11.11.03


Insônia - Parte Onze
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Gotas de sangue desciam como navalhas do céu azul manchado pelos gritos e restos das crianças mortas. Simone se afastara de mim e fora ajudar Fred. Ela chegou perto de um dos corpos de criança e o ergueu. E deformando seu próprio rosto para formar uma bocarra repleta de dentes pontiagudos e podres, tragou o pequeno corpo completamente, envolvendo-o com uma língua-serpente que dançava em sua boca infernal.

O quadro estava montado. Se aquilo era realmente o sonho de alguém, essa pessoa iria contorcer-se na cama pelo resto da noite e talvez lembrar-se daquelas cenas pelo resto de sua vida. Teria outros pesadelos por causa deste e possivelmente até algumas noites de insônia. Lentamente eu começava a entender as ordens de Emerson, no carro: 'isso vai mantê-la livre por uns 10 dias', ele havia dito. Finalmente alguma lógica podia ser encontrada em meio àquele caos e desespero.

Mas que lógica era essa? O que queriam essas pessoas do Projeto Insônia? Transformar todos em pessoas perturbadas e fora de controle por causa de pesadelos? Se todos os pesadelos que eles estavam criando eram tão reais quanto fora meu pesadelo com a velha no parque, eles iriam enlouquecer, ao invés de salvar, os alvos do Dreamies.

Contudo, antes que eu pudesse concluir algo, uma luz esbranquiçada e pegajosa nos envolveu, eu, Simone e Fred, e num segundo estávamos numa praia, como que transportados por mágica. O sol brilhava forte no alto do céu e o barulho das ondas chegava aos meus ouvidos como o sussurrar de uma deusa praiana, envolta em espuma do mar.

"O que aconteceu?", perguntei.

"Mudamos de sonho", disse Simone, já recomposta e com olhos verdes faiscantes.

"Então é isso que vocês fazem? Pesadelos?"

Ao longe um casal se entregava às delícias de uma praia deserta em pleno verão. Ambos despidos, começavam um ritual de prazer que já era quase alienígena pra alguém como eu. Sentir prazer e deleite era algo tão longe de mim naquele momento, que por instantes não reconheci o que estava acontecendo. Fred, por outro lado, abriu um sorriso sinistro e entre as sombras nascidas em seu próprio rosto, partiu na direção do enamorado casal.

Novamente os olhos faiscantes de Simone chamaram minha atenção. "Sim, Ale. É isso que fazemos. Não há outra forma de livrar os Alvos da ameaça dos Dreamies. Precisamos construir pesadelos cada vez mais apurados e reais, para evitar que estas malditas criaturas invadam os corpos dos humanos."

"Mas isso vai deixar os Alvos malucos. Se não forem controlados, terminarão por ficar perturbados ou com problemas de insônia, ou, ou... seja como for, tem de haver outra maneira". Meu estômago contorceu-se ao ver Fred arrebentar a cabeça do rapaz a pauladas e depois estuprar a garota. "Ele gosta disso."

Simone meneou a cabeça. Os olhos dela apontavam na direção do mar que agora tingia-se de rubro. "Sim, gosta. Infelizmente, Ale, não é como todos gostariam. É um equilíbrio muito difícil de atingir. Temos de saber as doses corretas para evitar perturbações muito fortes e ao mesmo tempo evitar a invasão dos Dreamies. Não pense que é divertido matar gente. Você não gostou de executar seu Nemesis, mesmo sendo um Dreamie. Imagine quando é um humano."

"Mas eu não matei ninguém de verdade"

"Nem nós. Mas você precisa ver o grau de perturbação quando o próprio Alvo morre em seus sonhos. Chega a ser assustador."

"Isso não está certo, Simone. Eu tenho de fazer algo"

"Não há o que fazer". Ela parecia impaciente. "Ou você faz assim, ou..."

Neste momento, das águas sangrentas do oceano, uma criatura emergiu. Tentáculos longos, negros e escorregadios envolviam um corpo disforme, onde dezenas de olhos de todas as cores giravam e piscavam e sangravam e apontavam em todas as direções. O monstro seguiu na direção de Fred, que correu pra longe do corpo inerte da mulher que ele matara e deixara na areia. "Corram, corram"

Demorei alguns instantes pra conseguir tirar os olhos daquela monstruosidade e virar-me na direção oposta. Simone já corria alguns passos a frente. "O que diabos é aquilo, Simone?"

"O que você acha? Um Dreamie. Aqui eles tomam a forma que desejarem, como nós. O problema é que se um deles nos alcança, pode invadir seu cérebro e tomar você. Claro, se você estiver adorando criar pesadelos, como Fred."

Nesse momento Fred nos alcançou. "E aí, mano? Pronto pra aterrorizar?". A luz branca surgiu mais uma vez e então a praia e o monstro desapareceram.

Ressurgimos num beco. Uma rua escura, apenas iluminada pela penumbra de postes de iluminação distantes. Fred agarrou meu braço. "Esse tá fácil, cara! O clima já está pronto. Você só precisa começar"

Olhei no fundo dos olhos dele. Minha voz saía áspera, quase gritada. "Você parece gostar muito de perturbar os outros"

Ele sorriu estranhamente. "Eu gosto. Isso é bom? Isso é ruim? Eu salvo pessoas todos os dias"

"Salva dos Dreamies pra jogá-las em consultórios psiquiátricos, psicólogos ou hospícios". Eu ainda não começara a gritar, mas minha garganta estava seca e eu já não enxergava muito bem o beco.

"Cara, vai fazer seu trabalho, que é criar pesadelos e me deixa em paz. E não fica pensando muito, não. Faz e pronto. Se você começar a pensar demais, seus padrões cerebrais vão começar a atrair Dreamies e aí a gente tá na bosta!"

Simone, enfim, interveio. "Ei! Não adianta nada vocês ficarem discutindo, isso também vai fazer o nível cerebral do Alvo estourar de tão alto. Vocês sabem o que são 4 mentes trabalhando num único cérebro? Vai chover Dreamies aqui. Deixa ele tentar do jeito dele, Fred."

"Ahh, foda-se!". Fred virou-se de costas e atravessou a rua. "Você sabe o que acontece com caras que pensam como ele!"

See Ya