22.6.04

Quando o povo estiver na TV

Apesar de já estar quase no limite de minha lembrança consciente, ainda tenho recordações dos dias das inflamadas disputas pelas Diretas Já em solo brasileiro. Assim como lembro de ver a TV sempre passando todo o tempo o mesmo cortejo funesto que levava para sete palmos abaixo de nós o corpo de Tancredo Neves. E quase tão funesta é a lembrança de ver, passeando pela Avenida Paulista, um bando de jovens de cara suja influenciados pela Rede Globo, acreditando inutilmente que estariam a arrancar a faixa verde e amarela do peito de um presidente.

E agora, em mais um momento de conspícua necrolatria (como diria Mestre Grande Gafanhoto Inagaki), tentam nos convencer a ter outro desses momentos recheado de sentimentalismo barato, relevação descarada de falta de caráter e orgulho nacional às avessas, enquanto a mídia exibe incasável e impunemente elogios ao recém-morto Leonel Brizola.

Cria prodígia de Getúlio Vargas e contemporâneo de Jânio Quadros, dois dos maiores populistas que já vimos por aqui, a TV ainda tenta nos dizer que Brizola era homem do povo, que lutou por nossos direitos e que sempre carregou a bandeira da democracia apenas por acreditar nela e não porque sabia que não se elegeria num regime não-democrático. Pois então deve bastar apenas bico para que se seja uma galinha.

E na TV vemos um combatente, um lutador, que esteve ao lado de ícones do poder populista, que esteve junto a líderes de esquerda. O que eu vejo é a mentira escorrer pela tela da TV em bonitas imagens e emocionantes canções e pedidos de minutos de silêncio. O que eu vejo é um povo ignorante chorando por quem se fez seu amigo durante longos anos.

O pano caiu no Teatro Brizola. Mas a cena permanece inalterada. Aplaudam os que puderem.

See Ya

PS: e aí, Bernardo? Muito emocionado pela perda?