Quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama
No sábado assisti a Vlado - 30 anos depois, filme com roteiro e direção de João Batista de Andrade, cineasta brasileiro "das antigas" que foi amigo próximo de Vladimir Herzog, jornalista sobre cuja morte nas mãos de oficiais do 2º Exército fala o filme.
O filme começa muito bem, provando o que há muito eu já sabia: ninguém sabe ao certo quem foi Vladimir Herzog. Parando pessoas em frente a Catedral da Sé e perguntando quem era Vlado, muitas foram as respostas como: "Não faço nem idéia", e umas poucas vozes disseram, tímidas: "Foi um jornalista morto pela ditadura".
Estranhamente, depois de ver o filme eu percebi que eu tampouco sabia que fora o jornalista.
Herzog nasceu na Iugoslávia mas veio para o Brasil com apenas 5 anos de idade. Sempre tece uma vida de classe média alta e sempre foi apaixonado por TV e cinema. Quando a ditadura se instaurou no Brasil ele ficou um ano em Londres fazendo um curso de produção para a TV na BBC. Enquanto isso, muitos outros brasileiros usavam parcas economias e dinheiro dos comunistas para visitarem Cuba e outros lugares, onde recebiam treinamento de guerilha, para combater o regime militar.
O filme felizmente não tenta fazer de Herzog mais do que ele realmente foi: um riquinho pseudo-engajado que nunca quis mudar as coisas realmente no país, mas que gostaria de uma imprensa mais aberta e informativa, capaz de mostrar com mais clareza a real situação brasileira nessa época (se você é mesmo capaz de comemorar o tricampeonato de futebol do Brasil, clique aqui e faça sua matrícula). Acabou morrendo como um bode expiatório no meio de uma briga entre duas facções governamentais.
Pouco antes de passar pela tortura que o levaria a morte, declarou a dois amigos que aquilo tudo era um grande engano, que ele não sabia de nada do que estava acontecendo e que não era sequer comunista, mesmo sendo filiado ao PCB.
Eu nunca fui preso ou torturado e certamente nunca passei pelo medo com que essas pessoas se depararam. Mas uma gíria bem atual definiria magnanimamente Herzog e muitos dos seus amigos da TV Cultura: paga-pau. Exatamente isso. Herzog foi um covarde que era completamente alienado da situação e acreditava, como seus amigos de classe média, que fazer documentários sobre pescadores da Guanabara ou levar ao ar matérias comedidas que eram censuradas pelo regime iria resolver alguma coisa.
Foi só mais um tonto que só virou notícia por conta de sua morte. Não tivesse sido torturado pelos filhos da puta do regime militar, ele teria ficado confortavelmente em sua cadeira na TV Cultura, ou se acomodado completamente na realidade neoliberal de hoje, escrevendo colunas infantis em revistas e jornais sem visão e escopo, como muitos de seus colegas da época.
Como praticamente todos que morreram naquela época nas mãos do regime, Herzog morreu em vão. Contudo, seria pelo menos mais coerente com o mundo em que ele vivia se tivesse realmente subvertido o sistema e dado motivo pra cada choque, soco e paulada que tivesse levado em seus últimos momentos. Viveu uma vida pequeno-burguesa, se escondendo atrás de temas que hoje fazem gozar os intelectualóides das salas de cinema alternativo de São Paulo. Trabalhou dentro do governo e submeteu-se a dança do bate-assopra que Brasília utilizava.
De certa forma, Herzog realmente se matou. Viveu como um covarde. Por isso valeu mais morto do que vivo.
See Ya
PS: um fulano qualquer, dentre os entrevistados no centro de São Paulo, disse que seria bom se a ditadura voltasse. Nihil novi sub sole.