21.9.06

A enxada e o ancinho - uma "agrometáfora" sobre a educação e a vida

Outro dia eu estava em uma aula conversando com a professora e os colegas sobre as mudanças que ocorrem, ou deveriam ocorrer, na educação. Falamos um pouco sobre as realidades em diferentes contextos escolares -- público, particular, para alunos surdos, em faculdades, etc -- e até sobre "paradigmas emergentes", para usar uma expressão que está na moda.

Aí fiquei pensando sobre aqueles "mantras" que começamos a repetir indefinidamente e acabam virando verdades absolutas. Um deles é que a única constante é a mudança; ou seja, só o que não muda é o fato de que sempre haverá mudanças (se bem que em boa parte das escolas ela muitas vezes é apenas cosmética, mas isso é assunto para outro texto).

Acho isso muito bom. Mudanças podem nos mostrar potencialidades que às vezes nem sabíamos que tínhamos. Descortinar novas perspectivas para antigos problemas. Desafiar a ir mais adiante e reavaliar objetivos e desejos. Ensinar a fazer algo conhecido de um jeito novo. Causar o desconforto necessário para o crescimento e a aprendizagem, na escola como na vida.

Porém (e sempre há um porém...), aparentemente a interpretação que reside no senso comum é a de que mudança tem necessariamente que ser igual a ruptura, e que para mudar temos forçosamente que abandonar ou negar tudo o que foi feito anteriormente.

Para exemplificar: houve um longo tempo em que "dar aula de redação" era visto por muitos como corrigir a exatidão do que os alunos escreviam, com foco na norma culta e pouca ou vaga atenção ao conteúdo. Aí veio a percepção de que escrevia-se belamente sobre idéias freqüentemente ocas ou repetitivas. Então, na esteira muitas vezes distorcida da Escola Nova, outros tantos abraçaram o lema simplista de "chega de oprimir nossos alunos; vamos deixar que eles expressem suas idéias sem os grilhões da gramática". Resultado freqüente: idéias ótimas, porém escritas por toda uma geração de estudantes de forma quase ininteligível pela falta de pura e simples ortografia.

A questão que vejo, da minha limitada, talvez óbvia e estereotipada, mas algo crítica perspectiva, é que há momentos para ruptura, sim; mas também há momentos para reorganização, reorientação ou, digamos, ajustes (a tirania das palavras...). Momentos em que o novo deve substituir o velho, e momentos em que o novo vem para arejar e enriquecer o velho. Momentos de espanar a poeira e embarcar em novo trem, com novo destino. E momentos de simplesmente mudar para o outro lado do vagão e ver a nova paisagem que se descortina.

Já faz um bom tempo que saí da minha cidade natal, no interior de Minas; mas minha origem não só nunca me abandona -- para meu orgulho e alegria --, como freqüentemente vem ajudar a pensar, como agora. Acho que uma metáfora para pensarmos a educação, e a vida, pode ser a de uma horta que estamos sempre preparando, plantando, fertilizando, colhendo, limpando e recomeçando.

Às vezes precisamos de uma enxada para arrancar torrões de terra e chegar aos níveis mais profundos. Podemos atingir uma pedra. Podemos cortar raízes que nutrem árvores ou minhocas que estão lá ajudando a adubar o solo. O terreno vai ficar irregular durante algum tempo. É o preço que se paga. Mas também podemos atingir a terra novinha, fresquinha, nutritiva. Podemos abrir espaço para plantar novas culturas. E até encontrar "tesouros" que estavam lá dormentes, nos esperando.

Por outro lado, há vezes em que precisamos é de um ancinho (ou rastelo, aquele que parece um "garfão" largo, que também usamos para cuidar do solo). É certo que ele não chega aos mesmos lugares que a enxada e não temo mesmo objetivo ou efeito. Mas com ele tiramos as folhas velhas e pedregulhos. Removemos raízes mortas. Arejamos o terreno. Damos um certo traçado à horta. Revolvemos a superfície da terra para prepará-la para o plantio. Abrimos caminho para acolher e cultivar as sementes.

Enfim, na educação, como na vida, nosso eterno e renovado desafio é ter a sensibilidade e a sabedoria de que tem hora que é de enxada. E tem hora que é de ancinho.

PS: Prometo que vou dar um tempo nos posts looongos. É que este texto surgiu em outro contexto, mas gostei dele e quis tê-lo aqui.