Sobre como isso tem a ver com aquilo
Sábado passado, no fim da tarde, indo ver minha afilhada Giulia, peguei trânsito congestionado no caminho para a Marginal do Tietê. Não demorou muito para eu entender a razão: as 57.000 pessoas que foram ao Skol Beats.
Então, na velocidade de "lesma lerda" em que eu estava indo, fiquei olhando os outdoors da Av. Tiradentes. Um deles me chamou a atenção por tratar do plebiscito sobre a redução da maioridade penal.
Os que defendem essa idéia querem reduzir a imputabilidade de 18 para 16 anos, argumentando que os adolescentes infratores devem ir para a cadeia comum. Ainda mais agora, com as recentes e constantes rebeliões na FEBEM.
Ora, não é necessário ser exatamente um gênio para entender que não há fábrica de bandidos maior e mais eficaz que o sistema prisional brasileiro e a própria Fundação Estadual do Bem-Estar (sic) do Menor. Talvez o Congresso Nacional, mas aí já é outra categoria.
Na minha humilde e nada especializada opinião, o que esses obtusos não vêem é que o problema está na outra ponta, aquela da desigualdade social que ganhou para o Brasil a alcunha de Belíndia -- uma pequena e rica Bélgica cercada por uma imensa e pobre Índia, tudo junto nesse "país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza".
Será que não dá para perceber que reduzir a maioridade penal não vai resolver nada? O que é pior, que tende a ficar mais sério? E depois? O que fazer quando o problema aumentar? Reduzi-la ainda mais, até o ponto em que ela vai ser determinada pela idade em que as crianças conseguem empunhar uma arma? Oito anos, talvez? Ou quem sabe os fabricantes descubram materiais mais leves para que os ainda mais novos consigam usá-las também?
Bom, agora vamos voltar ao tal do Skol Beats. Foram 57.000 pessoas pagando de R$ 35,00 a R$ 90,00 para estar lá pulando a noite toda ao som tocado por DJs famosos em seus meios.
(Só uma observaçãozinha: qual é essa de idolatrar DJs como se fossem músicos virtuosos? Porra, o que os caras fazem é misturar músicas! Ou "mixar", para ficar mais sofisticado. É legal e tal, mas é só isso, não é? Ou então eu é que sou ignorante, sinto muito.)
Nas preliminares da megabalada, foram apreendidas dezenas de milhares de pastilhas de ecstasy. Eu mesmo vi no jornal a apreensão de 41.000 comprimidos -- todos em forma de coraçãozinho, que fofo! Sem contar que um subgerente do Banco Real ainda guardou não sei quantos no cofre do banco em que trabalhava. Até que faz sentido...
Já que você teve paciência para ler até este ponto, vamos montar a equação? É até simples: os filhinhos da (tosca) elite deste país enchem o rabo da AmBev com o dinheiro dos pais deles. E, para turbinar as sensações, gastam mais dessa mesma grana com o ecstasy que os faz amar tudo e todo mundo. Só que alguém tem que fazer o trabalho sujo. E o trabalho sujo muitas vezes é feito justamente pelos adolescentes que essa mesma elite quer colocar atrás das grades.
Deu para sacar? Vamos brincar de fazer uma historinha: Doutor Gastão tem um filho, o Gastão Júnior, que tem 19 anos, é muito "popular" e vive de festa em festa, motivo de mal-disfarçado orgulho do Dr. Gastão, temperado com uma preocupação de butique com o menino nesta cidade tão violenta... Júnior, por sua vez, é perito em esbanjar a grana do Dr. Gastão com uma lista de prazeres -- inclusive o ecstasy, que ele compra do Marcos, colega de faculdade (paga) e subgerente do Banco Real. O Marcos compra a droga do seu João Santos, cujo filho, Joãozinho, de 17 anos, vai à boca toda terça-feira buscar a entrega. E é o Joãozinho que o Dr. Gastão quer mandar para a cadeia, afinal a cidade está muito violenta para o Júnior.
(Só um adendo: é claro que isso é uma generalização. E, como toda generalização, é injusta. Sei disso e assumo.)
Enquanto isso a Giulia, cada dia minha linda, sorri para nós seu sorriso sem dentes e tenta comer a orelha do Tigrão de borracha que ela ganhou. É, Gigi, às vezes eu me pergunto se devemos celebrar ou lastimar sua vinda para este mundo...