2.3.04

Conto do Tempo Presente - Parte Final

Ouvindo o estridente som que se espalhava por toda a nave, Jonas despertou em seu quarto. Antes que pudesse sentar-se na cama e colocar os pés no chão, o intercomunicador soou. "Senhor, três naves Gushi aproximam-se de nossa posição. Elas estão entrando em configuração de ataque sobre o hemisfério sul."

"Entendido. Estou a caminho", respondeu ele "Acelere para a posição das naves Gushi e inicie a energização dos canhões de protoplasma. Estarei aí num minuto."

Ser o comandante de uma nave de defesa espacial durante uma tentativa de invasão alienígena que já durava 4 anos não era um trabalho seguro ou tranquilo, mas Jonas gostava do que fazia. Mesmo que a cada momento ele tivesse mais certeza de que morreria no comando de uma nave da Terra, ele negava-se a simplesmente assistir enquanto ano a ano as forças inimigas diminuiam as chances de manter o planeta a salvo.

No tempo de dois pensamentos como este, ele colocou sua farda, e seguiu na direção da central de controle da nave. Nos corredores, oficiais corriam e concentravam-se em realizar suas tarefas, para garantir o melhor desempenho possível na luta contra os implacáveis Gushi. Atravessou o setor médico da nave e parou diante do elevador. Atrás dele jazia a escadaria que descia no sentido da seção de propulsão. Mais quinze segundos e estaria em seu lugar, comandando a nave para a vitória. Quando o elevador chegou, algo aconteceu rápido demais: alguém correndo para fora do elevador chocou-se com Jonas e o arremessou para trás, fazendo-o cair e rolar escada abaixo. O impacto fora forte demais e Jonas perdeu os sentidos.

Teve a impressão de acordar logo a seguir, mas o cenário havia se alterado demais. Havia fogo por todos os lados, corpos de oficiais espalhados pelo corredor em frente ao elevador onde ele estivera no momento anterior. Um oficial entrou pela porta na parte inferior da escada e deparou-se com seu comandante.

"Comandante Luchesi", gritou o oficial para Jonas. "O senhor está vivo! Pensei que todos os oficiais do centro de controle estivessem mortos. O centro foi destruído."

Ainda sem entender o que estava ocorrendo, Jonas colocou-se de pé. "Destruído? Como?".

"O ataque Gushi foi fulminante. Utilizaram uma arma eletromagnética e despolarizaram nossos escudos. Depois atiraram diretamente contra o centro de controle. Estão todos mortos. E a nave está a deriva. Estamos sendo puxados para baixo, em direção à Terra"

"Isso não pode acontecer. Acione o controle secundário e ative os retro foguetes. E envie o contingente..."

"Senhor, acho que não me entendeu. Fomos atingidos em cheio por armas eletromagnéticas. Não há energia na nave. Apenas o núcleo de energia continua operando, mas sem condições de enviar energia para qualquer lugar".

"Nem mesmo os casulos de fuga?"

"Nem mesmo o distribuidor de oxigênio. Teremos ar para apenas mais 15 minutos. O que é bastante, já que a queda não deve levar mais de três". Os olhos do oficial estavam machucados, mas mesmo por baixo do sangue podia-se ver que ele chorava.

Jonas não podia oferecer outras opções para seu oficial. Desceu as escadas ainda sentindo tonturas da queda e sem conseguir imaginar um bom plano para escapar da morte. Chegou à seção de propulsão e estava tudo escuro. Todos os oficiais haviam abandonado seus postos. E não era sem motivo: pelas janelas da seção podia-se ver a Terra aproximando-se e a luz avermelhada entrando no ambiente, graças ao extremo aquecimento do ar devido à entrada na atmosfera.

O que ele poderia fazer? Não era possível reativar motores ou retro foguetes. O sistema de comunicação interno não funcionaria. Os casulos de fuga ou naves auxiliares não poderiam ser lançados. Era isso. Estavam mortos. Todos mortos.

Mas o núcleo ainda possuia energia. Era energia demais pra ser destruida pelo ataque eletromagnético. E ele poderia expandir o núcleo se rompesse o invólucro principal.

"Claro!!!", gritou ele, sozinho.

Se expandisse o núcleo de forma calculada, isso iria causar uma explosão taquiônica de intensidade conhecida, quando a nave explodisse na atmosfera ou no solo. Se ele pudesse calcular a intensidade correta da explosão, seria possível ser jogado no passado algum tempo e evitar a destruição da nave.

Nesse instante Jonas lembrou-se do oficial que o empurrara escada abaixo. O homem estava se escondendo. Sim, escondendo sua face. E só agora ele se dera conta disso.

"Era eu mesmo", balbuceou.

Não era possível. Não poderia ser ele. Mesmo porque para calcular as intensidades corretas ele precisaria de uma calculadora temporal e ele não tinha uma. Quando olhou para o lado, ainda tentando perceber a magnitude de seu plano, viu sobre a bancada, uma calculadora temporal. E funcionando, afinal, equipamentos temporais eram protegidos contra ondas eletromagnéticas.

"Sim", sorriu. "Sou, era, eu mesmo!". Pegou a calculadora temporal e iniciou seus cálculos, que logo mostraram que ele não poderia voltar apenas alguns minutos. A intensidade mínima da expansão o arremessaria 10 anos no passado. Mas seria demais.

Uma explosão no casco da nave o despertou de seus pensamentos, e ele se lembrou da destruição da Terra. Do dia, há 2047 anos, em que uma mega explosão nuclear/taquiônica varrera a vida do planeta, com exceção de poucos lugares, que deram origem a sociedade que tinham hoje. Ele poderia ir até lá. Calculou rapidamente a intensidade e seguiu na direção do núcleo de energia. E antes que chegasse até lá parou.

Mas e então? O que faria no passado? Ele sabia que poderia calcular sua melhor posição em relação ao epicentro da explosão para que pudesse ser jogado para o futuro e para a localidade correta, e retornar, enfim, ao seu tempo, alguns minutos antes. Mas mesmo assim, o que adiantaria voltar? Se ele impedisse a explosão da nave, não poderia voltar ao passado e não poderia impedir, e a explosão ocorreria. Ou seja, ele estaria diante de um Paradoxo do Tempo Presente. A destruição da nave era inevitável. Mas não sua morte, já que fora evitada. E o que faria depois de evitar a própria morte? Ele poderia escapar num casulo de fuga antes do impacto com os inimigos, e avisar outras naves sobre o ataque.

Lamentou sua conclusão final, mas não havia mais tempo para considerar. A nave explodiria a qualquer momento. Foi ao núcleo e rompeu o invólucro. A expansão taquiônica ocorreu e em seguida a nave explodiu. Jonas sentiu seu corpo queimar, e no segundo seguinte já não sentia nada. Abriu os olhos e pessoas assustadas estavam ao seu redor. Ele estava num saguão de uma biblioteca.

Ouviu um barulho grande no cômodo ao lado e correu na direção do barulho. Já sabia o que veria. Policiais temporais estariam em seu encalço. A legislação temporal era implacável. Correu para a porta e deu de encontro com o agente que vinha entrando. Jonas já sabia porque estava fazendo isso. Derrubou no chão a calculadora temporal do agente, e enquanto este recuperava-se do choque, Jonas correu, descendo escadas de três degraus.

See Ya