20.2.04

Cidade de Deus e o Diabo na Terra do Sol

Muito furor tem se feito sobre o fato de Cidade de Deus ter sido indicado em 4 categorias na edição de 2004 do Oscar. Dentro das regras cinematográficas e da Academia, a indicação do filme de Fernando Meireles, pra mim, não significa porra nenhuma. Nada. Necas de pitibiribas. Sinceramente não é isso que me interessa.

A despeito do filme em si, Cidade de Deus é impecável. A história foi muito bem escrita e desenvolvida de forma muito envolvente. As atuações são ótimas e o processo de casting foi primoroso. Do ponto de vista de uma super produção, o filme não ficou devendo nada. E isso sim me preocupa.

Corre à boca não tão pequena que a Rede Globo de Televisão anda mal das pernas. Seja pelos recentes fracassos nos investimentos feitos em Tv à cabo, que no Brasil não é nenhum negócio da China, ou no mega portal Globo.com, jogado às traças, e salvo apenas por audiências que vêm da televisão por conta de Big Brothers da vida, o fato é que a Globo já não é a mesma, e teve ainda de admitir recentemente a morte de seu patriarca, Roberto Marinho (um grandioso, corajoso e generoso jornalista... que o Diabo levou pro inferno à contragosto por não gostar de concorrência. Filho da puta. Foi tarde.).

Desesperada por encontrar um ramo que pudesse salvar as finanças da empresa, de repente a Globo percebeu que com o exacerbado universo de celebridades que se avolumou no Brasil nos últimos anos, ela poderia utilizar os frutos disso para injetar ânimo, e muito dinheiro (quem sabe o governo não dá uma mãozinha pra eles, como vêm se comentando) no cinema nacional. A Globo Filmes ressurgiu das cinzas e angariou parcerias com a Warner, a Miramax (que armou toda a campanha para garantir a indicação de Cidade de Deus) e outras gigantes do ramo. Expôs atrizes e atores brasileiros nos mesmos moldes que Hollywood faz com seus ídolos. Investiu sério em produção e pós-produção de filmes, transformando películas como O Homem do Ano e O Homem que Copiava em produções invejáveis. E o melhor de tudo isso, para garantir retorno financeiro, a Globo investiu no público, incentivando a audiência a ver filmes nacionais. Até comerciais na TV, em horário nobre, sobre o cinema nacional, foram produzidos.

Parece que finalmente o cinema nacional vai decolar e entrar para o circuito internacional de filmes. Bom, cinema nacional é o caralho. Meu nome agora é panelinha da Globo, porra! É ridículo que atores, diretores, equipes, escritores e roteiristas tenham de vender a alma pro diabo para fazerem o cinema decolar. Fico muito feliz e grato por ver o Homem do Ano com roteiro de Rubem Fonseca, aliás pai do diretor do filme, José Henrique Fonseca. Por outro lado, virá o momento em que a Globo enlatará nossos filmes, como fez com toda a produção televisiva da empresa. E além disso, alguém ouviu falar em ajuda ou incentivo a produção de curtas metragens e documentários? Mandem o link, se acharem. Fica mais do que claro que não é o cinema nacional que está sendo incentivado, e sim um grupinho fechado que concordou em fazer tudo para que a Globo continue recebendo sua parte em dinheiro. Tão logo a onda passe e não seja mais interessante, talvez você consiga ver algum filme nacional no Cine Belas Artes. Talvez.

Eu sempre fui fã e entusista do cinema nacional. E embora eu adore ver as produções nacionais serem aclamadas e receberem apoio e tecnologia para se tornarem pares de produções americanas, eu acho que ainda preferia quando tínhamos cara de cinema alternativo. Quando era com o cinema europeu que nos parecíamos e quando os grandes momentos do cinema brasileiro aconteciam nos olhos e cérebros de quem assistia o filme, e não com efeitos especiais, celebridades gostosas e indicações meramente políticas para prêmios do cinema americano.

No fundo, eu espero que Cidade de Deus não ganhe nenhum Oscar.

See ya