26.6.05

Marcelo

Assim como você, eu também nunca havia ganhado um poema de aniversário (vejam o post abaixo, vejam o post abaixo, vejam o post abaixo). Muitos menos estes que eu adoro, onde a primeira letra de cada verso é uma letra de uma palavra na vertical. Durante anos e anos eu escrevi poemas assim pra algumas pessoas e nunca ninguém havia escrito um desses pra mim.

Deixando o encapsulamento das palavras de lado, as palavras e significados que você deitou sobre a tela (vejam o post abaixo, vejam o post abaixo, vejam o post abaixo) me deixaram, pra dizer o mínimo, aos prantos. Gastei muito fósforo da tela, de tanto que li e reli. Você sempre deixou claro, aqui e no mundo real, que admira essa minha mania anti-mesmice. Mas porra!!! Precisava falar isso de uma forma tão fantástica? Fico muito lisonjeado de ter me tornado seu amigo ao longo de todos estes bons anos. Fico lisonjeado de causar admiração e ensinar tantas coisas a alguém que sempre admirei e com quem aprendi muito. Fico lisonjeado de poder dividir com você essa amizade e esse carinho todo que sinto por verdadeiros amigos.

Obrigado pelo criativo e nada lugar-comum voto de feliz aniversário (vejam o post abaixo, vejam o post abaixo, vejam o post abaixo). Que tenhamos ambos vida longa e que possamos sempre compartilhar dessas diferenças e concordâncias que fazem nossa amizade tão especial. Vou ali pegar o colete salva-vidas antes que eu me afogue em tantas lágrimas.

See Ya

PS1: Adorei o Zumbi. Deve ter sido foda.... mas ficou perfeito....

PS2: Muitos não sabem, mas eu fugi de tudo e todos nesse meu aniversário. Então agradeço de coração a todos que me mandaram felicitações das mais diferentes maneiras e prometo respondê-las todas... amanhã.

PS3: Por outro lado, algumas pessoas tiveram a chance e não me cumprimentaram. Bom, parece que a taxa de ironia da vida não mudou muito só porque eu completei 27 anos. Ainda bem!
Único

Faz já uns bons anos que
Ele passou a fazer parte da minha vida
Lentamente se fazendo
Insubstituível e próximo,
Zumbi e algoz da estupidez.

Anti-mesmice e anti-superficialidade,
Não me deixa esquecer a
Inconstância do pensamento e da
Vida em si.
Emotivo e
Racional, ele
Surge com as respostas criativas,
Amplas e surpreendentes.
Ri daquilo que o diverte, fica
Irado com a injustiça, denuncia
O lugar-comum.

Felicito,
Admiro,
Busco,
Respeito,
Incentivo,
Celebro e
Infinitizo
O meu amigo Fabricio.

21.6.05

Hermanos, pero no mucho

E isso é um elogio. Aliás, confesso que fico até com medo de fazer um post elogiando argentinos, mas vamos nessa -- e aproveito para já adiantar que estas são as percepções de um turista, em períodos de poucos dias, absolutamente pessoais e sem intenção de análise sociológica, "pelamordedeus"!

É que no feriado de Corpus Christi fui novamente passar alguns dias em Buenos Aires e curtir um outono típico, daqueles com folhas douradas caindo das árvores, sol gostoso e brisa idem. A viagem, como de costume, foi ótima. E Bs As definitivamente se incluiu para mim na categoria de cidade do coração, como Parati, daquelas a que você vai não para fazer turismo, mas para sentir-se bem e em casa, só que fora de casa.

Desta vez, talvez em função das idéias que compartilhei no post anterior, acabei vendo outras questões do lugar além da sua beleza. Realmente é a cidade mais européia que conheço aqui pelo nosso lado do mundo, mas isso não é só devido à arquitetura ou ao clima. É, sobretudo, pela postura das pessoas.

O maior insight sobre isso veio em uma noite de sábado. Havíamos saído para jantar e estávamos procurando algum restaurante freqüentado pelos portenhos, e não "para turista ver". Caminhando pela cidade -- minha atividade favorita lá --, chegamos à Avenida Corrientes, coalhada de teatros, cafés e livrarias, que estavam todos fervilhando de gente dos mais diversos estilos. E estou falando de teatros. Muitos. Livrarias. Também muitas. Cheios. Em um sábado à noite!

Dá para perceber a diferença? E não é só. Motoristas em geral, inclusive taxistas, param antes da faixa de pedestre. Até de madrugada. E sabe por que? Porque existem pedestres. A qualquer hora e de qualquer idade.

Aliás, outro dado interessante: Buenos Aires é cheia de velhos. Muitos velhos e muito velhos. Andando pelas ruas, freqüentando os cafés, tomando seu vinho e, como a imensa maioria, fumando seu cigarro. Quase todos sem aquele olhar de medo que vemos aqui ou de resignação que encontramos em cidades menores.

As pichações nos muros e portas de banheiros falam sobretudo de questões políticas (inclusive porque a ditadura deles foi ainda mais cruel que a nossa) e não "É Nóis Zona Sul". Os carros são, na maioria, mais velhos. E ninguém parece estar nem aí para isso. Já as praças são muitas. E sem grades. No lugar da epidemia de celulares, "locutorios" para todo lado. E várias outras coisinhas que nos mostram, ali no país ao lado, um jeito bem diferente de enxergar o mundo.

Não vou negar que vários argentinos claramente não gostam de nós, brasileiros. Nem que outros tantos se achem superiores a tudo e a todos. E que os motoristas buzinem demais e os taxistas dirijam como se estivessem no Paris-Dakar. Mas o mais legal é testemunhar que existem outras formas possíveis de se viver a urbanidade do lado de baixo do equador...

PS: Apesar disso tudo, longe de mim abandonar a rivalidade: amanhã estarei no Morumbi torcendo contra o River Plate :-)

20.6.05

Contristo

Quando desperto estou sonhando.
Um sonho cinza em tons apáticos.
Meus pés esmagam a relva encardida.
E espinhos arranham meus braços caídos.

Insistir na derrota ainda é lutar?
Como saber se é sangue
O que em minhas veias pulsa?
Ou lágrimas não vertidas em rebeldia.

A tristeza turva minha visão
E o tempo me aponta a direção errada
Há cada vez mais passos entre nós
Uma conspiração de coisas invisíveis.

Luz já se foi e tudo é sombra
E não questiono minha lucidez
Perder-me um milhão de vezes
A perder-te uma única vez

See Ya

17.6.05

Quer pagar quanto?

... e, de repente, eu tinha à minha frente a foto de uma caneta de R$ 640.000,00!

Alguns devem ter percebido que faz mais de um mês que não aparece um post meu por aqui: digamos que eu resolvi dar férias aos leitores do Fabricio que acham meus textos uma babaquice (os declarados e os silenciosos). Mas agora estou de volta.

Há cerca de um mês, recebi em casa uma edição especial de 220 páginas da Veja São Paulo (a Vejinha) com o título "Classe AAA", sobre o mercado de luxo na cidade. Não sou assinante da Veja -- sobretudo porque acho que ela tem a profundidade de um pires --, mas volta e meia a editora me manda algumas edições como brinde.
Como já não era a primeira vez que eu recebia algo assim, antes de jogá-la fora fui dar uma folheada para ver com que sonham os "bem-sucedidos". Acontece que, antes de eu chegar aos objetos de desejo, topei com uma Carta ao Leitor logo no começo da revista. E foi ao terminar de ler o único parágrafo de 25 linhas que mais uma vez senti aquela vontade de pegar um busão para outro planeta...

Transcrevo aqui a essência da tal introdução: Geralmente esse mundo de extravagâncias é carregado de estigmas e preconceitos. Mas a fama e o luxo têm um aspecto positivo raramente lembrado. É quando a riqueza de um produz oportunidade de trabalho e ganho para outros. (...) Tratamos das ocupações e dos salários que os milionários fornecem pessoalmente a dezenas de servidores, como seguranças e cozinheiros. Aí, para ilustrar a idéia, nas duas páginas seguintes está destacado em letras garrafais: 1 milionária = 66 empregos.

Esse é o texto. Agora vamos dar uma passeada pelo subtexto? Basicamente o que a revista endossa é que devemos ficar felizes porque, já que a distribuição de renda do nosso país é criminosa, graças a Deus existem milionários para gerar tantos empregos e riqueza para desfrute de alguns representantes da patuléia. Que as migalhas que esses magnânimos empregadores distribuem aos lacaios são maravilhosas para nosso país, para nossa economia e para nossa sociedade.

E aí a coisa descamba para os disparates típicos de nossas terras tupiniquins, tais como homens altos e fortes que, à guisa de "seguranças", agem como os empregadinhos de luxo que realmente são e ficam segurando o cachorrinho da madame cheia de botox enquanto ela está às turras com seu jipe 4 x 4 e seu celular na frente da escola das crianças. Ou o outro que pára todo o trânsito da rua porque, afinal, ele é "o segurança do Dr. Fulano de Tal" e, portanto, está numa posição social elevada diante dos reles motoristas que estão parados ali. (E não estou falando isso sem conhecimento de causa. Convivo com coisas assim no dia-a-dia.)

Será que sou muito ingênuo, ou pura e simplesmente burro, de achar ofensivo e revoltante que vivamos em um país em que 1,7 milhão de pessoas (1% da população) ganhe o mesmo que 86,5 milhões (50%)? Vivêssemos em um país minimamente civilizado -- não no sentido só da grana, que fique claro -- e essa informação seria suficiente para uma guerra civil. Ou, no mínimo, para uma séria mudança nas estruturas de poder. Ou, quem sabe, para que a base da pirâmide acordasse da sua letargia e visse a condição mísera a que é submetida. Mas isso não vai acontecer em uma sociedade em que o segurança do Dr. Fulano vira para o segurança do Dr. Sicrano e diz: "Você sabe com quem está falando?".

A uma certa altura a revista pergunta: Sem eles [os milionários], o que seria dos sommeliers, dos prédios de luxo da Vila Nova Conceição ou dos caddies, aqueles rapazes que carregam os tacos numa partida de golfe?. Dos porões da minha ignorância, proponho que talvez -- apenas talvez -- fossem cidadãos com aquilo que seus "benfeitores" lhes roubaram ao longo da história: escolha.

13.6.05

Skatós

Deve ser nojento limpar o chão ao redor da minha mesa do escritório. Pedaços de cutículas arrancadas a mordidas. Fios de barba partidos por dedos irriquietos, aos puxões. Unhas roídas, toneladas de unhas roídas, ainda com cheiro de saliva velha.

Isso é uma forma de autofagia ou se é meramente autopunitivo? Ou seria autofagia uma forma de autopunição? Independente do que seja, aquele gostinho de sujeira salgada que fica nos lábios e na ponta da língua é horrivel. A aparência das mãos é decrépita, mais parecendo que a morte me levou para um passeio de mãos dadas. As falhas entre os pêlos da cara e a vermelhidão na pele que dá pra ver através da barba é assustadora.

Dedos mordidos e sem unhas, babados, cutucam a superfície e a (não tão profunda) profundidade do meu rosto barbado. Tenho me sentido bem usando barba. Parece que ajuda a me esconder, talvez dos terríveis dedos que procuram algo que não podem achar aqui e a cada vez que não acham, puxam mais um pêlo, mais um fio deste novelo que é minha vida.

See Ya

3.6.05

Trocas

Olhou uma última vez para sua caneca de café mal coado, já vazia, antes de pegar o dinheiro e guardar a carteira na bolsa. Tentou pagar. O caixa não tinha troco. Ela fuçou no fundo da bolsa e encontrou dinheiro trocado. Furou o dedo em uma agulha ou prendedor de cabelo que estava próximo dos trocados. Pagou e andou até a porta do bar. Chovia. Olhou a chuva fina e fria. Esticou o braço e pressionou a ponta de seu dedo. Uma gota de sangue jogou-se de suas mãos, num suicídio forçado, em direção a corredeira em miniatura que se formava na calçada. Ficou observando até o sangue se desfazer e sumir.

Antes de caminhar na chuva imaginou como seria a cara do homem sob o capuz. Veria seu rosto no reflexo da lâmina, enquanto desesperada para correr? Ou veria seu próprio sangue nas faces deste homem? Sorriu e trocou a bolsa de lado. Nunca andava com ela pendurada no ombro direito. Mas trocou de lado. Teria de ser o direito.

Andou na chuva. Crescia ao seu lado, monstruosa, a Catedral. Olhando suas sujas e molhadas escadarias, cruzou o Marco Zero. Sentiu um calafrio. O vento trocou de direção e apontou para a rua que percorria a lateral da catedral. As grades negras e escorregadias a vigiavam. Seguiu o vento.

Quando se abrigou nas sombras da Catedral, sentiu o aperto e o violento puxar de braços nervosos. Virou e não era um capuz. Era um cobertor enrolado na cabeça. Não era um homem, mas um garoto de 13 anos. Um canivete barato, ao invés da faca. Ironias e trocas. Não gritou e não correu. Deixou a bolsa partir e trocou a expressão no rosto. Chegou a sorrir.

O garoto correu, nervoso e com medo. Medo do mundo, sim, mas muito mais medo daquele sorriso. Olhou pra trás uma vez mais e novamente não encontrou terror ou desespero, mas um sorriso. A luz do semáforo trocou de cor.

Ela caminhou mais uma vez com o vento. Treze passos e sua bolsa ficou ao seus pés. Trocou mais uma vez a bolsa de ombro e partiu, enquanto as pessoas trocavam palavras sobre um corpo agora espalhado por muitos metros de asfalto, sob as sombras da Catedral da Sé.

See Ya