21.12.04

Legítimas, só Havaianas (mesmo?)

Vamos expandir um aspecto do post de ontem? Depois de escrevê-lo, fiquei pensando nas relações entre pais e filhos e similares. Algo ficou me incomodando lá no fundo, mas eu não localizava o que era.

Então lembrei-me que, há algum tempo, li um trecho de uma carta enviada à colunista da Folha Rosely Sayão que começava assim: "Somos dois adolescentes de 20 e 23 anos...".

Em seguida, me vieram à memória algumas matérias que li, dizendo que os filhos estão demorando cada vez mais para sair da casa dos pais. E, às vezes, não só não saem como ainda trazem o(a) namorado(a) para morar junto -- inclusive com criança na história!

Vamos guardar essas duas informações e acrescentar mais uma. Ontem mesmo, li uma mensagem de um cara que dizia: "neste final de semana eu estava lá na minha chácara no interior...". Pois bem, neste caso sei que a rigor não é sequer uma chácara; e, ainda mais a rigor, o lugar não pertence a ele, e sim, ironicamente, ao padrasto que o sustenta.

E foi aí que caiu a ficha e consegui nomear o que estava me incomodando: a falta de LEGITIMIDADE que parece estar cada vez mais comum e "natural".

Bom, com esses ingredientes, acho que podemos começar nossa alquimia. Afinal, o que é que leva esses marmanjos e marmanjas a ficarem cada vez mais sob as saias dos adultos "consolidados"?

Na minha opinião muito pessoal, acho que é uma combinação de vários fatores -- e dois se destacam especialmente. Um é a necessidade que esses dependentes têm de mostrar status a qualquer custo (vide post anterior), e isso custa dinheiro. E, na maioria dos casos, não sobra tanto dinheiro quando você tem que dar conta da comida, do condomínio e da conta de luz, por exemplo. O outro fator é a frustração que seus pais têm com as próprias vidas, e agora querem "terceirizar" seus desejos para a geração seguinte. Mesmo que, paradoxalmente, morrendo de inveja dela. (Alguém da galera psi falou em projeção?)

Resultado: filhos sem conteúdos próprios e que têm que buscá-los em algum outro lugar. Pais que terceirizam sua felicidade em nome do "sacrifício pelos filhos". E a soma é um bando de gente faltando pedaço e usando coisas que o dinheiro compra para tentar diminuir um pouco sua fome existencial de coisas que o dinheiro não compra. Sabe aqueles anjos do Aleijadinho em Congonhas do Campo? Como o Aleijadinho já estava muito mal naquela época, ele fez os rostos dos anjos, mas os corpos são bolas disformes cobertas com as roupas. Faça as analogias que achar apropriadas...

Portanto, se você é um dos parasitas que estão muito confortáveis vivendo a vida por procuração, um conselho: faça um favor para você próprio, aproveite que é fim de ano, tire já essa bunda da cadeira e descubra que é muito mais gostosa e gratificante a liberdade -- mesmo que seja para fazer as mesmas coisas que você já faz, mas com o sabor incomparável da legitimidade.

Se você está planejando isso, ou pelo menos tem essa intenção, legal. É uma evolução do estágio "orelha-de-pau" (um fungo parasita bem comum na minha terra) para o desenvolvimento e a apropriação de si por si mesmo.

E se você já está aí no mundo dando a cara para bater, ótimo. Muitas vezes é dolorido; tem gente/coisas que enchem o saco; mas a sensação da conquista legítima é inigualável e faz a gente querer cada vez mais. E, no fim das contas, alguém tem que tocar esse mundo adiante, nénão?

PS: Antes que eu seja apedrejado pelos que estão nessa situação por não ter escolha, estou me referindo àqueles que OPTAM pelo caminho mais fácil e oportunista. Eu também fiquei muito tempo sem ter escolha; mas quando você tem um norte na sua vida, as coisas acabam acontecendo. Ou não -- afinal eu não sou o dono da verdade e essas são só minhas opiniões ;-)