14.7.06

Nunca lá (Never there)

Muito antes de perdê-la nada fazia mais sentido. Achei mesmo que as coisas melhorariam quando eu tivesse partido. Hoje não acredito nem que teriam melhorado se eu tivesse ficado. Nunca a culpei por isso e nunca vou culpar. Ela nunca teve culpa por eu não saber lidar com nada e não me adaptar - ou pertencer - ao mundo em que vivo. Nunca foi verdade que eu não acreditava em nada. Eu acreditava em mim. Todos precisam de um Deus, e o meu, como todos os outros, falhou, e jogou minha crença na lama, pisou nela e a afogou na água suja.

Desde então eu sou um espectro do que já fui. Sou apático e indiferente. As coisas que fiz no último ano, exceto por uma, não foram decisão minha. Tenha um carro, construa algo, volte a estudar, tenha um relacionamento, troque de emprego, alugue uma casa. De quem diabos foram essas idéias? Minhas não foram, disso eu sei. A merda de conhecer gente que te conhece tão bem é que as decisões deles acabam parecendo com as suas. Mentira deslavada. Nenhuma dessas decisões são sequer parecidas com as minhas. Mas eu não sei qual seriam as minhas, mesmo porque isso não faz a menor diferença agora. Eu não faço nenhuma diferença.

Convencer-se da própria pequenez e insignificância é visto com bons olhos só no enterro dos outros, quando damos de cara com nossa fragilidade, impotência e estupidez. No resto do tempo é bobo e infantil, ou é doentio, motivo de dó, pena, descaso e ignorância. Bem, eu estou convencido. Convencido de que nada disso vale a pena - nem mesmo acertar um tiro na própria cabeça ou me jogar nos trilhos do metrô. Convencido de que nunca fiz e nunca vou fazer diferença em porra nenhuma. Convencido de que se por algum motivo - qual seria mesmo? - eu cair morto aqui ao lado do teclado agora, não terá feito nenhuma diferença, não terá sido nada, como sempre nada foi. Pessoas sofrerão, sim. Mas elas sofrerão do mesmo modo, comigo vivo ou morto, aqui do lado ou cavando gelo na Sibéria.

Não, eu não quero morrer. Não, eu não quero viver. Não, eu não quero não-existir. Não, eu não quero nada. Querer está além de mim, agora. Agora e sempre. Um cadáver com ATP demais na musculatura, que cansou de se enganar sobre as coisas e sobre o livre arbítrio. Que, enjoado com a própria bile, segue aceitando idéias e desejos e quereres dos outros, apenas pra não ficar ouvindo a mesma ladainha sobre porque ele deveria fazer certas coisas.

E assim será. Bem vindo a idade adulta, eu ainda ouço, ecoando aqui dentro. Obrigado. E cortem o papo de se ajudar, procurar ajuda ou se cuidar mais. Se essa é a vida adulta, vamos tratá-la como tal: eu finjo tomar decisões e saber o que estou fazendo, as coisas fingem sentirem o efeito disso. Ninguém mete o bedelho. Fim de papo.

See ya