1.11.06

De que você tem mais medo?

Tarde da sexta-feira passada. Estava eu a caminho da faculdade, no lento trânsito da Cardoso de Almeida (Perdizes, bairro de São Paulo), quando olhei para a calçada à minha esquerda e vi, nas costas da camiseta de um cara, escrita em letras garrafais, a pergunta "What do you fear the most?".

Se eu fosse uma pessoa menos estranha, não seria nada demais. Só que isso foi o início de uma looonga conversa comigo mesmo -- lembrem-se que o trânsito estava ruim :-)

Comecei a pensar no que seria meu maior medo. Morte? Não. Acho que morrer, desde que não seja de forma excruciante, não deve ser tão ruim. E como acredito em vida após a morte, talvez até seja interessante.

Solidão? Também não. Gosto de ficar comigo mesmo, morei sozinho durante anos e curto o silêncio não-imposto.

Falta de grana? Não acho. Tenho algum medo, sim, de ser dependente; mas não é meu maior terror, porque as diferentes experiências de vida em diferentes lugares me fizeram conhecer diferentes maneiras de lidar com essa questão.

Passei por algumas outras possibilidades e nenhuma delas me satisfez. Até que, alguns metros adiante, cheguei a uma possibilidade: acho que meu maior medo é o medo da irrelevância. De passar por este mundo, por esta vida, sem ter feito nenhuma diferença.

Ainda embalado por esse pensamento, segui para a aula pensando em como isso se consubstancia (adoro essa palavra!) no meu cotidiano. Pensei na carreira que escolhi -- ou que me escolheu, na verdade -- ainda quando eu era adolescente: ser professor. Ajudar a fazer a diferença na vida dos alunos e, hoje, de outros professores e coordenadores. Ampliando a idéia, ajudar pessoas à minha volta. E é assim que me sinto realizado e procuro escapar da irrelevância. Inclusive faz alguns anos que meu blogmate disse exatamente isso sobre mim, em público em um momento bem significativo. Fiquei muito alegre e, com a mesma alegria, coleciono outros exemplos.

Mas será que isso dá realmente sentido à minha vida? Será que eu quero acreditar nisso só para não ter que me confrontar com o inevitável vazio? Será?...

E no meio de todo esse turbilhão me sobreveio um insight: será que, na realidade, consciente ou inconscientemente, não é este o maior medo -- ou pelo menos um dos maiores -- de quase todo mundo?... Algumas manifestações me ocorreram como exemplo de tentativas genéricas de não "passar em branco":

* A busca da tal "celebridade", fenômeno crescente e cada vez mais abundante. Lembro-me que há algum tempo as pessoas corriam DAS câmeras em eventos e festas; hoje correm PARA elas. O projeto de vida é aparecer na Caras, no programa do Amaury Jr e nas colunas sociais. Preferencialmente em todas e muitas vezes.

* A aparente necessidade imperiosa de ter filhos. Vejam que adoro crianças, e justamente por isso tenho muita, muita pena quando vejo situações em que elas são na realidade as depositárias do sentido que os pais não vêem nas próprias vidas. Conheço alguns casos assim, e basta ligar a TV ou ler uma revista de fofocas para achá-los.

* Ainda nessa linha, a dedicação patológica, ou quase, a animais de estimação. Atire a primeira coleira quem não conhece pessoas que moram sozinhas e, quando vão a alguma festa ou happy hour, têm que sair correndo em um determinado horário porque "fulaninho (o cachorro) está sozinho".

* E há várias outras, sem juízo de valor: a gravidez na adolescência para ter algum reconhecimento (o de mãe); a dedicação integral e apaixonada a uma causa (política, meio ambiente, voluntariado); a entrega cega a uma religião; o "casamento" com o trabalho; e por aí vai.

Não passo de um leigo, mas pensando nisso me ocorreu uma teoria (lá vem!). Como somos cada vez mais bombardeados pela onipresente "mídia" com informação sobre como devemos ser, o que devemos comprar, a que "tribo" devemos pertencer, que música devemos ouvir, etc., acabamos perdendo a real noção da nossa identidade. E assim nos agarramos a algum referencial externo mais próximo e/ou acessível e/ou conhecido para adotá-lo como próprio, internamente. Tempos sombrios...

Talvez, só talvez, possamos ser mais felizes se tivermos a vontade, o tempo e o silêncio -- externo e interno -- necessários para olhar para dentro de nós mesmos (e não só para o outro) e descobrir quem realmente somos (vide posts anteriores sobre máscaras, rótulos, coexistência, e outros nesta linha -- o arquivo tá aí ao lado).

E talvez, só talvez, se nos conscientizarmos que somos uma parte individual de um todo coletivo, consigamos nos libertar um pouco daquilo que nos é imposto e chegar a uma escolha. A escolha de sonhar sonhos que sejam realmente próprios. A escolha de que lutas lutar e com que angústias pugnar. Afinal, "é no vazio da jarra que se colocam as flores".

Fim da história, tentando responder a pergunta da camiseta do cara: será que nosso maior medo é a gratuidade da nossa existência? Ando achando que o meu é...

PS: Não, não vou falar de política, apesar dos pedidos. Estou cansado e não estou a fim.