No olho do furacão
Estou escrevendo de dentro de um furacão. Vacas e carros passam velozmente por mim, enquanto vejo um horizonte acinzentado, como uma nuvem de GRILOS que se aproxima.
Quisera eu ter controle sobre o furacão. Quisera eu acreditar que ele nunca vai desfazer, e que eu vou continuar aqui dentro. Quisera eu saber quando serei sugado de vez, ou quando serei expelido e finalmente expulso para uma não-existência.
Houve um tempo em que eu estava na parte externa deste veloz e atroz redemoinho de ar. Os ventos eram mais calmos. Contudo havia mais detritos, mais pedaços de casas, pessoas, lugares. Os sons eram mais baixos. Eu ainda ouvia o vazio do mundo lá fora. Mas quase não havia barulhos.
A sensação de estar subindo, de ser erguido e deixar de sentir o chão era a mais forte. Novas descobertas. Novas paisagens. E tudo passava tão rápido... Tenho a impressão de que foi ainda ontem que vi os últimos pedaços daquela escola flutuarem e se desmancharem atrás de mim. Ainda posso ouvir a voz de alguém feliz e apaixonado afogando-se em ventos distantes e ferozes de outrora.
E então eu entrei. Fui trazido cada vez mais pra dentro dos corredores de ar, das visões rodopiantes e frenéticas do tufão. Percebi que outros detritos, outros pedaços, surgiram e muitos outros são os que estavam na borda comigo. Contudo, ficou tudo tão rápido que às vezes eu posso ver a mim mesmo em outro lugar.
A todo momento sou sugado e sugado para o olho deste monstro. E começo a perceber o quanto eu mesmo sou também um detrito. Aqui eu entendi que as velocidades aumentam, e a sensação de ter novas descobertas ainda é forte, mas o centro do furacão começa a chamar minha atenção. Quero conhecer o centro. Quero saber onde levam estes ventos. Quero abrir velas e deixar que tudo se desmanche e seja espalhado por aí.
Hoje eu acredito que esta seja a única maneira de ficar pra sempre no furacão. Muitos pedaços de mim mesmo se espalhando, indo unir-se a outros detritos, a outros lugares. E enquanto isso acontece eu recebo muitos pedaços também e me recomponho com pedaços de outros lugares e pessoas e situações.
E certamente um dia alguns destes tantos pedaços que eu sou vão chegar ao olho do furacão. Só pra descobrir que ali fica o fim. Entretanto, o olho do furacão está tão distante. E mesmo assim eu poderia chegar até ele ainda hoje, ou daqui a 50 anos.
See Ya