6.4.04

Inexorabilia

Sempre que sei de alguém que está com câncer, fico pensando quando vai ser a minha vez. Quando serei eu diante do médico ouvindo que as célualas metastásicas alacançaram o pulmão e que uma cirurgia seria uma boa opção? Ou quando vou ouvir que as sessões de quimioterapia já não tem o mesmo efeito e o tecido está comprometido demais.

A quem será que confidenciarão aquelas coisas que médicos não falam direto para os pacientes se eu não tiver família e for viúvo, como prometi? Ficarão na salinha do café comentando que não tenho chance, mas como eles tem ética (i.e. não tem coragem), nunca vão me revelar. Como se eu já não soubesse que não tenho chances.

Depois de certo tempo, fica sem graça e até trivial saber que um dia você vai morrer. Chega um momento em que o que te atormenta é não saber como vai ser. O quanto você vai sofrer ou qual será o maldito orgão que falhará em sua missão e te deixará virar uma bola de pus e células cancerosas escondidas sob sua própria carcaça.

Você ainda pode descobrir quanta dor um ser humano é capaz de aguentar, antes de dormir eternamente. Sua garganta e boca podem doer tanto que você mijaria nas próprias calças, e mesmo assim você não poderia gritar. Você pode sentir tanta dor ao cagar e mijar que teria espasmos só de pensar pra onde vai a pouca comida que você consegue ingerir. Você pode deformar seu esterno e trincar uma costela por fazer força para respirar, e seus alvéolos podres vão ignorar o oxigênio e rir da sua cara. Suas células se voltam contra você e de súbito você percebe que não há como compartilhar aquilo, que não há volta e que estamos tão sozinhos quanto estávamos no começo.

Um dia eu vou ter câncer. Talvez você também tenha, embora lá no fundo você queira acreditar que certas coisas não acontecem com você. E nem deveria se sentir mal em pensar que um dia vai estar jogado numa cama, parecendo um poema de Byron, ou um filme com a Susan Sarandon. Se você rezar bastante, se tiver filhos pra cuidarem de você, se ganhar muito dinheiro. Você acredita que essas coisas podem amenizar o sofrimento. Melhorar suas chances ou pelo menos te dar um fim digno. Só um aviso: você está errado. Claro, você pode ter a sorte de ser o alvo aleatório de uma bala perdida. Ou ter um enfarte fulminante. Ou até morrer tranquilamente dormindo. Mas você não conta com isso, conta?

See Ya