3.8.07

Esse é o nosso mundo

Quando criança, eu adorava fazer dezenas de coisas ao mesmo tempo. Em época de EXPOSEL (a feira de ciências do meu colégio) eu ficava praticamente insano, finalizando projeto, montando maquetes, resolvendo problemas, e muitas outras coisas, o que me deixava absurdamente ansioso, fazendo com que eu comesse menos, dormisse menos, etc... O mesmo se dava na Semana de Arte ou em outros "projetos de escola". Além disso eu tinha o hábito religioso de brincar (sozinho) com meus Comandos em Ação, ao ponto de ter eventos semanais, mensais ou anuais com meus brinquedos. O fato é que quando criança eu sempre estava envolvidos com mais "projetos" do que simplesmente ir às aulas. Confesso que cheguei a arriscar aulas de natação, campeonatos de futebol de botão oficial, aulas de baseball, mas nunca me dei bem com atividades puramente físicas.

Na adolescência eu conheci o RPG, os card games, as baladas, o teatro, e também a necessidade de ter alguma grana minha, o que resultava na auto-exploração da minha força de trabalho mental (já que eu sempre fui um ótimo - e modesto - aluno) para dar aulas particulares a alunos que tinham notas baixas. Também fazia um ou outro bico pra levantar uma graninha, e continuava indo à escola (com os mesmos projetos de ciência e artes) e depois á facudade (que era integral). Lembro de, aos 18 anos, ter ficado 63 horas acordado, entre aulas na faculdade, baladas, RPG e dar aulas paticulares. Hiperatividade pura e simples. Eu era muito feliz.

Pouco mais de dez anos se passaram desde então, e muitas coisas aconteceram nesse meio tempo: mais RPG, mais card games, largar a faculdade, namorar, sair de casa, arrumar emprego, tentar ter meu primeiro negócio (que era uma pastelaria), cuidar de casa, cudar de pessoas. E nesse meio tempo, não faltaram outros projetos. Alguns finalizados, outros não, mas eu continuava a acreditar que podia "fazer tudo".

Fazer tudo. Ler tudo. Saber tudo. Conhecer tudo.

Sim, faz parte do crescimento e do aprendizado dos seres humanos (deixando de lado toda a questão de condições para tal e cultura) passar por essa "fase". Contudo, hoje eu sinto que grande parte das pessoas sentem-se obrigadas a manter essa "fase" por tempo demais. O ritmo frenético e alucinante que nosso meio de vida nos impõe faz com que tenhamos de ser múltiplos e pró-ativos. Nunca temos trabalho suficiente, nunca temos dinheiro suficiente, nunca temos coisas suficientes, nunca temos experiência suficiente, conhecimento, músicas em nossos iPods, idéias pra ficarmos milionários. Nada é o bastante e nada nos satisfaz e no entanto estamos sempre "cheios".

Veja que não acredito que devamos escolher caminhos menos múltiplos, e os que me conhecem sabem que nem de longe sei fazer essas escolhas. Sou um programador, mestre de RPG, estudante de biologia e produtor de filmes. Eu continuo sendo múltiplo, como sempre fui. Mas gostaria que as pessoas refletissem muito mais sobre suas "cheias" vidas. Pra onde você está correndo tanto? Dentre tantas coisas que você faz, é capaz de separar os "quereres" dos "deveres"? As quantidades são ao menos equilibradas? Se é seu desejo genuíno continuar seguindo tantas trilhas ao mesmo tempo, faça e não olhe para trás. Se for tão recompensador (e também doloroso) como tem sido pra mim, ainda melhor.

Mas e se não for? Até quando você vai querer mais um curso, mais uma especialização, mais um freela, mais um trabalho, mais um filho, mais um casamento, mais um real, mais um "projeto"? Quantas vezes você se sente cansado até mesmo para descansar?

Nosso modo de vida quer nos drenar, nos obliterar, nos fazer correr tanto a troco de nada e fazer tanto sem saber porque, para que depois só nos reste ficar inertes, incapazes de pensar fora das peças que compõem os mosaicos de nós mesmos, conectados todo o tempo em coisas e tarefas e projetos que por si só são ocos e insipientes. Presos em ciclos e vícios que nem sabemos quando nasceram e julgamos nossos de nascimento. Em uma palavra: controle. Controle para nos impedir de pensar e refletir e, principalmente, reagir.

See ya

PS: quando, mais novo, eu ouvia Renato Russo dizer "esse é o nosso mundo: o que é demais nunca é o bastante", eu concordava e achava que era só a forma como nós, adolescentes - na época - víamos o mundo dos "adultos". Errado. Era - e ainda é - a forma certa de encararmos as coisas.


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