23.10.03

Insônia - Parte Seis
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"Fred, eu não posso falar agora. O garoto acordou.", eu ouvi, ainda duvidando que podia ouvir e ver normalmente de novo, sem a presença incômoda de pedaços de corpos e cérebros esmigalhados obstruindo meus sentidos.

A pessoa ao telefone só então desligou o aparelho e virou-se em minha direção. E para meu mais completo pânico, pude rapidamente entender que era ela, a garota do metrô, que se aproximava, carregando uma expressão que misturava preocupação e malícia. Enquanto o verde de seus olhos faiscava na parda luz que cobria o ambiente, eu comecei a gritar e me debater.

"Acalme-se!", ordenou ela.

Eu estava preso a algo de metal. Uma algema. Ou seria mesmo uma lâmina enferrujada e banhada em sangue velho? Eu não poderia saber. Todo meu esforço estava em evitar que ela se aproximasse de mim. Mas era inevitável. Sua voz aguda penetrou em meu cérebro junto com o cair violento da chuva e sua mão alcançou meu braço. O toque, quente e macio, quase venceu meu desespero, mas mesmo assim eu me debatia violentamente, como um corpo convulsionando após a decaptação.

A mão dela alcançou meu pescoço e mais uma vez tive a estranha sensação de que ela deslocara minha cabeça uns 30 centímetros para a direita, antes de colocá-la outra vez no lugar. Depois disso eu me acalmei. Veloz e tacitamente um acordo foi estabelecido entre nós. Concedi a ela a permissão de manter meus pensamentos em ordem, e meus sentidos agarrados àquele ambiente. Ela falou, e desta vez seus lábios se moviam.

"Alexandre, agora tudo vai ficar bem. Você despertou. Conseguiu atravessar os escuros domínios dos seus pesadelos e chegou aqui. Você certamente ainda não entende o que estou te dizendo, mas tente relaxar por um momento e poderemos conversar melhor. Meu nome é Simone. Eu vou te ajudar no processo de readaptação."

Ela tinha razão. Eu não estava entendendo nada. O que começara como um pesadelo muito real já estava tomando proporções bizarras demais. Onde eu estava? Onde estava minha casa, minha família, meus amigos? O que realmente acontecera e o que fora sonho?

"São perguntas demais, eu sei.", disse Simone, como se tivesse ouvido meus questionamentos. "Essa conversa será longa. Você pode organizar as perguntas e fazê-las todas, uma a uma."

Concentrei-me e falei, como se nunca tivesse falado em minha vida. Cada palavra que eu pronunciava era um novo universo a minha frente, e muitas delas eram ainda sem sentido.

"Onde estou?"

"Está no centro de São Paulo. Mais precisamente num prédio encravado na Avenida Ipiranga. Consegue se lembrar do centro, da avenida?"

Balancei a cabeça afirmativamente. "Sim. O que aconteceu comigo?"

"Essa resposta ainda é muito complicada pra ser dita de uma só vez. Mas posso te dizer que você rompeu uma barreira enquanto teve aquele sonho. Com a velha."

"Como você sabe sobre..."

"Eu estava lá, Alexandre. Eu vi acontecer."

Minha mente quis rebelar-se, exigindo explicações racionais e imediatas para o que eu acabara de ouvir. Mas minha boca não respondia mais a estímulos violentos. Eu estava exausto. Psicologicamente exausto. Se a garota tivesse dito que eu era apenas um pedaço de cérebro flutuando no infinito eu teria acreditado.

"Há quanto tempo eu estou aqui? Quero dizer, quando eu cheguei aqui? Quando deixei de sonhar?"

"Você deixou de sonhar há alguns minutos, quando despertou nesta sala. Antes disso era tudo um sonho."

Minha percepção começava a se estabilizar. Meu raciocínio lentamente retornava. "Você tinha olhos castanhos, grandes olhos castanhos, na estação do metrô. Eu sonhei com você?"

"Quase isso. Eu estava lá. Lembro de te encontrar no metrô."

"Mas você disse que eu..."

"Eu disse muitas coisas. Sim, você estava sonhando."

Chacoalhei a cabeça rapidamente, num esforço de fazer aquilo tudo se encaixar e ter algum sentido. "Você não me respondeu. Por quanto tempo estive sonhando?"

Ela hesitou. Abriu um pouco a boca, mas nenhuma voz saiu de lá. Olhou para o chão.

"Quanto tempo?", eu insisti.

"Sete anos."

See Ya