu no fim da semana passada.

Como sou treinado, ou me treinei, para buscar o "tesouro da sombra", ainda acho que isso tudo está contribuindo para que mais pessoas se envolvam e se interessem por política. Acho legal que isso tenha se tornado assunto de mesa de boteco e ponto de ônibus e que as pessoas comecem a ter um pouco mais de percepção do que é feito com o nosso dinheiro de contribuintes. O risco? O de sempre: ficar na ingenuidade do discurso e cair no "é assim mesmo e não vai mudar nunca".

O fato é que até ontem vários de nós tínhamos a esperança -- aquela que teria vencido o medo -- no futuro político desse país, encarnada e simbolizada pelo PT e agremiações próximas. A idéia de que quando fosse o PT, as coisas seriam diferentes. A certeza de que pessoas que vieram da "base da pirâmide social" teriam um olhar diferente do das "elites" de sempre.

E hoje, se me perguntarem em quem vou votar nas eleições do ano que vem, não tenho o menor vislumbre de uma resposta. Ficou um oco onde antes existia a tal esperança. E aí me lembrei daquele livrinho lido há mais de vinte anos, que termina assim: "As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco"...

PS: Hoje faz exatos três meses que eu não aparecia com minha verborragia por aqui. Um monte de coisa mudou -- depois a gente conversa sobre isso --, mas a indignação e a rabugice seguem intactas.