26.2.04

Conto do Tempo Presente

Jonas desceu a escadaria da biblioteca de três em três degraus. Corria. Corria como se não houvesse amanhã. E não haveria. Em seu encalço, dois homens vestindo estranhas roupas colantes verdes semi cobertas por sobretudos cinza. Chamavam a atenção das pessoas ao redor não só pelas cores, mas também pela temperatura: lá fora, sob o sol de fevereiro, 37 graus nunca combinariam com sobretudos.

Desequilibrado e com muita pressa, Jonas atravessou as frondosas portas e alcançou a rua. O centro de São Paulo fervia. O rapaz nem teve tempo de conferir se o tráfego de pessoas e carros permitiria sua passagem, e lançou-se entra a multidão. Seus perseguidores ainda o viram dobrar uma esquina e a despeito de todos os olhares em sua direção, voltaram a correr.

Ao dobrar a esquina, Jonas viu uma banca de jornais. Correu até ela e pegou um exemplar do jornal do dia. Não pagou e correu. O atendente da banca saiu de seu lugar já gritando. "Pega ladrão!!! Filho da p..". Foi interrompido pelos perseguidores de Jonas, que pegaram o homem pelo colarinho.

"Onde está o rapaz", perguntou um dos homens, apenas levantando um pouco seus óculos prateados que refletiam a luz do sol, revelando brilhantes e grandes olhos azuis.

"É, bem.." balbuceou o homem, intimidado. "Por ali. Ele foi por ali."

Os dois largaram o homem, mas antes de partirem, um deles voltou-se novamente. "Que dia é hoje?", perguntou.

"O que?", retrucou o atendente.

O homem que havia perguntado deu mais um passo na direção do atendente, que se encolheu. "Calma, cara. Calma. Que pergunta doida. Vinte e nove. Vinte e nove de fevereiro."

"Qual ano? Dois mil e quatro?"

"É, é."

Afinal, os dois voltaram a correr pelo calçadão.

Enquanto isso, Jonas olhava para o jornal, metros a frente, enquanto corria. Ouviu um casal discutindo, em seu caminho, enquanto lia a data impressa na parte superior do jornal. Acertara o dia. E sabia que o casal nunca mais faria as pazes. Correndo pelo calçadão, viu doentes que não se curariam, trabalhadores que não chegariam em suas casas, amigos que se despediam pela última vez. Parou diante de um prédio e tirou do bolso algo que mais parecia um palm top, mas um pouco menor. Conferiu na tela alguns valores. Números sem sentido que dançavam no visor, pulando entra tabelas e gráficos e desenhos. Um sorriso esbouçou-se em seu rosto, mas a sombra que cobria o mundo só ele podia ver. Entrou no prédio. Dirigiu-se ao elevador.

Sentiu a pressão no estômago quando a cabine escalou os cabos em direção ao último andar. A pressãO parecia demais e por um momento ele lembrou-se de seu treinamento. Sentiu uma rápida tontura e apoiou-se em uma das paredes e em seguida vomitou. Um líquido amargo e branco saiu de sua boca. "Irônico", pensou ele. "O comandante de um explorador espacial enjoar num elevador é no mínimo irônico". Quase chegou a sorrir, mas o elevador estancou antes e, apressado, ele correu para o terraço do prédio.

Os dois homens que vinham logo atrás não sabiam em que prédio Jonas entrara. Um deles tirou um pequeno cubo transparente do bolso do sobretudo e olhou através dele. "O nível de afunilamento taquiônico está imenso. Nunca conseguiremos localizá-lo."

O outro pareceu impaciente. "Tente usar sua interface cerebral para reordenar os parâmetros do localizador sem interferência taquiônica."

O primeiro encostou o cubo em sua têmpora esquerda, e seu óculos emitiu um leve brilho azul. Ele pareceu paralizado por alguns segundos, mas enfim recobrou a consciência. "É aquele prédio. No topo."

Quando os dois chegaram ao topo do prédio de 8 andares encontraram Jonas num ponto distante do terraço, sentado sobre a mureta, olhando na direção deles. "Muito bem, oficiais. Não sei como vocês driblaram a concentração taquiônica para me encontrarem, mas vocês conseguiram."

"Jonas, você está preso. Infringiu tratados demais para continuar solto. Deite-se com o rosto voltado para o chão."

"Vocês acham mesmo que podem me prender agora? Vocês acham que estou aqui por acaso? Sabem que dia é hoje e que lugar é esse?"

"Sabemos que se não nos acompanhar, você irá morrer. Todos aqui irão morrer."

Um olhar de sarcasmo emanou do rosto de Jonas. "Não acredito que vocês não perceberam. Realmente acham que eu escolhi este prédio ao acaso. Enviaram dois oficiais péssimos em física para me pegarem, não é? Bom, na verdade eu sempre achei todos vocês muito burros. Agora, se me dão licensa, eu tenho um apocalipse para presenciar", e dizendo isso jogou-se do terraço. Os dois homens correram para ver a queda, mas nunca chegaram à beirada.

Enquanto Jonas caia, ouviu um rápido zunido, que parecia vir de muito longe, mas que aumentava muito rapidamente de volume. Mais um segundo, e antes de Jonas tocar o chão, a luz e a onda de calor varreram as ruas do centro. Vinda de todos os lugares, uma explosão tomou conta de tudo, envolvendo e desintegrando o corpo de Jonas e também de seus perseguidores. Os dois homens nunca viriam a saber, mas aquela explosão não varrera somente o centro de São Paulo do mapa. Era o epicentro de uma explosão que em algumas horas varreria a vida do planeta Terra.

Jonas sentira o calor e o impulso antes mesmo de se aproximar do chão. A lembrança de ter o corpo queimado e desintegrado em menos de um centésimo de segundo jamais sairia de sua cabeça. Ele jamais esqueceria o momento de sua morte, mesmo sabendo que estava prestes a despertar e mudar o rumo da história.

FIM DA PRIMEIRA PARTE

See Ya