8.8.04

Dias de mosca

Eu já fui a mosca a zumbir no ouvido de alguém. Sim, já fui. E não pense num zumbido bom e acalentador, se é que tal coisa existe. Eu zumbi fundo e forte. Tirei o sono, fiz alguém se virar no travesseiro até altas horas, e até mesmo chegar a desistir de dormir.

Estive também em muitas sopas. Incomodei pelo simples fato de existir, pela simples presença ali, fazendo um belo de um escárnio só pra irritar mesmo. Na verdade nunca foi só pra irritar, mas certamente alguém já pensou isso de mim.

Muitos já tiveram de me engolir. E só porque eu vim voando e os peguei de boca aberta, esperando que o tempo mudasse e... zupt! Num segundo eles estavam a me engolir, a seco, em meio a engasgos e cusparadas. Mas me engoliram e acabou. Tiveram de aceitar.

Diversos ovos e pequenas larvas eu também já coloquei em alguns. E a princípio acharam que eu era só estranho e esquisito. Tarde demais quando descobriram a podridão que eu fui capaz de implantar.

Certas pessoas só queriam abusar de mim, e os outras só queriam que eu abusasse delas. Não decepcionei. E já deixei que me usassem, e me fizessem de boneco só pra satisfazerem seus próprios egos e instintos. E mesmo parecendo uma criaturinha asquerosa e inofensiva, eu fiz esse papel. Mas também já usei e abusei. Já preguei peças, roubei em jogos e trapaceei e cobrei pelo meu serviço.

Não procure em mim apenas o que te agrada, pois o que te assusta e importuna e enoja e irrita e amedronta também te dá prazer e te adula. O fato de você não ter cu pra admitir isso não torna isso mentira. Se você gosta do deleite e do prazer também gosta do medo e da dor. Mas continue sendo covarde e não admita isso nem pra você mesmo. Eu não ligo. Na verdade, até gosto.

Todos têm seus dias de mosca.

See Ya