31.8.04

Quem mata quem?

Lá vai uma mensagem da série "abrindo o coração" heheh... É longa e o assunto é chato, portanto fiquem à vontade para ignorá-la solemente.


A questão é que estou me sentindo especialmente mal com essa história dos moradores de rua aqui de São Paulo sendo feridos e mortos a cacetadas. Morando nesta cidade há algum tempo, ficamos muito expostos a diversas formas de violência e corremos o risco de acabar por incorporá-las à paisagem cotidiana.

Particularmente, vinha pensando sobre a (cruel) motivação que leva alguém a sair de casa ou de onde quer que seja no meio da madrugada para descer o cacete em quem, em geral, pelo menos na minha visão, não representa grandes riscos - e não tem de si e consigo quase nada além do corpo combalido que envolve sua alma, espírito, personalidade ou o nome que queiram dar.

Aí li duas colunas na Folha nesta semana que me ajudaram nesta reflexão - imperfeita e, de forma alguma, tranqüilizadora ou curativa. Muito pelo contrário.

A primeira coluna, de quarta-feira passada, é do
Gilberto Dimenstein
e trata das ações e reações de um pai e de um filho envolvidos no seqüestro deste último e do irmão. A outra é de quinta-feira, do Contardo Calligaris - sempre ele -, e traça uma possível idéia sobre quem está cometendo essas barbaridades contra os moradores de rua.

Depois de ler ambos os textos e pensar sobre eles, percebo como o ser humano pode estar/oscilar em vários e tantos pontos do espectro entre o vil e o nobre. Tá, isso é óbvio, mas a grande pergunta que me fica é: O que faz as pessoas agirem a partir do ponto A ou B deste gradiente?

Somando a isso minha própria experiência, parece-me que até os mais afortunados de nós já tivemos o desprazer de lidar com gente que simplesmente é sacana, não é? Atire a primeira pedra que nunca foi ferrado por pessoas próximas e que, aparentemente, mereciam total confiança.

Só que, mesmo aí, vejo algumas diferenças: já levei porrada de gente cuja única reação à ameaça ou ao perigo é ser "do mal". Gente que não sabe, ou não sabia, defender-se de outro modo. Mais que raiva, o que eu sinto em casos assim é pena - pelo menos no longo prazo.

No entanto, também já me ferrei com gente que é ruim porque é ruim e ponto. Pode-se especular que é porque foram abandonados à própria sorte (emocional) desde sempre; ou porque foram rejeitados desde a concepção; ou porque o DNA é estragado por hereditariedade; ou porque são sacanas e fim, sei lá.

E são esses que me preocupam mais. Preocupam porque, por mais que tentem passar a vida inteira "contornando" o olhar para dentro de si mesmos, o tal do inconsciente é fogo: um belo dia ele pega a gente distraído e segura o espelho na frente de um jeito que não dá para desviar ou fechar os olhos. Aí, quando o cara é sangue-podre, a dor da imagem refletida é tanta que ele vai lá e mata fora aquilo que o dilacera e ele não consegue matar dentro...

Bom, espero que realmente queiramos e consigamos um jeito de tomar conta da nossa cidade e de nós mesmos (em mais de um sentido). Pode ser como sonha o Calligaris, ou não. Mas algo temos que fazer. E já. E juntos.