14.10.03

Insônia - Parte Dois :::: Mais Insônia: [Parte Um]

Eu levantei e caminhei entre partes de cérebros esmigalhadas até o banheiro, onde me lavei com água suja de pele morta que saía da torneira. Os momentos seguintes foram ainda mais perturbadores. Aquelas cenas não me saíam da cabeça e eu mal consegui me trocar. Acabei saindo de casa sem nem ao menos tomar um copo de leite, rumo ao meu trabalho, vendo pedaços daquela maldita mulher para todos os lados.

Eu me sentia sujo. Como se realmente tivesse matado alguém. Estranhamente isso não estava longe da verdade.

Cheguei ao metrô e entrei num vagão completamente cheio. Comecei a me sentir sufocado pelos corpos das pessoas que estavam no meio das víceras e pedaços de cérebros. Todos olhavam para mim como se pensassem: “Por que você a matou?”. Eles não diziam nada, mas eu podia ver atráves de seus olhares. Eu podia ver seus cérebros logo abaixo do crânio. Eles estavam rindo….

Quando as portas do trem se abriram numa estação, meu olhar foi arrancado de dentro do vagão e foi encontrar o olhar de uma mulher que estava na plataforma, sentada num dos bancos da estação. Por alguns segundos eu deixei de ver vísceras e corpos e via apenas os grandes olhos castanhos da mulher. E lá dentro eu via um tornado, um furacão, girando e girando, enquanto me atraía para fora do trem.

A composição se foi e eu fiquei ali, na plataforma, olhando para ela. Ela não era feia ou bonita, alta ou baixa, gorda ou magra, loira ou morena ou ruiva. Eu nem ao menos sabia se ela estava lá ou se era apenas mais um desenho formado entre os corpos que eu via por todo lado.

Então eu pisquei. Exatamente. Eu fechei e abri os olhos em um décimo de segundo. E quando eu olhei novamente na direção dela, ela estava junto a mim, a uma distância em que um palmo não caberia. Aquilo foi um choque para mim, mais por causa da velocidade dela, que era inaceitável para o meu cérebro, do que pelo fato de ela estar perto, pois entre nós ainda havia quilômetros de vísceras.

Ela não mexeu sua boca, mas eu podia ouvir sua voz: “Eu sei o que aconteceu. Eu sei o que você fez. Foi um ato horrível, mas irrepreensível considerando tudo o que você não sabe sobre….”

A última palavra de sua frase chegou aos meus ouvidos distorcida demais para que eu pudesse entender, e tudo que eu senti foi um leve enjôo e um frio na barriga. Ainda lembro de ter visto ela colocar as mãos no meu pescoço e fazer um movimento estranho com ele, mas já não tinha certeza se ela realmente havia feito aquilo ou se eu apenas havia colidido com mais um pedaço de cérebro. Eu apaguei. Ela estava rindo….

See Ya