Quer pagar quanto?
... e, de repente, eu tinha à minha frente a foto de uma caneta de R$ 640.000,00!
Alguns devem ter percebido que faz mais de um mês que não aparece um post meu por aqui: digamos que eu resolvi dar férias aos leitores do Fabricio que acham meus textos uma babaquice (os declarados e os silenciosos). Mas agora estou de volta.
Há cerca de um mês, recebi em casa uma edição especial de 220 páginas da Veja São Paulo (a Vejinha) com o título "Classe AAA", sobre o mercado de luxo na cidade. Não sou assinante da Veja -- sobretudo porque acho que ela tem a profundidade de um pires --, mas volta e meia a editora me manda algumas edições como brinde.
Como já não era a primeira vez que eu recebia algo assim, antes de jogá-la fora fui dar uma folheada para ver com que sonham os "bem-sucedidos". Acontece que, antes de eu chegar aos objetos de desejo, topei com uma Carta ao Leitor logo no começo da revista. E foi ao terminar de ler o único parágrafo de 25 linhas que mais uma vez senti aquela vontade de pegar um busão para outro planeta...
Transcrevo aqui a essência da tal introdução: Geralmente esse mundo de extravagâncias é carregado de estigmas e preconceitos. Mas a fama e o luxo têm um aspecto positivo raramente lembrado. É quando a riqueza de um produz oportunidade de trabalho e ganho para outros. (...) Tratamos das ocupações e dos salários que os milionários fornecem pessoalmente a dezenas de servidores, como seguranças e cozinheiros. Aí, para ilustrar a idéia, nas duas páginas seguintes está destacado em letras garrafais: 1 milionária = 66 empregos.
Esse é o texto. Agora vamos dar uma passeada pelo subtexto? Basicamente o que a revista endossa é que devemos ficar felizes porque, já que a distribuição de renda do nosso país é criminosa, graças a Deus existem milionários para gerar tantos empregos e riqueza para desfrute de alguns representantes da patuléia. Que as migalhas que esses magnânimos empregadores distribuem aos lacaios são maravilhosas para nosso país, para nossa economia e para nossa sociedade.
E aí a coisa descamba para os disparates típicos de nossas terras tupiniquins, tais como homens altos e fortes que, à guisa de "seguranças", agem como os empregadinhos de luxo que realmente são e ficam segurando o cachorrinho da madame cheia de botox enquanto ela está às turras com seu jipe 4 x 4 e seu celular na frente da escola das crianças. Ou o outro que pára todo o trânsito da rua porque, afinal, ele é "o segurança do Dr. Fulano de Tal" e, portanto, está numa posição social elevada diante dos reles motoristas que estão parados ali. (E não estou falando isso sem conhecimento de causa. Convivo com coisas assim no dia-a-dia.)
Será que sou muito ingênuo, ou pura e simplesmente burro, de achar ofensivo e revoltante que vivamos em um país em que 1,7 milhão de pessoas (1% da população) ganhe o mesmo que 86,5 milhões (50%)? Vivêssemos em um país minimamente civilizado -- não no sentido só da grana, que fique claro -- e essa informação seria suficiente para uma guerra civil. Ou, no mínimo, para uma séria mudança nas estruturas de poder. Ou, quem sabe, para que a base da pirâmide acordasse da sua letargia e visse a condição mísera a que é submetida. Mas isso não vai acontecer em uma sociedade em que o segurança do Dr. Fulano vira para o segurança do Dr. Sicrano e diz: "Você sabe com quem está falando?".
A uma certa altura a revista pergunta: Sem eles [os milionários], o que seria dos sommeliers, dos prédios de luxo da Vila Nova Conceição ou dos caddies, aqueles rapazes que carregam os tacos numa partida de golfe?. Dos porões da minha ignorância, proponho que talvez -- apenas talvez -- fossem cidadãos com aquilo que seus "benfeitores" lhes roubaram ao longo da história: escolha.