28.10.04

"Enobrece o homem"?


*** ATENÇÃO: Assim como às vezes pinta post pra baixo, de vez em quando também rola texto Polyanna. Este é o caso. Se você não está a fim... bom... you know the drill ;-) ***


Freqüentemente leio certas coisas e fico traçando paralelos com a minha vida. (Grande novidade, todo mundo faz isso. Dããã!) Faz um tempinho, li uma coluna das divertidíssimas meninas do 02 Neurônio no Folhateen em que elas falavam sobre trampo em escritório e o confinamento que isso significa.

Aí fiquei pensando no meu trabalho. Sendo originalmente professor, passei vários anos na sala de aula. E, já há outros tantos, estou durante a maior parte do tempo dentro de um escritório, com mesa, telefone, computador e tudo o mais. Mas a diferença entre a minha percepção e o que elas descrevem é que eu não me sinto confinado (nem freqüento restaurante por quilo em grupinhos falando mal do chefe heheh). Muito pelo contrário: gosto de estar lá.

Essa é uma área da minha vida em que tenho bastante sorte. Faço o que gosto, onde gosto e com quem gosto -- e isso há um booom tempo. Trabalho com educação, com professores, coordenadores, etc, o que é minha opção. Meu escritório não fica em um daqueles prédios sofisticadíssimos da Berrini que parecem cofres, mas da minha janela vejo árvores em três tons de verde e obras de arte para todo lado (em plena Av. Nove de Julho). E, sobretudo, convivo com pessoas com quem compartilho não só um trabalho legal, mas as conquistas, as frustrações, as coisinhas pequenas do cotidiano, o mecânico, o cortineiro, os planos, as idéias, a história e as gargalhadas genuínas. Como diz uma delas: "o trabalho é o esperado, mas a amizade é bônus".

Nosso cotidiano juntos não é só a definição de um projeto. É a escolha do nome do bebê que vem por aí. Não é só a reunião. É o convite para a celebração das Bodas de Prata (!). Não é só uma viagem de negócios, é o almoço regado a risadas e filosofia de boteco entre uma parte e outra do dia. Tenho o prazer de conviver com pessoas que, hoje ou ontem, aqui em S. Paulo ou da Bahia ao Rio Grande do Sul, passando pelo Rio de Janeiro e Santa Catarina (viva a tecnologia!), me desafiam, me fazem exercitar a massa cinzenta, acolhem meu mau-humor, dão risada comigo e comungam de boa parte do meu jeito de estar no mundo.

Agora, calma lá: isso não quer dizer que não haja problemas, chateações, brigas, saco cheio. Tem trabalho demais? Tem. E, meu Deus, como! Tem grana de menos e gente de menos? Tem também. Tem gente que sacaneia? De vez em quando tem -- mas essas acabam indo embora, felizmente. Tem computador que pifa? Impressora que come papel? Tem tudo isso. Mas o saldo é bem positivo. Não só por causa do que mencionei lá em cima, mas também porque acreditamos no que fazemos, em como o fazemos e nos valores que sustentam isso.

Durante algum tempo fiquei pensando se isso não era o "jogo do contente" que eu usava para esconder que eu era bundão e não tinha peito para procurar outras paragens. Mas, depois de passar por vários desafios dentro do mesmo lugar, concluí que é por vontade, mesmo. Primeiro, porque conheço o valor e o potencial do meu trabalho. Depois, e sobretudo, porque há um limite para o quanto você consegue enganar a si mesmo sobre um lugar onde passa mais de um terço dos seus dias durante anos e anos.

Bom, depois dessa ode toda, o contraponto: sei que o meu caso não é um dos mais comuns. Muita gente trabalha sob níveis desumanos de estresse, não faz exatamente o que gosta e lida com situações além do suportável (vide meu companheiro de blog heheh). Mas, se eu puder dar uma dica -- tão óbvia quanto pouco realizada -- é procurar fazer algo que dá prazer. Não só no trabalho, mas também fora dele. Um trabalho voluntário, um blog para escrever, um esporte legal, um filho que encha os olhos e o coração, uma viagem acalentada, sei lá. Invente o seu ;-)

O que não dá é para se deixar consumir pelo trabalho como se ele fosse um daqueles espremedores de laranja que só deixam o bagaço depois. E isso é "facinho, facinho" de acontecer. Mesmo eu, que adoro o que faço, tenho outras atividades para não ficar oco sem ele. Se não, quando você vê, sua vida foi detonada pelo trabalho e não sobrou mais nada. Lembre-se que, cedo ou tarde, ele vai e você fica. Quer ficar como?