6.10.04

Um ano


*** ATENÇÃO: Este é um post-desabafo longo, chato e "pra baixo". Se quiser ler algo instigante e divertido, favor dirigir-se ao guichê ao lado. Obrigado :-) ***


Atingido pelo veneno, e já começando a afundar, o sapo voltou-se para o escorpião em suas costas e perguntou: "Por quê? Por quê?" E o escorpião respondeu: "Por que sou um escorpião, e essa é a minha natureza."


Ontem, 5 de outubro de 2004, fez exatamente um ano que passei pela mais cruel experiência afetiva da minha vida nesses trinta e poucos anos. (Eu tenho esse dom/maldição que me acompanha: dificilmente me esqueço de uma data significativa.)

Há um ano descobri, por caminhos tortuosos, que alguém em quem eu depositava absoluta confiança me sacaneou da pior forma possível: a mentira. O engano. O engodo. A traição. A dor foi de tal intensidade e amargura que superou a da morte de uma pessoa que era muito íntima e amada, até então minha pior lembrança.

O mais grave é que era alguém cuja amizade e proximidade eu valorizava como pouca coisa nesse mundo. Alguém cuja lealdade eu tinha como inquestionável. Uma companhia com que eu contava em todas as horas e situações. E isso é o que mais machuca. Ao tomar pelo "valor de face" tudo o que me era dito, acabei sendo pego desarmado. Indefeso. Confiante. De portas e alma abertas. Nu. E, honestamente, eu não merecia. Talvez tenha sido a minha passagem definitiva ao mundo dos adultos ao perder a ingenuidade da confiança incondicional, sei lá, mas eu não merecia.

A questão é que, feliz ou infelizmente, tive a sorte de ter uma família isenta de filhos-da-puta. Com vários outros problemas, mas não esse. No lugar onde trabalho há anos também não tive experiências desse tipo. Muito pelo contrário: convivo com pessoas que são grandes amigas e companheiras. Portanto, eu não tinha aprendido como lidar com gente assim. Claro que houve várias situações de "tapete puxado", mas nunca -- nunca -- de alguém realmente íntimo e com livre trânsito pela minha vida. Até um ano atrás.

Mas não há de ser nada, não. A gente junta os cacos e parte para a próxima, dessa vez com mais cuidado. E há o poder libertador das palavras, que também contribui. Na época, ouvi, ao telefone, de uma pessoa bem próxima a nós: "criei um monstro". Só o fato de ter sido nomeado já me ajudou a colocar as coisas em perspectiva.

Mestre Jung nos fala sobre buscarmos o "tesouro da sombra"; ou seja, nada é tão ruim que não traga em si algo de bom. Neste caso, e em vários outros, sinto que o tesouro da sombra é o que se aprende. E o que aprendi foi a estar mais atento aos sinais de que o mau-caráter está instalado ali. Eles sempre existem, é só prestar atenção direito e não ficar se enganando.

Enfim, ontem fez um ano que tudo isso caiu no meu colo para eu lidar. Um ano, Deus meu, um ano. E ainda dói...


PS: E, falando em sacanagem, no final de semana passado roubaram uma placa de bronze do lugar onde trabalho, que existia desde a fundação em 1950. Ela ficava na fachada -- que teve várias alterações nesse tempo todo, mas a placa sempre esteve ali, como símbolo e testemunha dos 54 anos tentando fazer desse mundo um lugar melhor. Agora vem um qualquer e leva-a para derreter. O seguro provavelmente vai pagar o valor do bronze de que a peça era feita. Mas quem paga o simbolismo que foi com ela? Quem paga a nossa história? Aliás, dá para pôr preço em algo assim? Resumo da ópera: esse mundo tá cheio de "feladaputa"!