17.10.03

Insônia - Parte Três :::: Mais Insônia: [Parte Um] [Parte Dois]

Acordei tempos depois. Pudesse eu me basear em meu relógio biológico para dizer quanto tempo ficara desacordado, eu teria pensado que ficara uns 50 anos em sono profundo. Eu me sentia velho, enrijecido pelo tempo, podre como um pedaço de carne humana - ou de cérebro humano - deixado na terra para ser devorado pelos vermes.

Lentamente eu abri os olhos e já não haviam pedaços de pessoas em tudo que eu via. Ao invés disso, um negrume, uma escuridão densa e pastosa estava ao meu redor. Quase sufoquei em meio àquela massa escura que formava as sombras que me envolviam. De imediato pensei estar cego, completamente cego, mas me bastaram alguns segundos para que eu percebesse um instigante e sinistro ponto de luz esverdeada me observando à distância. Instintivamente eu tentei me aproximar da luz, mas não importava a força que eu fazia e a velocidade com que me movia, pois a luz continuava lá, distante... fria... imóvel.

Já completamente exausto, tendo percorrido milhas e milhas em direção à luz, eu me rendi e parei. Só neste instante me dei conta que estava ainda deitado e senti todo o peso do meu próprio corpo repousar sobre uma superfície macia e confortável. Aquela era a primeira boa sensação que eu tivera desde aquele maldito sonho, e mesmo desconfiado da circunstância eu não resisti e me entreguei ao conforto. Inocente. Como eu era inocente.

Antes mesmo de poder me sentir menos cansado eu percebi que agora afundava na maciez de meu catre invisível e me sentia cada vez mais apertado, prensado, claustrofóbico. Fui afundando e uma dor começou a tomar conta de minhas pernas. A dor se tornou muito intensa e eu gritei. Mas aos meus ouvidos nenhum som chegou e agora eu me dera conta que também não ouvia nada. Fiquei desesperado. E foi o desespero que acabou de me afundar naquela maciez.

Em pouco tempo eu me sentia preso dentro de um saco de pano, e como um louco eu tentava romper aquele tecido que ironicamente me confortava e me sufocava e prendia. Depois de cravar minhas unhas por diversas vezes em minha prisão confortável, eu finalmente rompi o tecido e meu corpo escorreu como vômito para fora da minha prisão. E eu escorri para dentro da água.

Mas não uma água límpida e clara, e sim um emaranhado de sangue, vísceras e vômito. Eu voltara a enxergar, mas minha visão era tão aterradora que mesmo agora eu acredito que preferia estar cego naqueles momentos. E também podia ouvir o som de meus próprios braços se debatendo e rompendo vísceras e remexendo no vômito que me cercava. Aos poucos todos os meus sentidos voltavam ao normal e lentamente eu me misturava aos restos de gente e ao sangue ao meu redor.

Eu já havia ultrapassado o desespero e alcançara agora um estado de observação. Tudo que eu podia fazer era observar a mim mesmo tentando desvendar essa sequência insana de acontecimentos. Onde eu estava? E por que eu estava ali? Seriam aquelas cenas dilacerantes e mortais algum sinal indicando que eu havia morrido?

See Ya