12.7.03

O projeto

Supermercados Morita - 06/12/1983 - 14:32hs

- Ai, Janete. To com um problemão lá em casa.
- Nossa, menina, jura? Conta. Você sabe que comigo pode falar, né? Eu já nem gosto de falar muito que é pra não acharem que eu sou fofoqueira. Então pode se abrir comigo.
- É um problema meio chato.
- Ai, fala logo, Cida!
- Sabe, é o Gustavo.
- O Gustavo? O que tem o menino?
- Lembra aquele dia que ele se perdeu no mercado?
- Ai, nossa!! Que su-fo-co, aquele dia, não? Esse seu menino é muito arteiro. Sabe que o Paulo César, filho da Martinha, do 114, tá na mesma sala que o Gustavo? Pois é. E outro dia ela veio me dizer que o filho dela contou que o seu menino arrumou briga na escola, só por que...
- Filho de quem? Ai, Janete, não me confunde a cabeça. Deixa eu falar o meu problema. Peraí!
- Desculpa, amiga. Eu não gosto de cortar a conversa de ninguém, sabe? Acho isso uma falta de respeito. Mas fala, fala você primeiro.
- Então, desde aquele dia...
- Que ele sumiu no mercado?
- É, desde esse dia ele ficou com uma mania estranha. Tá toda hora cutucando o nariz!
- Mas, Cida, criança nessa idade faz essas coisas mesmo. O Tavinho fazia isso quando tinha a idade do Gustavo. Depois parou. Mas uma vez eu vi ele comendo...
- Mas não é só isso, Janete. Ele não pára mesmo. É muito estranho. Uma vez eu vi ele cutucando bem lá no fundo. Depois parou, balançou a cabeça de um lado pra outro, coçou o nariz por fora e enfiou o dedo de novo. Juro que fiquei até impressionada. O dedo dele sumiu quase inteiro dentro do nariz. Pensei até em procurar um médico.
- Nossa, que esquisito. É um pouco exagerado mesmo, né? Mas então, eu tive uma vizinha que uma vez teve um problema parecido. Sabe o que ela fez?
- Ahn?
- Passou pimenta nos dedos do menino enquanto ele dormia. Mas não foi muito bom. Lembro que o menino esfregou o olho quando acordou e foi um fuá. Foi até parar no hospital.
- Ai, e isso é conselho que se dê pra alguém. Passar pimenta no filho? Não sei mais o que fazer. E teve um dia que apitou.
- O que? O que apitou?
- O nariz! Quando eu olhei tava ficando vermelho, acho que de tanto cutucar, né Janete? Aí eu dei uma bronca nele e ele foi pro quarto. Quando eu fui espiar ele pra ver como tava, o menino tava enfiando um ganchinho de um caminhão de plástico no nariz. Sabe uma parte pontuda do carrinho? Entao. Fiquei agoniada. E no susto eu dei um berro e ele também se assutou. Tirou o trambolho do nariz, olhou pra mim, e nessa hora apitou. Fez um "piiiiii" esquisito. Parecia uma corneta. Não sei mais o que fazer, menina. Será que ele enfiou alguma coisa no nariz e tá tentando tirar?
- Cida do céu, será? Olha, acho melhor você levar o menino num médico logo. Ou, sei lá, num pai de santo. Inclusive tem um na rua da Madalena que é muito bom.
- Ah não, pai de santo, não. Tenho medo dessas coisas. Amanhã vou ver se marco com o Doutor Julião.

Consultório do Dr. Fernando Julião de Almeida - 09/12/1983 - 11:47hs

- Dona Maria Aparecida Cunha Azevedo.
- Oi, Doutor. Sou eu.
- Pode entrar.
- Obrigada.
- E então, a senhora disse pra enfermeira que o seu filho, ééé.. Gustavo, enfiou algo no nariz?
- Ai, é sim, Doutor. Eu mesmo vi. Fiquei cismada que ele não parava de cutucar o nariz e resolvi olhar. Coloquei ele de nariz pra cima perto de uma lâmpada, e olhei. Parece que tem algo lá dentro, bem no fundo. Ai, meu Deus, será que é perigoso, Doutor?
- Acalme-se, Dona Maria. Crianças com a idade do seu filho às vezes acabam mesmo enfiando pequenos objetos no nariz ou na boca. Nós vamos ver o que é, está bem? Olá, Gustavo. Tudo bom?
- Ahan!
- Você está sentindo dor no nariz?
- An-an!
- Não? Que bom! Mas você tem cutucado muito, né?
- Ahan!
- Ahh muito bem, então, você pode vir aqui comigo um pouquinho? Sente-se nessa cadeira. Isso. Agora não precisa se assustar, tá? Eu só vou colocar essa luzinha perto do seu nariz para poder ver o que tem lá dentro. Nem vai encostar em você. Não vai doer nada. Tudo bem?
- Ahan!
- Isso. Olha pra cima... Respira normalmente. Isso. Vamos ver. Eu acho que... que... que... Nossa. O que é isso?
- Ai, Doutor, isso o que?
- Calma, Dona Maria. Calma. É, bem, ocorreu algo de estranho com este objeto no nariz do seu filho.
- Estranho? Estranho como, Doutor? Pelo amor de Deus, diz se é algo grave, Doutor.
- Não é isso. Preciso ter mais informações sobre algo que possa ter acontecido.
- Bom, pra falar a verdade, Doutor, uma vez o nariz dele apitou.
- Apitou? Ahnnn.. só isso? Apitou. Mais nada? Não fez nenhuma luz vermelha?
- O que? O senhor viu uma luz vermelha no nariz do meu filho?
- É, bem... vou chamar a enfermeira. A senhora pode aguardar lá fora?

#######CONTINUA SEGUNDA-FEIRA########