27.1.05

A fé e o outro

Não acredito em Deus. Da mesma forma que não acredito que haja ser humano completamente ímpio. Não acreditar em forças maiores, não ter esperanças, tudo bem. Mas fé é daquelas coisas que foram tão bem costuradas em nosso código genético que não há como separar um homem dela. Ela pode mudar, morrer e renascer, mas nunca dasaparecer por completo.

Fiquei bastante inquieto com a afirmação do meu companheiro de cafofo, afirmando que sempre associou fé com questões espirituais e portanto não imaginava que pessoas como o Dr. Drauzio varela e eu mesmo pudéssemos ter fé nas pessoas.

Inquieto porque desde de muito cedo não conseguia entender pessoas que simplesmente se entregavam nas "mãos" de um Deus onipresente, onipotente, mas invisível e distante (distante sim, mas não entremos neste mérito agora) e não conseguiam se entregar ás próprias forças, físicas e atuantes, claras e tão distintas em nossa personalidade. Eu me perguntava porque para alguns é mais fácil acreditar em algo intangível do que em algo tão real.

Li muito a respeito e perguntei muito por aí, até criar minha própria teoria: como animais completamente sociais, fomos obrigados a depositar, quase sempre, nossos olhos no outro. Quantas vezes por dia você se vê, se toca, se percebe e quantas vezes vê, toca e percebe o outro? É claro que não poderíamos ter mais referências em nós mesmos do que no outro. Em diversos períodos da história "racional" do homem vimos exemplos e exemplos de adoração ao outro. Dos templos romanos aos monumentos soviéticos (o outro era o Estado). Das telas renascentistas aos shows de rock pelo mundo. E justamente nos períodos em que o outro não estava acessível ou era proibido (não inveje o outro, não mate o outro, o outro é o irmão, o igual, o outro é você, só faça ao outro o que quiser pra você) foi que nossa intrínseca necessidade de sermos sociais criou a fé em algo não humano (e mesmo assim Deus foi feito à nossa imagem e semelhança, e não o contrário).

Teorias malucas deixadas de lado, não use sua fé como um espelho da alma. Não obrigue sua fé a seguir princípios morais, religiosos ou políticos. Não a deposite num cofre pra usar como pingente aos domingos de manhã. Não coloque viseiras em sua fé para que você acredite apenas no que te agrada. Não confunda fé no outro com caridade. Se as pessoas acreditassem mais (no outro) e fizessem menos caridade todos teriam bem definidos certos valores, e se mataria menos por um tênis, e celulares caríssimos e inúteis teriam uma vendagem muito menor.

E entenda: acredite ou não em Deus, você pode ter fé naquilo que bem entender.

See Ya

PS 1: acabo de ver o comentário do Dr. Dráuzio Varella no post do Marcelo. Obrigado, Dráuzio, pela presença. Fico extremamente lisonjeado com sua visita. Sinta-se a vontade, o cafofo é pra você também.