18.1.05

A arte de viver da fé, só não se sabe fé em quê *

Voltei de férias ontem -- aliás, férias só têm um problema: chega uma hora que acabam! Mas foi bem legal ficar um tempo sem celular, internet, blog, orkut, e-mail, MSN, carro, buzina... Enfim, valeu.

Bom, mas a idéia aqui não é fazer do primeiro post de 2005 a redação "Minhas férias", daquelas que a gente fazia na primeira aula da quarta série, lembra? É que uma parte desse tempo, nos diferentes lugares em que estive, foi dedicada à leitura. E leitura de coisas que gosto e queria ler, não que eu tinha a obrigação de ler por causa do mestrado, do trabalho ou do que fosse.

Li alguns livros. Gostei de todos. Mais de uns, menos de outros. E um deles teve um impacto maior e me deu vontade de contar aqui. Foi o Por um fio, do Drauzio Varella (Companhia das Letras), que foi presente de um amigo muito especial. É um volume pequeno, pouco mais de 200 páginas, com cerca de 30 relatos sobre as experiências do autor com pacientes de câncer e, em alguns casos, de AIDS.

Para além do lirismo das situações e do texto fluido e muito bem-escrito, o que mais me chamou a atenção foi que o Dr. Drauzio é ateu (apesar de não gostar do rótulo, como já afirmou em entrevistas). E, por ingênuo que possa parecer, me surpreendeu que alguém que não tem fé em Deus possa ter tanto apreço, tanto carinho, tanto respeito pela vida humana.

Tá, tá, eu sei que estou misturando estações. Mas a questão é que, como a minha fé me é absolutamente intrínseca -- outra das diferenças que fazem tão rica minha convivência com o meu blogmate --, para mim o respeito à vida sempre esteve conectado às questões da alma, do espírito e do caminho que seguimos depois deste período terreno. Não é que eu pense ou argumente sobre isso. Mal comparando, sinto que é como saber que o fogo queima, por exemplo: não se questiona.

O fato é que foi uma grata surpresa perceber que a crença na vida humana pode (deve?) transcender a crença no antes e depois dela. E que há gente que faz disso uma profissão/missão. É paradoxal, no mínimo: tantos matam em nome de Deus -- precisamos de exemplos? -- e há outros que promovem a vida sem contar com Ele. Enfim, tanto o texto quanto o insight foram emocionantes.

Para terminar quero deixar claro que o que abordo aqui tem a ver com fé, não com doutrinas ou dogmas. Porque o que tem de "corretor de deus" por aí não é brincadeira, como bem foi colocado no polêmico post do Fabricio de setembro do ano passado.

Aproveitando, outras dicas de leitura:

Fomos Maus Alunos (Gilberto Dimenstein e Rubem Alves, Papirus). Transcrição de um diálogo entre os dois. Uma boa -- e rápida -- leitura para quem se incomoda com o status quo da escola de hoje. Foi presente de uma grande amiga e companheira de inquietações.

Tremor de Terra (Luiz Vilela, Publifolha). Contos para quem não tem medo de olhar para dentro e descobrir que vísceras raramente são bonitas. O autor esteve na última Festa Literária Internacional de Parati.


(*) Verso da música "Alagados", dos Paralamas do Sucesso