Trocas
Olhou uma última vez para sua caneca de café mal coado, já vazia, antes de pegar o dinheiro e guardar a carteira na bolsa. Tentou pagar. O caixa não tinha troco. Ela fuçou no fundo da bolsa e encontrou dinheiro trocado. Furou o dedo em uma agulha ou prendedor de cabelo que estava próximo dos trocados. Pagou e andou até a porta do bar. Chovia. Olhou a chuva fina e fria. Esticou o braço e pressionou a ponta de seu dedo. Uma gota de sangue jogou-se de suas mãos, num suicídio forçado, em direção a corredeira em miniatura que se formava na calçada. Ficou observando até o sangue se desfazer e sumir.
Antes de caminhar na chuva imaginou como seria a cara do homem sob o capuz. Veria seu rosto no reflexo da lâmina, enquanto desesperada para correr? Ou veria seu próprio sangue nas faces deste homem? Sorriu e trocou a bolsa de lado. Nunca andava com ela pendurada no ombro direito. Mas trocou de lado. Teria de ser o direito.
Andou na chuva. Crescia ao seu lado, monstruosa, a Catedral. Olhando suas sujas e molhadas escadarias, cruzou o Marco Zero. Sentiu um calafrio. O vento trocou de direção e apontou para a rua que percorria a lateral da catedral. As grades negras e escorregadias a vigiavam. Seguiu o vento.
Quando se abrigou nas sombras da Catedral, sentiu o aperto e o violento puxar de braços nervosos. Virou e não era um capuz. Era um cobertor enrolado na cabeça. Não era um homem, mas um garoto de 13 anos. Um canivete barato, ao invés da faca. Ironias e trocas. Não gritou e não correu. Deixou a bolsa partir e trocou a expressão no rosto. Chegou a sorrir.
O garoto correu, nervoso e com medo. Medo do mundo, sim, mas muito mais medo daquele sorriso. Olhou pra trás uma vez mais e novamente não encontrou terror ou desespero, mas um sorriso. A luz do semáforo trocou de cor.
Ela caminhou mais uma vez com o vento. Treze passos e sua bolsa ficou ao seus pés. Trocou mais uma vez a bolsa de ombro e partiu, enquanto as pessoas trocavam palavras sobre um corpo agora espalhado por muitos metros de asfalto, sob as sombras da Catedral da Sé.
See Ya